Resumo
O presente artigo reporta-se à temática do doente inimputável portador de patologia mental grave. A sua condição de doente mental e simultaneamente “preso”, em consequência ao ato ilícito cometido, atribui-lhe uma dupla estigmatização. O Serviço de Psiquiatria Forense, através do trabalho desenvolvido por uma equipa multidisciplinar, na qual o enfermeiro desempenha um papel preponderante, visa reverter esta condição negativa e depreciativa, promovendo a sua reinserção comunitária por um processo de reabilitação psicossocial. Este procedimento pressupõe a incursão num novo paradigma, no qual emergem novas conceções como a de “empowerment” e de “recovery”, que subentendem uma evolução no papel do doente, família, comunidade e prestadores de cuidados de saúde. Trata-se de um artigo científico, elaborado a partir de uma revisão bibliográfica sistemática e atual, complementada por uma longa experiência profissional na área da saúde mental e psiquiatria. O objetivo prioritário é dar a conhecer a realidade psicopatológica e jurídico-penal do doente inimputável, o seu processo de reabilitação psicossocial, pondo em relevo o papel preponderante do enfermeiro, promovendo, desta forma, a redução da estigmatização perante a família, comunidade e sociedade.
Palavras-Chave: Doença mental; estigma; doente inimputável; reabilitação psicossocial.
Abstract
This article refers to the theme of the sick unimputable carrier severe mental illness. This condition mentally ill and simultaneously “stuck” in consequence the tort committed, gives him a double stigmatization. The Forensic Psychiatry Service, through the work of a multidisciplinary team, in which the nurse plays a key role, aims to reverse this negative condition and derogatory, promoting their reinsertion community by a process of psychosocial rehabilitation. This procedure assumes the incursion of a new paradigm, in which emerging new concepts such as “empowerment” and “recovery”, which imply an evolution in the role of the patient, family, community and health care providers. It is a scientific article, drawn from a systematic literature review and current, complemented by long professional experience in the area of the mental health and psychiatry. The primary objective is to inform the reality psychopathological and criminal legal of the sick unimputable, their psychosocial rehabilitation, emphasizing the key role of the nurse, promoting, in this way, the reduction of stigmatization before the family, community and society, fomenting the maximization process social and familial reintegration.
Keywords: Mental illness; stigma; sick unimputable; psychosocial rehabilitation.
Os problemas de Saúde Mental constituem a principal causa de incapacidade e morbilidade da nossa sociedade. As perturbações psiquiátricas são uma das principais causas da carga total das doenças nas sociedades, no entanto, só se reconheceu a verdadeira dimensão do seu impacto, quando se verificou a enorme extensão de incapacidade provocada por estas doenças na atualidade (OMS, 2001).
A Doença mental abrange uma larga panóplia de alterações patológicas que atingem a mente, frequentemente com repercussões ao nível da cognição, comportamento e emoções das pessoas. A cada doença corresponde um quadro psicopatológico individual, muitas vezes com sintomatologias sobreponíveis, com cursos e prognósticos distintos, no entanto com a similitude, em maior ou menor grau, na disfuncionalidade que induz, ao doente, nas dimensões biopsicossocial. A sua conceptualização, face à multiculturalidade, nem sempre é de fácil universalidade. Townsend (2002, p.15), a respeito de doença mental explana que se trata de “ (…) respostas desajustadas a factores de stress do ambiente externo e interno, evidenciados por pensamentos, sentimentos e comportamentos que não são congruentes com as normas locais e interferem no funcionamento social, ocupacional e/ou físico do individuo.”
A sociedade, ao longo dos tempos, sempre isolou os doentes mentais. Este isolamento, associado a uma forma de tratamento, caraterizava-se por longos internamentos em hospitais psiquiátricos, que afastavam o doente da família, da sociedade e de uma realidade externa à instituição, atribuindo-lhe um estatuto passivo e submisso em detrimento de um papel proativo. Este paradigma contribuiu inequivocamente para a estigmatização do doente portador de doença mental, conotando-o como um ser incapaz, dependente, indesejável e agressivo, diferente do padrão de normalidade instituído em determinada sociedade.
O estigma está, deste modo, associado ao reconhecimento de algumas características díspares que o doente mental detém e que culminam na sua desvalorização através da veiculação de uma resposta emocional negativa. Trata-se de uma criação social que isola certos atributos, que os classifica como indesejáveis e desvaloriza as pessoas que os possuem. O estigma tende a tornar-se predominantemente importante e a superar as outras características da identidade da pessoa, que assim, fica “deteriorada”. O estigmatizado sofre discriminação de muitas maneiras diferentes e é caracteristicamente rejeitado pelos seus semelhantes (Goffman, 1978 apud Tadvald, 2007).
O doente com patologia mental acaba, com intensidade diversa e de acordo com as suas capacidades cognitivas e emocionais, por arranjar estratégias para evitar esta segregação da comunidade, recorrendo ao segredo sobre a sua condição psicopatológica, muitas vezes através da limitação dos contactos sociais, ou seja, através do isolamento social. Assim sendo, o estigma ao conduzir à omissão da doença por parte do doente e mesmo da família, acaba por perpetuá-la, tornando o seu diagnóstico, tratamento e prognóstico mais difíceis.
Quando se fala na estigmatização da pessoa com doença mental não se está a referenciar um fenómeno apenas de natureza individual, mas sim com um carácter associativo, dado que tal conotação e discriminação negativas propagam-se aos seus familiares diretos e aos cuidadores. No caso do doente inimputável, o estigma da doença mental é reforçado pela carga negativa subjacente ao ato ilícito cometido e consequente medida de internamento judicial que, em maior ou menor dimensão, acabam por excluir o doente da sua comunidade local ou mesmo do seu núcleo familiar, estigmatizando-o duplamente. Paralelamente, a conotação de perigoso, associada aos crimes cometidos, reforça a concepção e estereótipo de perigosidade do doente mental relativamente à sociedade.
A evidência científica e o conhecimento prático demonstram que uma elevada percentagem destes doentes apresenta como diagnóstico subjacente aos atos ilícitos cometidos, a esquizofrenia paranoide, num contexto de sintomatologia psicótica/positiva, algumas vezes coincidente com um primeiro episódio da doença. Esta fase de agudização é caracterizada, essencialmente, pela presença de alterações ao nível sensoperceptivo e do conteúdo do pensamento, manifestadas, respectivamente, pela presença de alucinações auditivas e visuais, assim como delírios persecutórios, místicos e auto-referênciais. É de salientar que, frequentemente, a fase prodrómica que caracteriza o início do curso da doença, qualificada por sintomas inespecíficos como a irritabilidade, diminuição da atenção, insónia, anedonia, apatia, alterações do humor, etc., e sobretudo uma crescente disfunção social por isolamento, acaba por passar despercebida ou de etiologia díspar, sendo o primeiro episódio psicótico da doença o precursor da sua classificação.
A concretização dos atos ilícitos num contexto psicótico, no qual o doente não detém insight ou juízo crítico relativamente aos atos praticados, pressupõe a condição de inimputabilidade. De acordo com o Código Penal Português, artigo 20, a inimputabilidade é consagrada como: “É inimputável quem, por força de uma anomalia psíquica, for incapaz, no momento da prática do facto, de avaliar a ilicitude deste ou de se determinar de acordo com essa avaliação”.
De entre os crimes praticados podem referenciar-se os crimes contra a integridade física (ofensas à integridade física), crimes contra a liberdade das pessoas (crimes de ameaça), crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual (violação e abusos sexuais) e os crimes contra a vida (homicídio e homicídio na forma tentada).
No momento do internamento no Serviço de Psiquiatria Forense, normalmente já decorreu algum tempo sobre o ato ilícito cometido, em virtude do natural decurso do processo judicial e das perícias psiquiátricas complementares. O doente é internado, através da Direcção Geral dos Serviços Prisionais, como preventivo ou para cumprir uma medida de segurança de internamento imposta pelo Tribunal Judicial e executada pelo Tribunal de Execução de Penas (TEP), apresentando-se neste momento, regra geral, já compensado da crise psicótica e numa fase residual da doença. A sintomatologia negativa, consequente do curso da doença, deterioração cognitiva e efeitos secundários da terapêutica antipsicótica instituída, manifesta-se ao nível do défice comportamental, designadamente por embotamento afetivo, isolamento social, avolia e anedonia, com consequências drásticas ao nível do funcionamento social e do próprio auto-cuidado.
A deterioração a este nível, no caso dos doentes que preservam insight para a sua condição psicopatológica, estará com certeza, também, relacionada com o reconhecimento da discriminação e estigma de que são objecto, levando-os a isolar-se dos contactos sociais e, deste modo, reduzindo drasticamente as oportunidades de interação social. A este processo de auto-reconhecimento de estigmatização, não é alheio a perceção dos reais efeitos secundários da terapêutica antipsicótica instituída, os quais são, só por si, limitadores dos contactos sociais, condicionando as oportunidades de desenvolvimento ou manutenção das competências cognitivas, sociais e funcionais.
Relativamente ao tratamento psicofarmacológico da esquizofrenia, nomeadamente em relação aos neurolépticos administrados com o objectivo de reduzir ou anular a sintomatologia psicótica, tem havido, nas últimas décadas, uma evolução exponencial no que concerne à sua farmacocinética e farmacodinâmica, efeitos terapêuticos e secundários. Os antipsicóticos clássicos, apenas antagonistas dos recetores dopaminérgicos e actuando na sintomatologia produtiva, com todos os efeitos extrapiramidais conhecidos como a sialorreia, acatísia, discinésias, distonia, sedação, etc, vieram, a partir da década de 90, a ser substituídos pelos antipsicóticos atípicos, estes com uma múltipla ação antagonista, designadamente a nível dos recetores dopaminérgicos, serotoninérgicos, colinérgicos, etc. Estes últimos, dada a sua eficiência sobre a sintomatologia positiva e negativa, assim como a redução dos efeitos extrapiramidais conhecidos dos neurolépticos clássicos, têm, apesar do seu custo superior, ganho espaço no processo terapêutico destes doentes, com melhores expectativas no prognóstico da doença e no seu processo reabilitativo.
O Serviço de Psiquiatria Forense tem como objectivo primordial a promoção da reabilitação psicossocial destes doentes, através da manutenção ou desenvolvimento das capacidades e competências psicossociais e funcionais, com vista à sua consequente reintegração na sociedade. De acordo com Dec. Lei nº. 115/2009, Código de Execução de Penas e Medidas Privativas da Liberdade, “A execução da medida privativa da liberdade aplicada a inimputável ou a imputável internado, por decisão judicial, em estabelecimento destinado a inimputáveis orienta-se para a reabilitação do internado e a sua reinserção no meio familiar e social, prevenindo a prática de outros factos criminosos e servindo a defesa da sociedade e da vítima em especial”, acrescentando ainda que estas medidas deverão ser executadas preferencialmente em unidades de saúde mental não prisionais.
A reabilitação psicossocial, é um processo que consiste em “(…) ajudar o doente com doença mental grave a voltar ou adquirir um nível mais elevado de funcionamento. A sua orientação é ensinar pessoas incapacitadas pela doença mental, a trabalhar e a viver independentemente, a superar bloqueios, tanto em oportunidades quanto na motivação, e a sugerir regimes de vida que tendem a ou restaurar o nível mais alto possível de bem-estar”. Stuart e Laraia (2001, p.275).
Existem diversos modelos de reabilitação psicossocial, porém eles partilham um conjunto de princípios que guiam o processo reabilitativo do doente e família, a saber:
- Os objetivos centram-se na melhoria da qualidade de vida, sendo identificados pelo doente e família;
- A reabilitação ocorre em parceria com o doente e família;
- As diferenças individuais devem ser reconhecidas e respeitadas;
- A reabilitação deve ajustar-se às mudanças que os doentes apresentam no tempo;
- A reabilitação abrange todos os serviços de que os doentes necessitam para viver com sucesso na comunidade.
Os modelos de reabilitação psicossocial subentendem, desta forma, uma evolução no papel do doente mental e da família, enquanto agentes proativos no processo psicoterapêutico, através da incursão de novos princípios que valorizam o seu potencial de desenvolvimento ao invés da doença. A introdução de novas conceções, como a de recovery e empowerment, impõem-se como agentes preponderantes na evolução da conotação depreciativa e estigmatizante do doente mental, assumindo simultaneamente uma nova visão de intervenção dos prestadores de cuidados.
O conceito de recovery surgiu na década de oitenta, a partir dos escritos de pessoas com experiência de doença mental, nomeadamente, em relação à forma de como aprenderam a lidar com os seus sintomas, recuperaram uma saúde mental estável, adquiriram uma nova “identidade” e participação comunitária. Este conceito traduz uma mudança de paradigma, caracterizado pela esperança e renovação, no qual as pessoas com doença mental são vistas como agentes positivos, com capacidades/possibilidades e competências para recuperarem a sua autodeterminação, autonomia, independência e participação na vida social, utilizando para tal os recursos e suportes comunitários. Nas diversas perspetivas de recovery é possível identificar algumas dimensões comuns:
- O recovery é um processo evolutivo, não linear, caracterizado por pequenos passos concretos que se podem traduzir em avanços ou retornos;
- Apresenta uma perspetiva holística, centrada no bem-estar geral, autodeterminação e participação social, em oposição à focagem na doença e nos seus sintomas;
- O recovery está relacionado com o empowerment, dado que implica que as pessoas tenham acesso à informação, opções de escolha, poder de decisão sobre o seu percurso pessoal para o recovery;
- Os recursos da comunidade como habitação, alimentação, emprego, rendimento, educação, etc., são fundamentais para o alcance e manutenção do bem-estar;
- É uma experiência individual, processada coletivamente, através do apoio de redes de suporte como, a família, amigos, pares, colegas, vizinhos, etc. (Ornelas, 2008).
No que concerne ao empowerment, de acordo com o Empowerment Group da University of Cornell (1989) apud Ornelas (2008, p.47), este pode ser conceptualizado como “ (…) um processo intencional e contínuo que envolve o respeito mútuo, a reflexão critica, o apoio e a participação em grupos, através dos quais as pessoas mais isoladas e com menos acessos aos recursos disponíveis podem aumentar a sua acessibilidade e controlo sobre esses mesmos recursos”.
Na reabilitação psicossocial está envolvida uma equipa multidisciplinar, constituída por médicos, enfermeiros, assistentes sociais, técnicos de reabilitação, terapeutas ocupacionais, etc., onde o doente, família e a própria comunidade assumem um papel primordial. A este respeito, Liberman (1988) apud Campos (2006), salienta que estes técnicos devem possuir os conhecimentos básicos na área da saúde mental, nomeadamente, terapia comportamental, psicopatologia, técnicas comunicacionais e de relacionamento interpessoal, gosto em trabalhar com doentes com doença mental, etc.
O enfermeiro, enquanto elemento detentor de múltipla diversidade de saberes, nomeadamente no âmbito da psicopatologia, psicofarmacologia, psicoterapia, treino de aptidões sociais e funcionais, etc., aliado ao facto de passar mais tempo com o doente, será com certeza um técnico com amplo conhecimento holístico do doente, nas suas dimensões biopsicossocial, devendo, deste modo, assumir um papel preponderante no seu processo de reabilitação psicossocial e sua desestigmatização. Para Stuart e Laraia (2001), os enfermeiros têm o dever de agir como defensores dos doentes, criando um ambiente ético que os respeite e intervindo na satisfação das suas necessidades psiquiátricas e de saúde mental.
É neste contexto que o Enfermeiro Especialista em Saúde Mental e Psiquiatria deve realizar intervenções, nomeadamente autónomas, e demonstrar competências científicas, ao nível técnico e relacional, que o diferem dos outros técnicos. A visão holística do doente, numa perspetiva de interdependência biopsicossocial, a utilização do processo de enfermagem, o estabelecimento da relação terapêutica e de ajuda, o desenvolvimento de técnicas de intervenção psicoterapêutica, etc., são bons exemplos dessa distinção. Bower (1992) apud Townsend (2002), identificou cinco papéis do enfermeiro para cuidar do doente com doença mental crónica, que coincidem com as etapas do processo de enfermagem.
Interacção
O enfermeiro desenvolve um relacionamento de confiança com o doente, família e prestadores de serviços;
Histórico
O enfermeiro constrói a história acerca da saúde física, funcional e mental do doente, sistemas de apoio social e comunitário, recursos financeiros e condições ambientais;
Planeamento
Elaboração de um plano de cuidados, devendo incluir metas acordadas, ações especificas, selecção de recursos e serviços essenciais, em colaboração com o doente, outros técnicos de saúde, família e comunidade;
Implementação
O doente recebe os cuidados, necessários para a sua integração, provenientes dos prestadores de cuidados. Em alguns casos o enfermeiro (gerente) é também o prestador de cuidados, noutros, ele assume-se “apenas” como coordenador dos cuidados;
Evolução
O gerente do caso monitoriza e avalia as respostas do doente relativamente às prescrições e o seu progresso no sentido da concretização dos objetivos delineados. O contacto regular é mantido com o doente, família e prestadores de serviços diretos. A coordenação dos cuidados continuados mantém-se até que os objetivos sejam alcançados.
Neste sentido, os cuidados de enfermagem no âmbito da saúde mental e psiquiátrica têm sempre subjacentes as concepções de empowerment e recovery, respectivamente através do desenvolvimento de contextos em que as pessoas isoladas ou silenciadas possam ser compreendidas, ouvidas e participar nas decisões que lhes dizem diretamente respeito e, deste modo, serem vistos como agentes positivos, com capacidades/possibilidades e competências para recuperarem a sua autodeterminação, autonomia, independência e participação na vida social.
Em Portugal, ao contrário de outros países, nomeadamente anglo-saxónicos, a enfermagem forense ainda não é considerada uma especialização em enfermagem, porém o contexto teórico-prático é responsável pelo desenvolvimento de algumas dimensões que não estão presentes na enfermagem psiquiátrica generalista, tal como o conhecimento de alguns aspetos médico-legais e jurídico-penais, a manutenção de um setting terapêutico seguro pela gestão de comportamentos de risco e a promoção da reabilitação psicossocial num contexto duplamente estigmatizado.
Um dos mecanismos jurídico-penais de grande importância no processo reabilitativo do doente, no qual o enfermeiro desempenha um papel relevante no âmbito da sua preparação e decisão do seu deferimento ou indeferimento, são as licenças, especialmente as administrativas e jurisdicionais. Durante o processo de internamento, o doente pode gozar licenças de saída jurisdicionais ou administrativas, como forma de preservar ou desenvolver competências sociais e funcionais, laços afetivos com os familiares e comunidade local, promovendo assim a sua reinserção sociofamiliar. As licenças de saída jurisdicionais são concedidas e revogadas pelo TEP, em função de alguns critérios como a duração da pena e o comportamento do doente, não podendo ultrapassar o limite máximo de sete dias consecutivos, a gozar de quatro em quatro meses. As licenças administrativas podem ser concedidas pela equipa multidisciplinar, de três em três meses, até ao máximo de três dias seguidos, abrangendo preferencialmente os fins de semana. Antes do gozo destas licenças, o enfermeiro realiza, em parceria com o doente e família, um trabalho essencial na sua preparação, através da implementação de intervenções autónomas, em especial psicoterapêuticas, que visam o desenvolvimento de aptidões e competências sociais e funcionais. Estas competências assumem-se como fundamentais para que as licenças decorram sem incidentes e cumpram o seu papel de agente potenciador e experienciador da interacção sociofamiliar, diminuam o estigma e promovam a reabilitação psicossocial do doente. No âmbito destas intervenções podem ser nomeadas, a educação para a saúde, a psicoeducação, o treino de aptidões sociais e funcionais, o relaxamento, etc.
A preparação da alta do doente, definitiva no caso do cumprimento da totalidade da medida de segurança, ou para prova se sai antes do término da medida de segurança, inicia-se no dia da sua admissão no serviço. O conhecimento holístico, de cada doente, detido pelo enfermeiro, consubstanciado pela elaboração da sua história biopsicossocial, revela-se indispensável na maximização de todo o processo reabilitativo. A elaboração de relatórios de enfermagem que caracterizam o doente nas dimensões biopsicossocial são veículos promotores da continuidade dos cuidados, reintegração e desestigmatização do doente na comunidade. Estes instrumentos são frequentemente solicitados por instituições, no caso de doentes com deficiente ou nulo suporte familiar, no sentido de perceberem as suas reais capacidades e competências, com vista à sua admissão após a alta do serviço de psiquiatria forense. Do mesmo modo, no caso de integração do doente na sua comunidade de origem, estes relatórios são enviados, aquando da sua alta, para as estruturas de saúde e acompanhamento locais, contribuindo para a continuidade dos cuidados de saúde. O papel do Instituto de Reinserção Social é de máxima relevância, em especial quando o doente perde o contacto com o serviço de psiquiatria forense, pois serve de suporte familiar e comunitário, permitindo uma monitorização contínua do processo de reinserção.
A reabilitação psicossocial e consequente reinserção do doente inimputável nem sempre são ocorrências de absoluto sucesso, se entendermos como tal a perfeita integração do doente no meio sociofamiliar, com desempenho de um papel profícuo e pautado pela autonomia. Existem alguns fatores que acabam por influenciar negativamente este objetivo, designadamente o grau de deterioração induzido pela doença e consequente dependência, a idade do doente, a inexistência de suporte familiar e comunitário e sobretudo o duplo estigma associado à condição de doente mental e “preso”.
Referências Bibliográficas:
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ORNELAS, José – Psicologia Comunitária. Lisboa: Fim de Século, 2008. 478p.
PORTUGAL. Ministério da Justiça. Decreto-Lei Nº 48/95 – Código Penal: Inimputabilidade em razão de anomalia psíquica. D. R. I Série. 63 (95-03-15).
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STUART, Gail e LARAIA, Michele – Enfermagem Psiquiátrica: Princípios e Prática. 6ª Edição. Porto Alegre: Artmed Editora, 2001.
TADVALD, Marcelo – Marcas Sociais da Insanidade: Os Efeitos do Estigma para Ex-Internos de Instituições Manicomiais. Paraíba: Revista Ártemis. Vol. 7, Dezembro 2007, p. 69-78.
TOWNSEND, Mary – Enfermagem Psiquiátrica: Conceitos e Cuidados. 3ª Edição. Rio de Janeiro: Guanabara koogan, 2002.

Paulo Jorge Santos Rosa - Enfermeiro Especialista em Enfermagem de Saúde Mental e Psiquiátrica

Maria Fernanda Batista Rodrigues - Enfermeira Chefe (Especialista em Enfermagem de Saúde Mental e Psiquiátrica)
Este artigo foi escrito ao abrigo do novo acordo ortográfico.