Pitavastatina Update - Evidência nos doentes com alterações metabólicas
“Mais de 50% dos doentes que sofrem um EAM têm valores de c-HDL inferiores a 40mg/dl. Face a estes dados, desde 2005 que falamos no colesterol HDL enquanto fator de risco cardiovascular”, afirmou o Prof. Doutor John Chapman. Sabe-se, inclusivamente, que um incremento “dos valores de c-HDL aumenta a atividade antioxidante e anti-inflamatória”.
O problema, acrescentou, “é que, devido a diferenças farmacológicas, o efeito das estatinas sobre o c-HDL é muito variável”, sendo que a sinvastatina e a pitavastatina parecem ser as que têm maior capacidade de elevação do “bom colesterol”.
Tal “variabilidade foi estudada numa revisão sistemática e numa meta-análise que tiveram como objetivo determinar a relação entre a redução do c-LDL e a elevação do c-HDL. A ideia seria eleger as estatinas com melhor relação, ou seja, a melhor resposta em ambos os parâmetros. Curiosamente verificou-se também uma grande variação interindividual, o que sugere que há variações genéticas que condicionam a resposta ao tratamento com estatinas. Isto é válido tanto para o c-LDL como para o c-HDL”.

Prof. Doutor John Chapman
Segundo o Prof. Doutor John Chapman, os ensaios clínicos dão conta de um valor médio que esconde a “enorme variedade de respostas”. É por isso que, na prática clínica, “é fundamental seguirmos os nossos doentes. Não basta prescrever o tratamento, temos de confirmar se este é eficaz”. Se a resposta não for suficiente, “temos de intensificar a terapêutica com um aumento de dose da estatina ou com a associação de ezetimiba”, recomendou.
Esta questão será, aliás, referida nas guidelines que estão a ser preparadas para 2016, como forma de alertar os médicos para a necessidade de monitorizar essa resposta interindividual.
Num breve resumo do estudo COMPACT-CAD (Comparison of pitavastatin with atorvastatin in increasing HDL-cholesterol and adiponectin in patients with dyslipidemia and coronary artery disease), o orador lembrou que a pitavastatina permitiu um aumento significativo no c-HDL, o que vem confirmer que, “de facto, há diferenças entre as várias estatinas no que respeita aos efeitos sobre o c-HDL”. Verificou-se ainda, nos doentes que receberam pitavastatina, um aumento contínuo da ApoA1 e um aumento significativo da adiponectina, que é “uma molécula muito sofisticada que desempenha um papel-chave na modulação da resistência e sensibilidade à insulina”.
Todavia, a pitavastatina tem outras particularidades observadas em vários estudos em torno do c-HDL. É o caso da redução da produção de ApoCIII, cuja concentração está também associada a um aumento do risco cardiovascular.
Relativamente à segurança e toxicidade, há também diferenças entre as Estatinas. “Como em qualquer fármaco, se aumentarmos a concentração, aumentamos o risco de efeitos adversos e no caso das estatinas, estamos a falar de sintomas musculares, de toxicidade hepática, de disglicemia e de proteinúria”.
Centrando-se nas alterações glicémicas induzidas pelas estatinas, o Prof. Doutor John Chapman lembrou que, em determinada altura, alguns investigadores julgavam tratar-se de um efeito de classe. No entanto, os resultados da primeira meta análise sobre a associação entre a disglicemia e as estatinas foram muito heterogéneos, confirmando que, para algumas estatinas há um risco de disglicemia mais elevado do que para outras.
Também aqui há alguma variabilidade interpessoal, uma vez que o risco de disglicemia é mais elevado nos doentes com fatores de risco para a diabtes ou já com alterações no metabolismo da glicose. Aliás, acrescentou o especialista, “já no estudo TNT se tinha concluído que o risco de diabetes associado à atorvastatina estava também muito relacionado com o perfil de risco de cada doente”.
A dislipidemia no diabético tem características muito particulares, “desde logo a redução do c-HDL e a elevação dos triglicerídeos”. Quanto ao c-LDL, por norma são partículas pequenas, muito densas e altamente aterogénicas. “Este é o perfil lipídico clássico de um doente com diabetes tipo 2, mesmo quando a glicemia está controlada e dentro dos alvos terapêuticos”. Segundo o especialista, “em conjunto, estes fatores vão favorecer e acelerar a doença aterosclerótica e a doença cardiovascular”.
A grande discussão reside no tempo de progressão da diabetes versus desenvolvimento de dislipidemia.


“Muitos indivíduos com tolerância normal à glicose, embora já com uma ligeira alteração na glicemia pós-prandial, expressam moderado aumento no colesterol LDL e ligeira redução do colesterol HDL: À medida que se aproximam de um estado pré-diabético, as alterações lipídicas vão-se acentuando. A questão é, quem chega primeiro: a diabetes ou a dislipidemia?”, questionou o orador.
Por outro lado, “em indivíduos com resistência à insulina há uma acumulação progressiva de lípidos em vários órgãos, nomeadamente, no fígado, nos músculos e no pâncreas. Às vezes chamamos-lhe de lipotoxicidade. O que sabemos é que, quando há essa acumulação de gordura, há também um impacto na secreção e na resistência à insulina, por exemplo, no músculo e no fígado”, descreveu.
Há, portanto uma relação clara entre dislipidemia e a acumulação de lípidos em vários órgãos. Todos estes efeitos favorecem a hiperglicemia. “E poderá a pitavastatina corrigir o metabolismo lipídico anormal associado à pré-diabetes e à síndrome metabólica?”, questionou o Prof. Doutor John Chapman.
Para responder a esta questão foi desenvolvido o estudo CAPITAIN (Chronic effects of pitavastatin on plasma lipid transport and ateroma biomarkers in patients at elevated risk for the premature development of atherosclerosis), cujo desenho foi muito bem definido e incluía a avaliação de diversos parâmetros metabólicos.
O estudo teve vários objetivos, incluindo a investigação do efeito da pitavastatina, na dose de 4 mg, administrada durante seis meses, nos biomarcadores plasmáticos de inflamação e aterosclerose, tais como os monócitos, linfócitos, adesão endotelial de proteínas, lipoproteínas aterogénicas e HDL cardioprotetor, bem como o efeito no controlo glicémico.
O controlo glicémico foi avaliado em jejum, através do índice HOMA (Homeostasis Model Assesment), pelos níveis de insulina, pelas taxas de insulina/glicose e pela HbA1c.
“Verificou-se que a pitavastatina reduziu o colesterol não-HDL e melhorou o colesterol HDL no plasma, melhorando, por conseguinte, a capacidade antioxidante”, descreveu o especialista.
Quanto ao potencial diabetogénico, ficou demonstrado, no estudo CAPITAIN, que a pitavastatina tem um efeito neutro no controlo glicémico de doentes com um risco metabólico relevante.
De forma resumida, o Prof. Doutor John Chapman referiu que “o tratamento com pitavastatina favorece a normalização das anomalias dos lípidos-chave em circulação, envolvidos na fisiopatologia da diabetes tipo 2. Esta estatina pode, por isso, ter um especial interesse na abordagem da dislipidemia dos doentes diabéticos e pré-diabéticos”.

Prof. Doutor Eric Bruckert
O Prof. Doutor Eric Bruckert começou por salientar a importância do diagnóstico precoce e preciso da hipercolesterolemia familiar (HF) e da especificidade de abordagem terapêutica em relação à dislipidemia não-familiar.
Tomando como exemplo o potencial caso clínico de um homem de 41 anos, não fumador, com uma pressão arterial de 128/88 mmHg, não diabético, sem doença cardiovascular, com uma dieta equilibrada, com um colesterol LDL (c-LDL) de 188mg/dl, um colesterol HDL (c-HDL) de 43mg/dl e triglicerídeos de 128mg/dl, o especialista do Hospital Universitário de Pitié-Salpêtrière referiu que, à luz das recomendações da EAS e ESC, este doente teria um baixo risco cardiovascular. “Para além da elevação do colesterol não-LDL, este homem não apresentou outros fatores de risco”, frisou. Neste contexto, as mesmas recomendações sugerem apenas um intervenção no estilo de vida e, eventualmente, um fármaco para o controlo da dislipidemia.
Todavia, “se este doente tiver HF, aos 40 anos terá, seguramente, um elevado risco cardiovascular, apesar da ausência de outros fatores de risco”. Aliás, acrescentou o especialista, “quando fazemos a avaliação imagiológica de um doente com 40 anos, com HF, que nunca fez qualquer tratamento, verificamos que já apresenta uma doença aterosclerótica significativa e que, por isso, tem um elevado risco de eventos cardiovasculares”.
Assim, “se não identificarmos estes doentes precocemente e se não os tratarmos adequadamente, estamos a permitir que a doença progrida e que resulte numa morte precoce evitável”.
Segundo o Prof. Doutor Eric Bruckert, existem várias razões que justificam a identificação destes doentes: “em primeiro lugar, são indivíduos que têm um elevado risco cardiovascular, pelo que é muito importante conseguirmos reduzir o colesterol para valores <70 mg/dl; depois porque o tratamento tem de ser iniciado em idades jovens”. Todas as recomendações, nomeadamente as do NICE, as Americanas e as Europeias, apontam para o tratamento da HF nas crianças a partir dos dez anos de idade, contudo, na prática “esta recomendação não é aplicada”, lamenta o especialista, assegurando que mesmo nas crianças com HF, a formação de placa aterosclerótica é muito marcada.
Está demonstrado que a confirmação de HF através do teste genético muda não só o comportamento dos médicos, mas também o dos próprios doentes.
“Não podemos esquecer que, num individuo com HF, o risco de evento cardiovascular é 13 vezes mais elevado do que na população que não tem HF. Em alguns estudos, o risco é multiplicado por 20!”. Este risco deve-se, em primeiro lugar, a uma disfunção primária da clearance de LDL, com o aumento da secreção de partículas de ApoB nos doentes com HF. Estes doentes têm níveis elevados de colesterol à nascença. A partir dos 20 anos, os níveis de colesterol vão aumentando cada vez mais e a hipercolesterolemia vai agravando sempre com a idade”.
Mas, se por um lado, é clara a relação entre a elevação do c-LDL e o aumento exponencial do risco cardiovascular, o mesmo não acontece em relação ao c-HDL, cuja relação com a doença cardiovascular é “bastante mais complexa”.
De acordo com um artigo publicado no New England Journal of Medicine, há uma relação inversa entre o c-HDL e a aterosclerose carotídea. “O mesmo estudo sugere que, em doentes com HF, não ocorre apenas um aumento precoce de c-LDL, mas também uma profunda mudança no metabolismo lipídico que inclui uma redução da funcionalidade do c-HDL”. Nestas circunstâncias, referiu o Prof. Doutor Eric Bruckert, “podemos ter aterosclerose precoce ou modificações arteriais quando estamos expostos a alterações lipídicas desde a nascença”.
Para identificar os doentes com HF, o especialista recomendou o recurso a scores clínicos como o Dutch Clinic Network Criteria que avalia o doente com base em três parâmetros: o nível do colesterol LDL, a história familiar e as características clínicas do doente.
“De acordo com este score, quanto mais elevados forem os níveis de c-LDL, maior é a probabilidade de estarmos perante uma HF”. No entanto, “havendo hipertrigliceridemia, a probabilidade de uma HF é mais baixa”. Quanto à avaliação clínica, o especialista chamou a atenção para a existência de xantomas aquilianos (do tendão de Aquiles). “Os doentes que apresentam este tipo de manifestação têm uma maior probabilidade de sofrer de HF.”
Relativamente à história pessoal, havendo precedentes de doença cardiovascular ou história de hipercolesterolemia, deve também levantar-se a suspeita de HF.
“O score DUTCH tem sido muito utilizado em muitos centros especializados em lípidos e é, de facto, uma chave importante para chegarmos ao diagnóstico”, adiantou o orador. Porém, por não ser uma ferramenta perfeita (já que nem todos os doentes com xantomas têm HF, assim como nem todos os doentes com HF têm xantomas), o score DUTCH deve ser complementado com o teste genético.
A causa genética mais frequente é uma mutação no recetor de LDL. “O teste genético e a identificação da mutação geradora de HF são muito importantes pois dão-nos também uma ideia do prognóstico”. Por outro lado, avançou o especialista, “havendo a confirmação de uma mutação genética, é mais fácil identificar outros membros da família com o mesmo problema e é também mais fácil conseguirmos que o doente tenha uma boa adesão ao tratamento”.
Relativamente à HF homozigótica (herdada por parte do pai e da mãe), o Prof. Doutor Eric Bruckert explicou que esta é uma situação extremamente grave, mas “felizmente mais rara”. Ainda assim, “acompanhamos aqui neste centro, um total de 53 casos”.
Segundo o especialista, antes do aparecimento das estatinas, a esperança média de vida destes doentes era de 18 anos, sendo que o primeiro evento cardiovascular ocorria, em média, aos dez anos de idade. “Atualmente, estes doentes fazem tratamento desde os primeiros anos de vida com estatina.
De uma forma geral, o tratamento da HF é idêntico ao tratamento da hipercolesterolemia não-familiar (dieta, estatinas, e ezetimibe). Só em casos mais graves “recorremos à aférese para remover do sangue as partículas de LDL”.