Crianças consomem álcool mais cedo
Segundo as conclusões do primeiro estudo feito em Portugal sobre o consumo de bebidas alcoólicas em crianças, 6 anos é a idade média em que muitas crianças começam a beber álcool. E a grande maioria fá-lo com familiares, em casa.
A autora do estudo, Teresa Correia Gomes, especialista em saúde mental e psiquiatria da Escola Superior de Saúde de Viseu, garante que este fenómeno “sempre existiu” sendo “uma questão cultural”, e alerta para o facto de ter aumentado nos últimos anos, sobretudo em meio rural.
O estudo realizado em 2011/2012 em 175 crianças do 1.º ciclo num agrupamento de escolas do distrito de Viseu, não deixa margem para dúvidas: as crianças consomem bebidas alcoólicas. Cerca de 42% dos rapazes e 20, 3% das raparigas entre os sete e os nove anos já consumiram este tipo de bebida.
cerveja e o vinho são as mais frequentes: 3,4% dos rapazes bebem cerveja todos os dias e 3,7% consomem vinho semanalmente. Quanto às raparigas, 8, 3% ingerem cerveja, pelo menos, uma vez por mês, e 11% opta pelo vinho. Do total, perto de 2% das crianças dizem já ter ficado embriagadas.
A idade em que têm o primeiro contacto com as bebidas alcoólicas é outro dos factores preocupantes. Dos inquiridos, 40% disseram ter começado aos seis anos, 30% aos sete e 11% aos oito. E 16,1% admitem mesmo ter bebido pela primeira vez aos cinco anos.
Já quanto ao local escolhido para as primeiras experiências, os menores referem ter sido em casa. Aliás, a esmagadora maioria conta que bebe com familiares (92, 5% dos rapazes e 87,5% das raparigas). E como motivo para experimentar, 40% apontam a curiosidade e 30,4% o incentivo dado pelos próprios pais.
Por isso, segundo o estudo “81, 5% dos pais e 71% das mães sabem que” os filhos, menores de seis, sete e oito anos bebem álcool.
No trabalho foram também analisados os hábitos dos familiares dos alunos, verificando-se que “70% dos pais e cerca de 30% das mães e 30% dos avós consomem bebidas alcoólicas”.
Perante estes dados a especialista congratula-se com as medidas que estão a ser preparadas pelo Governo no Plano Nacional para a Redução dos Comportamentos Aditivos e nas Dependências que, pela primeira vez, prevê acções específicas para crianças até aos 9 anos.
“É urgente criar formas de combate ao consumo na primeira infância mais eficazes, através das campanhas mais agressivas que estão previstas neste novo plano”, diz Teresa Gomes, acrescentando: “o plano veio generalizar as medidas que são efectuadas em várias zonas do país e criar um combate nacional e articulado”
O plano está em discussão pública até final de Setembro e resultou de um alerta da Direcção-geral da Saúde, após verificar que, em 2011, 12 crianças com menos de nove anos tinham sido internadas com cirrose hepática e hepatites devido ao consumo de álcool. A maioria na zona centro do país – precisamente a região onde Teresa Correia Gomes realizou o primeiro trabalho sobre o tema.
As autoridades de saúde admitem que a situação é preocupante e estão agora a definir as medidas concretas previstas no Plano Nacional, desde acções de sensibilização nas escolas a campanhas de prevenção. “Temos de perceber se esta é apenas a ponta de um iceberg e agir”, diz João Goulão, presidente do Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências. “Quanto mais precoce é a educação para a prevenção, mais eficaz é”, acrescenta.
Até porque, lembra o especialista em problemas de alcoolismo Rui Tato Marinho, está provado que “quanto mais precoce é o início do consumo, maior a possibilidade de o relacionamento com a bebida evoluir para um padrão nocivo. Aos 18 anos, a probabilidade de se criar uma dependência é de 15%; quando o consumo se inicia aos 16 sobe para o dobro. E aos 13 anos, a idade de início na Europa, é de 50%”.