O cancro do pâncreas é habitualmente um tumor de mau prognóstico e evolução rápida. Cerca de 95% dos tumores malignos pancreáticos tem origem no pâncreas exócrino.
Actualmente existem duas entidades, a neoplasia cística mucinosa e a neoplasia intradutal papilar mucinosa, que são consideradas lesões pré malignas a nível do pâncreas exócrino. Dos tumores exócrinos malignos, 85% são adenocarcinomas ductais.
O cancro do pâncreas representa a 4ª causa de morte por cancro no mundo, embora seja responsável apenas por 3% dos novos casos de cancro diagnosticados mundialmente. A sua incidência varia entre 1 a 10 casos/100.000 habitantes, sendo ligeiramente superior nos países desenvolvidos. Nos Estados Unidos estima-se que, em 2014, 46.000 os novos casos sejam diagnosticados, prevendo-se 40.000 mortes por esta doença.
Na União Europeia, em 2012, foram diagnosticados 78.654 novos doentes e, destes, 77940 morreram nesse ano. Para 2014, a taxa de mortalidade estimada é de 8,13 e 5,56 por cem mil habitantes no sexo masculino e feminino, respectivamente.
Actualmente, em Portugal estimam-se 1225 novos casos/ano no nosso país. Em Portugal, em 2008, a incidência e a mortalidade em ambos os sexos foi de 5,36 e de 6,8 por cem mil habitantes, respectivamente.
A sobrevivência global aos 5 anos, para todos os estadios é, actualmente, de 6%.
A doença pode ocorrer em ambos os sexos e em todas as etnias havendo, no entanto, um ligeiro predomínio do sexo masculino e na raça negra (versus a caucasiana). Esta é ainda uma doença cujo risco aumenta com a idade, sendo rara antes dos 40 anos de idade. A idade mediana ao diagnóstico é de 71 anos.
Existem vários factores de risco para desenvolver a doença, mas cerca de 5-10% dos cancros do pâncreas estão associados a síndromas hereditárias, nomeadamente: síndrome de pancreatite crónica, cancro colorectal não polipoíde hereditário, síndrome hereditário atípico do melanoma mole múltiplo, cancro da mama e ovário hereditários associados a mutação do BRCA 2, síndrome de Peutz Jeghers, ataxia telangiectasia, síndrome de lynch e cancro do pâncreas familiar.
Esta última entidade, o cancro do pâncreas familiar, define-se como uma predisposição hereditária baseada num clustering familiar, em que há vários familiares de 1º e 2ª grau com adenocarcinoma do pâncreas dutais, sem síndromes genéticos conhecidos. Nestes, o risco está intimamente relacionado com o número de familiares afectados.
Para além disso, são factores de risco para o seu desenvolvimento a obesidade, uma dieta rica em gorduras sobretudo de origem animal, o tabaco, a diabetes mellitus não hereditária e a pancreatite crónica. Parece ainda haver uma associação com o consumo excessivo de álcool e, em alguns estudos, com o café.
Embora não haja nenhum método de prevenção do cancro do pâncreas, podemos inferir que hábitos de vida saudáveis como evicção de consumo de tabaco e de bebidas alcoólicas em excesso, uma dieta equilibrada com ingestão reduzida de gorduras, privilegiando a ingestão de frutas e vegetais e a prática de exercício físico poderão reduzir o risco do aparecimento da doença.
Diagnóstico e estadiamento
Sabemos que o diagnóstico de cancro do pâncreas habitualmente implica vários exames, nomeadamente, TAC abdominal com fase arterial e venosa, ressonância magnética, colangiopancreatografia retrógada endoscópica e/ou biópsia. Porém, no caso de uma imagem fortemente suspeita de ser uma neoplasia maligna do pâncreas, exequível de ser abordada cirurgicamente com uma ressecção completa essa deve ser a abordagem, não sendo necessária a realização de biópsia da massa/imagem. Não sendo possível ou havendo dúvidas da exequibilidade da ressecção cirúrgica, deverá ser realizada uma biópsia; o método teoricamente menos invasivo (menos risco de sementeira) será a biópsia por colangiopancreatografia retrógada endoscópica.
Embora inespecíficos para o diagnóstico, os marcadores tumorais ca 19,9 e cea podem estar elevados e, nesse caso, podem ser uma ferramenta para avaliação de resposta ao tratamento.
No cancro do pâncreas é fundamental uma abordagem multidisciplinar, em que participam a cirurgia, oncologia médica, a radioncologia, a imagiologia e, por vezes a radiologia de intervenção.
Apesar do estadiamento do cancro do pâncreas se realizar com base na classificação TMN, em termos de abordagem terapêutica os tumores dividem-se em: ressecáveis; borderline para ressecabilidade; localmente avançados e irressecáveis; metastizados.
O único tratamento curativo do cancro do pâncreas é a cirurgia, contudo aquando do diagnóstico, apenas 10 a 20% dos doentes são candidatos a ela. A maioria dos doentes tem doença metastizada (doentes com cancro do pâncreas e metástases em outros órgãos; 60%) ou doença localmente avançada (doença apenas no pâncreas, mas que não é possível remover totalmente com a cirurgia; 20%) no diagnóstico.
Tratamento
Sabemos que o único tratamento curativo é a cirurgia. Contudo, ao diagnóstico, apenas 10 a 20% dos doentes são candidatos ao tratamento cirúrgico.
Abordagem dos tumores ressecáveis:
Nos tumores cefálicos a cirurgia habitual é a pancreaticoduodenectomia (cirurgia de Whipple).
Nos tumores do corpo e cauda a cirurgia standard é a pancreatectomia distal, que frequentemente implica a esplenectomia.
Sabe-se que, mesmo nos doentes submetidos a cirurgia, a taxa de sobrevivência aos 5 anos é de 22%, pelo que o tratamento adjuvante (tratamento complementar a uma cirurgia considerada curativa) deverá ser considerado em todos os doentes que apresentem condições clínicas.
Não existe actualmente, um tratamento adjuvante standard; quimioterapia ou radioterapia e quimioterapia concomitantes são, à data actual, as opções mais preconizadas.
Os resultados de vários estudos fase III validam a realização de quimioterapia adjuvante, com o aumento da sobrevivência global nos doentes que a realizam. Alguns preconizam a realização de quimioterapia e radioterapia adjuvantes. Para esta opção, os resultados de vários estudos são mais controversos e até contraditórios. Embora, mais uma vez não comparáveis. Existem estudos que demonstram o benefício da sua utilização, mas em outros esse benefício não foi demonstrado.
Abordagem dos tumores borderline:
O conceito de tumor borderline é um novo desafio, até mesmo na definição, dada a controvérsia dos critérios da mesma. Na prática, um tumor borderline, é um tumor possivelmente ressecável, mas com elevado risco de margens microscópicas envolvidas. Neste sentido, cada vez mais se advoga que os doentes poderão beneficiar de um tratamento neoadjuvante (tratamento prévio à realização de cirurgia), que, em alguns doentes, nos irá permitir realizar o downstaging tumoral e possibilitar a ressecção do tumor e, por outro lado, permite seleccionar doentes para cirurgia. Mais uma vez não existe um protocolo standard de actuação. As opções mais utilizadas são quimioterapia isolada ou quimioterapia concomitante com radioterapia.
Abordagem dos tumores localmente avançados irressecáveis e os metastáticos:
Quanto aos tumores localmente avançados irressecáveis e os metastáticos, o tratamento habitual é a quimioterapia, nos doentes que apresentam condições clínicas para tal.
A sobrevivência global aos 5 anos nos tumores metastizados é de 1,6%.
As opções de quimioterapia no pâncreas são escassas.
Durante muitos anos as opções foram a gemcitabina e o 5-flurouracilo; preferencialmente utilizava-se a primeira, porque no estudo que comparou o uso dos dois fármacos, demonstrou-se um benefício clínico (melhoria dos sintomas, diminuição de necessidade de analgésicos e aumento de peso) com a gemcitabina.
Em 2007 a associação de gemcitabina com erlotinib, demonstrou um benefício na sobrevivência global e tornou -se uma opção terapêutica; contudo os doentes que realizaram os 2 fármacos apresentaram maior toxicidade, particularmente rash cutâneo e diarreia.
Em 2011, é com grande entusiasmo que se verifica um claro aumento da sobrevivência global ao tratar o cancro do pâncreas metastizado com uma associação de fármacos (oxaliplatina, irinotecano, levofolinato e 5-flurouracilo); contudo este é um tratamento bastante agressivo e com elevada toxicidade, nomeadamente neutropenia (baixa de leucócitos), neuropatia (lesão dos nervos sensitivos, que provoca, habitualmente, parestesias das extremidades das mãos e pés) e diarreia. Acrescenta-se ainda que a sua realização é apenas possível de se ponderar numa minoria (15-25%) dos doentes.
Em 2013, o tratamento com a gemcitabina associada ao nab-paclitaxel (paclitaxel formulado como nanopartículas ligadas a albumina) demonstrou benefício na sobrevivência global, tornando-se uma nova opção para o tratamento do cancro do pâncreas metastizado. Segundo os dados mais recentes, 10% dos doentes estão vivos aos 2 anos e aos 3,5 anos ainda estão vivos 3% dos doentes. A este aumento da sobrevivência global associa-se um aumento do tempo livre de progressão da doença. Embora habitualmente este tratamento seja bem tolerado, quando comparado com o tratamento apenas com gemcitabina, os doentes têm maior risco de apresentar neutropenia, fadiga e neuropatia. A neuropatia induzida pelo nab-paclitaxel, é, na maioria dos casos, facilmente manuseável e, em média, reversível em menos de 30 dias, ao contrário da neuropatia sequelar ao esquema folfirinox, que frequentemente é persistente e irreversível.
Com a evolução das terapêuticas a sobrevivência global tem vindo a aumentar. A decisão de qual o esquema terapêutico a realizar deve ser muito bem ponderada, de acordo com as características do doente e até com as suas expectativas em relação ao tratamento. Não podemos nunca esquecer que a terapêutica de cada doente deve ser individualizada e ajustada aos objectivos do próprio doente.
Não podemos nunca deixar de mencionar que a inclusão dos doentes com cancro do pâncreas em ensaios clínicos deve ser ponderada e realizada sempre que exequível, em qualquer fase da doença. Actualmente decorrem vários estudos/ensaios clínicos com fármacos novos, ou com associações novas de fármacos, em que vários hospitais portugueses estão a participar e dos quais se aguardam resultados.
Por último, é fundamental não esquecer o tratamento de suporte, isto é o tratamento dos sinais e sintomas, deve ser um contínuo em todos os doentes oncológicos, assumindo particular relevância no cancro do pâncreas uma vez que um elevado número de doentes se apresenta, em alguma fase da sua doença bastante sintomático. O tratamento de suporte deve iniciar-se no diagnóstico e continuar por toda a vida do doente.
A investigação de novas terapêuticas para o cancro do pâncreas é uma realidade e, representa uma esperança para os doentes e para os médicos. Estou certa que com o desenvolvimento de mais ensaios clínicos e novas terapêuticas, será possível melhorar as respostas à doença ao longo do tempo.