Cefaleia de tensão e enxaqueca

Dor de cabeça: será mito ou verdade?

Atualizado: 
20/11/2020 - 15:33
Será que a dor de cabeça pode ser um sinal de fome? E é verdade que alguns alimentos podem piorar as enxaquecas? Embora algumas ideias sobre o que são, o que pode estar na sua origem e o que pode agravar as dores de cabeça estejam bastante enraizadas na sociedade, nem todas estão corretas. Por isso, e com ajuda do neurologista do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, Filipe Palavra, mostramos-lhe o que é mito e o que é verdade.
Mulher com dor de cabeça forte

O uso frequente de analgésicos pode agravar a dor de cabeça.

Mais do que agravar as queixas de dor de cabeça, é verdade que a utilização excessiva de medicamentos analgésicos pode contribuir para cronificar a cefaleia (entenda-se o conceito de cefaleia como correspondendo genericamente ao sintoma “dor de cabeça”). Isto quer dizer que a utilização excessiva dos fármacos faz com que uma cefaleia que era inicialmente episódica (que ocorria só de vez em quando), passe a ser mais persistente, às vezes até diária. Efetivamente existe uma entidade clínica que se chama “cefaleia por utilização excessiva de medicamentos”, cuja prevalência é significativa na população mundial (sendo responsável por uma grande quantidade de custos e perda de qualidade de vida) e que resulta da “dependência” que se vai gerando dos próprios medicamentos analgésicos. Isto gera um ciclo vicioso de dor e consumo de medicamentos, difícil de contrariar, mas que é crucial interromper, na abordagem terapêutica das pessoas com estas queixas.

Dores mais fortes são indício de doença mais grave.

É um mito considerar que a intensidade da dor é proporcional à gravidade da doença. Aliás, a maneira como cada pessoa reage à própria dor é muito diversa (a dor é entendida como uma experiência subjetiva), pelo que se torna difícil fazer qualquer tipo de consideração sobre a intensidade que cada indivíduo atribui à sua dor. Seja como for, quem procura ajuda médica por apresentar queixas de cefaleia, é porque as considera graves, com impacto negativo no seu dia-a-dia e, por isso, merecedoras de atenção clínica. Valorizar as queixas, explorá-las e interpretá-las permitirá ao médico, no final, perceber qual a causa subjacente (se houver) e se se trata ou não de uma “doença grave”, com toda a subjetividade que esse conceito transporta.

Quando a pressão arterial aumenta, a cabeça dói.

É verdade que o aumento da tensão arterial pode condicionar o aparecimento de queixas de cefaleia, definindo uma entidade clínica denominada de “cefaleia atribuída a hipertensão arterial”. De acordo com a classificação internacional de cefaleias, fala-se nesta entidade clínica quando as queixas de dor de cabeça surgem associadas a picos hipertensivos (tensões arteriais sistólicas iguais ou superiores a 180 mmHg e diastólicas iguais ou superiores a 120 mmHg) e melhoram com a diminuição da tensão arterial (terá que haver, portanto, uma relação temporal muito próxima entre estes eventos para se poder considerar a sua causalidade). Naturalmente, a hipertensão arterial poderá, ela própria, ter várias causas e a classificação internacional contempla alguns especificadores (feocromocitoma, eclâmpsia, encefalopatia hipertensiva, entre outros). De qualquer modo, a mensagem fundamental é que a cefaleia pode ser efetivamente uma manifestação clínica associada à hipertensão arterial e que esta é sobejamente reconhecida como factor de risco para uma grande variedade de doenças cárdio e cérebro-vasculares – não deve, como tal, ser menosprezada

Dor de cabeça pode ser sinal de fome.

A classificação internacional de cefaleias contém uma entidade clínica designada por “cefaleia atribuída ao jejum”, a qual, como facilmente se entende, é uma dor de cabeça que resulta de um jejum prolongado (de 8 ou mais horas). Para que se possa assumir esta relação causal, será necessário que a cefaleia melhore após a ingestão de comida, também de acordo com a classificação. Por isso, é verdade que “a fome” (aqui considerada como representativa do jejum prolongado) pode estar relacionada com o aparecimento de queixas de cefaleia. 

Dor de cabeça pode ser sinal de miopia.

As anomalias refractivas da visão (miopia, hipermetropia, astigmatismo, por exemplo) podem ser causa de cefaleia e a classificação internacional contém, efetivamente, os critérios de diagnóstico para uma cefaleia secundária a estes mesmos problemas oftalmológicos. Para que tal possa ser diagnosticado, será necessário que o aparecimento da cefaleia se relacione temporalmente com o início das queixas visuais, que se agrave com a realização de tarefas que implicam um défice visual provocado pelo próprio erro refractivo e que, finalmente, melhore com a resolução deste último aspecto. Não é fácil, na prática clínica, estabelecer uma relação causal tão límpida e clara, mas é verdade que a falta de visão por erro refractivo do olho pode causar queixas de dor de cabeça.

Sinusite provoca dor de cabeça.

A inflamação das cavidades arejadas que existem em torno das fossas nasais e que se designam por seios perinasais pode, efetivamente, ser causa de cefaleia. Seja sob a forma de uma rinossinusite aguda ou sob a forma de uma doença crónica agudizada, a cefaleia associada a estes distúrbios está efetivamente contemplada na classificação internacional. Trata-se, mais uma vez, de uma cefaleia secundária, que surge como sintoma associado à inflamação dos seios perinasais e que estabelece com ela uma relação de causalidade importante – a cefaleia surge em relação temporal com a própria sinusite e melhora com a sua resolução. É, portanto, verdade que a sinusite pode provocar dor de cabeça.

A enxaqueca só acomete adultos.

Esta afirmação não é verdadeira, pois a enxaqueca existe também em idade pediátrica, podendo mesmo surgir em fases muito precoces da vida sob a forma de equivalentes migrainosos de manifestação na infância. Isto significa que existem algumas manifestações clínicas que podem surgir cedo na vida e que vão dando algumas pistas para o eventual desenvolvimento de uma cefaleia, mais tarde, de características muito sugestivas de uma enxaqueca. A classificação internacional de cefaleias compreende, neste grupo, o torcicolo paroxístico, a vertigem paroxística benigna e o distúrbio gastrointestinal recorrente, onde se incluem os vómitos cíclicos e a enxaqueca abdominal. Independentemente da ocorrência ou não destas manifestações, a enxaqueca é uma cefaleia primária frequente em crianças e adolescentes – de uma forma genérica, assume-se que represente cerca de 10% dos casos de cefaleia em idade pediátrica (com a ressalva de que não existem muitos estudos robustos sobre este assunto, na literatura médica).

A prática de atividade física pode prevenir a enxaqueca.

A prática regular de exercício físico é altamente recomendável, por todos os efeitos preventivos e promotores do bem-estar que lhe estão manifestamente associados. No caso concreto da enxaqueca, existem alguns estudos interventivos que recomendam a prática de exercício aeróbico, de moderada intensidade (mínimo de 40 minutos por sessão, 3 vezes por semana) com o objectivo de reduzir a frequência, duração e gravidade das próprias crises. Poder-se-á naturalmente especular sobre os mecanismos biológicos deste benefício, mas há também que ter em consideração que a intolerância ao exercício é algo que pode ser manifestação da própria crise de enxaqueca e existem pessoas para quem o exercício vigoroso pode funcionar como desencadeante de crises. Como tal, mais uma vez, a ponderação e o bom senso são cruciais para a apreciação da afirmação de que o exercício previne a enxaqueca. De facto, se praticado com moderação, pode ser um agente promotor da qualidade de vida e do bem-estar da pessoa com diagnóstico de enxaqueca, contribuindo para uma melhoria global do estado de saúde; no entanto, se considerado como potencialmente desencadeante de crises por qualquer pessoa com o diagnóstico de enxaqueca ou se praticado com demasiada intensidade, poderá ter um efeito inverso.

Após menopausa a enxaqueca desaparece.

Na maior parte das mulheres, a ocorrência de crises de enxaqueca é sensível a variações hormonais que podem ocorrer ao longo de toda a sua vida reprodutiva. Por isso, para uma grande parte dos casos, a diminuição da quantidade de hormonas na corrente sanguínea que acompanha a menopausa é um factor importante para a redução da frequência e também da intensidade de crises de enxaqueca. Todavia, existem também mulheres que referem agravamento das suas queixas aquando da entrada na menopausa. Os baixos níveis de estrogénios circulantes podem funcionar como desencadeantes de crises mais intensas e prolongadas, nesses casos. Portanto, não se pode afirmar de forma peremptória que a menopausa faz a enxaqueca desaparecer. 

Alguns alimentos pioram a enxaqueca.

A relação das crises de enxaqueca com os hábitos alimentares tem sido objeto da construção de muitos mitos e inverdades, que podem ter um impacto negativo na vida de pessoas com o diagnóstico. Os fatores desencadeantes das crises de enxaqueca podem ser muito particulares e subjetivos, pelo que qualquer generalização feita em torno deste conceito será, necessariamente, excessiva. Algumas pessoas com diagnóstico de enxaqueca referem uma maior incidência de crises quando ingerem determinados alimentos (de que são exemplos o queijo, o chocolate, o vinho e o café, entre outros...). Mas daí a dizer-se que estes alimentos genericamente pioram a enxaqueca vai uma enorme distância – de forma alguma se pode generalizar o conceito de que são alimentos proibidos por causarem enxaqueca. Ainda assim, se qualquer pessoa com o diagnóstico desta cefaleia específica associar o aparecimento das suas crises ao consumo consistente de determinado alimento, valerá a pena explorar o controlo da sua ingestão como importante preventivo da ocorrência de crises.

Pessoas com enxaqueca devem evitar o consumo de chocolate.

Tal como acima foi referido, a existência de desencadeantes alimentares para crises de enxaqueca não é uma realidade universal, a ponto de se poderem generalizar os conceitos de "alimentos proibidos” ou “alimentos que previnem” as crises de enxaqueca. Como tal, a afirmação de que as pessoas com o diagnóstico não devem consumir chocolate é incorreta. Ainda assim, há que ressalvar, também como já foi referido, que, sendo algo dependente de uma variabilidade individual muito grande, pode haver pessoas para quem, de facto, o chocolate possa ser um desencadeante de crises (é o cacau contido no chocolate que parece exercer esse efeito biológico). Para essas pessoas, identificando-se uma relação causal entre o consumo de chocolate e o aparecimento da cefaleia, faz sentido recomendar a evicção do consumo. No entanto, tal não se pode generalizar, de forma dogmática.

Medicamentos para o tratamento preventivo da enxaqueca devem ser tomados para o resto da vida.

Este é um mito particularmente enraizado na nossa população, associado a um conceito de “sofrimento para toda a vida” que também é muito comum na sociedade. Não é verdade que a medicação preventiva das crises de enxaqueca se deva tomar durante toda a vida. Efetivamente, as recomendações internacionais sugerem que se possa tentar a retirada desta medicação após 6 meses de tratamento, tendo havido resposta clinicamente favorável ao(s) fármaco(s) em uso. Pode haver necessidade de a utilizar durante mais tempo, em função da evolução clínica, ou até mesmo os efeitos adversos podem justificar períodos de tratamento menos prolongados, com necessidade de reajustes terapêuticos. Portanto, é variável a gestão da utilização da medicação preventiva das crises de enxaqueca na prática clínica, mas sem qualquer pretensão de a tornar necessária para o resto da vida.

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Autor: 
Sofia Esteves dos Santos
Nota: 
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