Estudo Internacional alerta

Desafios de mulheres jovens com cancro da mama avançado

Quase metade das mulheres com menos de 40 anos que vivem com cancro da mama avançado (ABC, do inglês Advanced Breast Cancer) têm filhos com menos de 18 anos, segundo o Primeiro Inquérito Global que estudou os desafios enfrentados por estas mulheres.

Os resultados deste estudo estão a ser apresentados na Oitava Conferência Internacional de Consenso sobre Cancro da Mama Avançado (ABC8), que está a decorrer em Lisboa até ao próximo dia 8 de Novembro. [1]

Jennifer Merschdorf, CEO da Young Survival Coalition, que conduziu o inquérito Projeto 528, salienta: “Lançámos o Projeto 528 para dar voz às mulheres jovens que vivem com cancro da mama avançado, que estão frequentemente sub-representadas nas discussões clínicas e diálogos políticos. Temos agora dados globais que evidenciam que é importante compreender os seus desafios e garantir que a investigação, os serviços e as políticas são moldados pelas suas experiências e não por suposições.”

Das 3.881 mulheres, espalhadas por 67 países de todo o mundo, que responderam ao inquérito, 385 tinham menos de 40 anos e viviam com cancro da mama avançado. Os resultados apresentados hoje na conferência focam-se nestas mulheres mais jovens.

Os resultados mostram que, além dos 48% das mulheres terem filhos pequenos, 64% disseram que o seu emprego foi interrompido após o diagnóstico, 40% contraíram dívidas médicas e a sua segurança financeira caiu de 51% antes do diagnóstico para apenas 3% após o tratamento.

Apesar de 84% se terem sentido capazes de fazer perguntas no momento do diagnóstico, 40% atrasaram a procura de cuidados, muitas vezes porque os seus médicos de cuidados primários desvalorizaram as suas preocupações, por falta de consciencialização ou por medo. Apenas 14% foram diagnosticadas através de rastreio clínico ou exames de rotina, enquanto 85% foram diagnosticadas após autodetecção de sintomas, algo que “realça lacunas na detecção precoce para adultas mais jovens”, refere Jennifer Merschdorf.

O peso do diagnóstico de cancro da mama avançado  estende-se a todas as áreas da vida das mulheres. 80% indicou sofrimento psicológico; preocupações com a imagem corporal, fertilidade e saúde sexual são generalizadas, mas raramente abordadas; desafios práticos, incluindo cuidados infantis, tarefas domésticas e transporte, são comuns, com muitas pacientes a relatar necessidades não satisfeitas.

O acesso a diagnósticos de precisão varia: 90% fizeram testes genéticos para despistar mutações herdadas, mas apenas 59% efectuaram testes genómicos ao tumor para detecção de mutações genéticas no cancro em si, quão ativo se encontra e qual a probabilidade de recorrência. Estes testes fornecem aos médicos informações extra para orientar os tratamentos, tais como quimioterapia, radioterapia ou terapia endócrina.

Enquanto que 77% compreendem as razões do tratamento, 25% sentem falta de clareza e a apenas 46% das mulheres jovens foi proposto mais do que uma opção de tratamento. As terapias biológicas ou dirigidas  estão associadas aos níveis mais baixos de compreensão por parte das pacientes. As comunidades online de mulheres com cancro da mama avançado foram uma fonte vital de informação e capacitação, mas apenas 43% das pacientes foram encaminhadas para estas pelas suas equipas de cuidados.

“A nossa análise de mulheres jovens com ABC sublinha que o atual padrão de cuidados, embora medicamente avançado, permanece profundamente fragmentado no que toca às realidades vividas pelas pacientes jovens. Desde atrasos no diagnóstico a necessidades psicológicas não atendidas, as mulheres jovens enfrentam um sistema que lhes exige auto-defesa face à fadiga, ao medo e à pressão financeira., disse a Jennifer Merschdorf

A Young Survival Coalition está a planear desenvolver estudos futuros para investigar as necessidades únicas das pacientes com ABC.

Jennifer Merschdorf conclui: “O cancro da mama avançado coloca um conjunto de desafios às mulheres jovens com esta doença incurável que se cruzam com fases críticas da carreira, parentalidade e desenvolvimento da identidade. O Projeto 528 dá um roteiro para os investigadores explorarem os problemas identificados como os mais urgentes pelas mulheres inquiridas e, ao mesmo tempo, dá orientações aos serviços de apoio e às organizações de doente  para alinharem os seus programas com essas necessidades.”

“Para além da investigação e dos serviços, estes resultados podem informar o desenvolvimento de políticas que apoiem melhor as experiências das jovens que enfrentam o cancro da mama. O objetivo é que estes dados impulsionem melhorias significativas que realmente sirvam esta comunidade.”

A Professora Fátima Cardoso, Oncologista e Presidente da ABC Global Alliance, sublinha: “Este é um estudo importante que mostra, pela primeira vez, as experiências de pacientes jovens a viver com cancro da mama avançado e os desafios que enfrentam diariamente. É preocupante que nem todas as mulheres neste estudo tiveram acesso a testes para analisar mutações herdadas, e compreender a biologia do tumor em si mesmo. Numa era da medicina de precisão, todas as pacientes com cancro da mama devem ter acesso a estes testes, porque têm um papel crucial na tomada de decisões de tratamento e ,portanto, impactam a sobrevivência e a qualidade de vida.” Acrescentou que “Espero que os decisores políticos tomem nota dos resultados deste estudo e abordem as muitas lacunas que ele destaca em termos de diagnóstico, tratamento e cuidados de apoio, mas também de apoio psicológico, social e financeiro.”

O cancro da mama avançado é o cancro que se espalhou do local do primeiro tumor para outras partes do corpo. Atualmente, é incurável, embora os tratamentos possam abrandar a sua progressão, muitas vezes durante anos. A prevalência de pessoas a viver com cancro da mama avançado é desconhecida (ver nota abaixo) e nunca foi quantificada em jovens.

 

A história de Christina Thammasen

Christina, 45, vive na Califórnia com o marido e três filhos. Foi diagnosticada com cancro da mama aos 38 anos. Vive com cancro da mama metastático há mais de sete anos e está bem com o seu tratamento atual. Lê, faz exercício, passa tempo com a família e é voluntária na sua comunidade local. É também Assistente Social Clínica Licenciada e co-facilita o YSC Virtual Hangout. Christina é especialmente apaixonada pela consciencialização e apoio à saúde mental para pacientes com cancro e refere: “Existe uma linha distinta entre a minha vida antes e depois de ser diagnosticada com cancro da mama avançado. Trabalhei muito para reclamar a minha identidade como uma sobrevivente, de alguém que não está só a manter “a cabeça acima da água”, mas que tenta saborear cada momento da vida. Quero ensinar aos meus filhos que, mesmo quando a vida é injusta, porque o é, não se deve desistir; é preciso continuar a lutar, é preciso continuar a avançar, é preciso continuar a viver!”

 

[1] Abstract no: OR36, ‘Living with Advanced/Metastatic Breast Cancer under 40: global insights into diagnostic delays, treatment gaps, psychosocial burdens, and policy solutions from the project 528 patient experience survey’, por Jennifer Merschdorf and Mary Ajango, apresentado na sesssão ‘Best abstracts’, 15.10-15.55 hrs GMT, Auditorium 1, Quinta-feira 6 Novembro.

 

Fonte: 
LLYC
Nota: 
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