Na prática clínica atual tem-se generalizado a utilização de dispositivos percutâneos médicos em diversas áreas terapêuticas. A presença destes dispositivos forma uma ferida (ponto de inserção), que deve ser tratada de forma adequada para evitar o aparecimento de complicações, tais como a infeção e a hipergranulação. O tratamento à ferida no ponto de inserção permite reduzir o risco destas complicações. A adoção de princípios básicos de boas práticas, pelos profissionais de saúde, utentes e cuidadores informais, a este tipo de feridas é condição imprescindível para a prevenção das complicações.
Objectivos
- Sensibilizar os profissionais de saúde para a importância da adoção de boas práticas nos cuidados à ferida no ponto de inserção;
- Analisar as complicações mais frequentes à ferida no ponto de inserção;
- Consciencializar os profissionais de saúde da sua importância na promoção do autocuidado do utente a este tipo de ferida.
Metodologia de investigação
Realizou-se, de 7 a 19 de fevereiro de 2014, uma pesquisa nas bases de dados científicas CINAHL, Nursing & Allied Health Collection, British Nursing Index, Cochrane Collection, MedicLatina e MEDLINE, através das palavras-chave: feridas, ponto de inserção, hipergranulação e infeção. A pesquisa foi limitada a artigos escritos em inglês, português e espanhol, selecionando-se o período que compreendia produções científicas de janeiro de 2000 até ao presente. Foram selecionados 15 artigos, que foram sujeitos a leitura e análise e, que permitiram extrair as informações mais relevantes para o desenvolvimento deste trabalho.
Desenvolvimento
Na prática clínica atual utilizam-se de uma forma generalizada uma variedade de dispositivos percutâneos, que incluem, entre outras, cateteres de diálise peritoneal (DP), tubos de gastrostomia endoscópica percutânea (PEG), tubos de traqueostomia, cateteres suprapúbicos e dispositivos de acesso vascular.
Estes dispositivos estão indicados para doentes que são incapazes de manter as suas funções corporais normais, por causa de uma doença ou incapacidade e que necessitam de um tratamento complementar para satisfazer as necessidades humanas básicas.
Os dispositivos percutâneos introduzem-se através de um orifício realizado cirurgicamente na pele, para poder aceder às estruturas, órgãos e tecidos subjacentes e administrar ou eliminar líquidos ou gases. Esta abertura na pele denomina-se ponto de inserção.
Também se podem utilizar dispositivos de fixação externa, que mantêm fixo o esqueleto através de fios ou cravos, como objetivo de um tratamento ortopédico ou tratamento de traumatismos. Neste caso, resulta uma ferida percutânea na interface entre um cravo ou fio e a pele.
Ao contrário do que acontece nas feridas agudas ou crónicas em que o objetivo é a cicatrização da ferida, no caso de uma ferida no ponto de inserção o objetivo é manter uma abertura saudável com exsudado mínimo. Ainda que exista uma tendência natural para que a ferida se estreite em redor do tubo/dispositivo, todos os dispositivos percutâneos atuam como corpos estranhos no tecido, o que evita que a ferida cicatrize (McClave SA & Neff RL, 2006).
Quanto mais tempo esteja inserido o dispositivo, maior a probabilidade de complicações para o doente (Royal College of Nursing, 2010).
Risco de complicações no ponto de inserção
- Segundo estimativas, os cateteres venosos centrais são responsáveis por 250.000-400.000 infeções do sangue, associada a uma taxa de mortalidade de 10-35% (Altman S., 2006);
- As infeções no ponto de inserção em diálise peritoneal fazem com que aumente em 6 vezes o risco de peritonite, o que obriga à retirada do cateter em 50% dos casos (Johnson, D. W. et al., 2009);
- As infeções no trajeto do cravo são uma complicação importante da fixação externa em fraturas complexas e deformidades das extremidades (Royal College of Nursing, 2010). Os índices publicados sobre a infeção em redor do cravo oscilam entre 1% em caso de infeções importantes (osteomielite) e em 80% em caso de infeções pouco importantes (Temple, J. & Santy, J., 2004);
- A PEG é o método de eleição na nutrição/hidratação entérica artificial a longo prazo. Podem surgir infeções locais num intervalo aproximado entre os 2% e os 39% consoante os procedimentos efetuados (Zoft, Y. et al., 2008).
Princípios Básicos
Cada dispositivo tem requisitos específicos de manipulação pelo que é importante seguir as instruções do fabricante e os protocolos de serviço. Todavia existem princípios básicos que são importantes a considerar nos cuidados às feridas no ponto de inserção.
Os princípios básicos de tratamento incluem:
1 - Garantir a permeabilidade e a eficácia do dispositivo;
2 - Manter a integridade da pele circundante;
3 - Evitar infeções e outras complicações.
1 - Garantir a permeabilidade e a eficácia do dispositivo
Todos os dispositivos devem-se colocar, imobilizar e fixar de forma adequada. (Best, C., 2009 & Tomlins, M. J., 2008). Isto pode implicar o uso de apósitos apropriados que ajudem a imobilizar o dispositivo (Royal College of Nursing, 2010). Não obstante, os movimentos dos doentes ou uma má colocação do dispositivo podem causar ferimentos na pele circundante, por pressão ou fricção (Sigler, B., 1997). Os dispositivos devem ser avaliados no sentido de se verificar se se ajustam de forma adequada à situação, comprovando que não há drenagem de líquido sobre a pele circundante.
2 - Manutenção da integridade da pele circundante
A pele circundante no ponto de inserção deverá manter-se limpa e seca para evitar a proliferação de bactérias. Nestas situações está contra indicado o uso de cremes protetores. Em caso de necessidade de tratar situações de irritação ou maceração da pele circundante o profissional de saúde deverá assegurar-se de que o mesmo não danifica o dispositivo e que não se infiltre no ponto de inserção.
3 - Evitar infeções e outras complicações
Todos os pontos de inserção estão colonizados por bactérias, que podem provocar infeções no ponto de inserção. A infeção pode ser superficial em redor do ponto de inserção ou pode evoluir para o trajeto do dispositivo, aumentando de forma significativa o risco de infeção bacteriana das estruturas subjacentes.
Alguns dispositivos, como os cateteres centrais, exigem a utilização de técnica asséptica durante o tratamento e a aplicação de um apósito transparente através do qual se possa observar o ponto de inserção.
A limpeza da ferida tem como objetivo a redução da carga bacteriana e a eliminação de exsudados da ferida, pele circundante e dispositivo (Wong, F., 2003), podendo ser utilizadas soluções salinas e soluções antissépticas (iodopovidona, clorhexidina e polihexanida) (Temple, J. & Santy, J. (2004).
Nalgumas feridas pode utilizar-se uma técnica limpa com o objetivo de evitar a contaminação por micro-organismos e a redução da carga bacteriana. A limpeza regular da ferida e pele circundante pode ajudar o doente e/ou cuidador a detetar precocemente sinais de complicações. Desta forma recomenda-se:
- Limpar a pele circundante ao dispositivo com sabão suave e água morna;
- Limpar o dispositivo conforme as instruções do fabricante, eliminando toda a acumulação de exsudado seco, sangue e sabão residual;
- Secar bem a área com uma compressa seca.
Função dos apósitos
Podem-se utilizar apósitos para manter uma barreira eficaz que evite que entrem bactérias e outros micro-organismos na ferida no ponto de inserção, sendo claro o consenso na utilização de um apósito que mantenha a ferida livre de humidade (Royal College of Nursing, 2010).
Por outro lado, generalizou-se a utilização de apósitos impregnados com agentes antissépticos no tratamento às feridas no ponto de inserção. A este respeito Hadaway refere que o uso de polihexanida reduz as infeções no local cirúrgico (Hadaway, L., 2010).
Complicações das feridas no ponto de inserção:
- Infeção;
- Formação de biofilmes;
- Hipergranulação.


Conclusão
É importante que os profissionais de saúde estejam informados acerca das tecnologias e procedimentos no âmbito dos dispositivos de inserção, para que possam assegurar aos seus doentes os melhores cuidados (Tomlins, M. J., 2008).
Os doentes com dispositivos de longa duração deverão ser incentivados a tratarem eles mesmos das suas feridas. Cabe aos profissionais de saúde, os ensinos para uma manipulação cuidada do dispositivo e tratamento da ferida, de forma a prevenir complicações.
Bibliografia
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AUTORES
Maria Helena Junqueira - Enfermeira Graduada e Pedro Quintas - Enfermeiro Especialista em Saúde Comunitária