Síndrome de Angelman: a maioria dos casos só é diagnosticada após o primeiro ano de vida
Causada pela ausência ou disfunção de um gene, designado por UBE3A, a Síndrome de Angelman surge, em 70% dos casos, por mero acaso. A verdade é que, embora existam famílias com mais de um elemento afetado, o que sugere que esta perturbação possa ser transmitida, a anomalia genética que está na sua origem acontece, quase sempre, de forma aleatória.
Segundo Manuel Costa Duarte, Presidente da Direção da ANGEL - Associação Síndrome de Angelman de Portugal, é através do cromossoma 15 que é produzido o gene UBE3A – um gene “responsável por produzir uma proteína chave para permitir que as células, particularmente neurónios, passem sinais elétricos e químicos uns para os outros”.
“No humano típico (normal) o alelo paterno do cromossoma 15 está naturalmente silenciado sendo que a produção desta proteína se dá através do alelo materno do cromossoma 15. O Síndrome de Angelman acontece quando há uma ausência ou imperfeição no alelo materno (quer seja por deleção, imperfeição ou mutação) que impossibilita a produção desta proteína”, começa por explicar quanto à sua causa.
O seu diagnóstico é por isso feito através de exame genético. E, embora, esta síndrome possa ser identificada logo à nascença, “a maioria dos casos só é diagnosticada depois do primeiro ano de vida, após surgirem os primeiros sintomas”.
Os primeiros sintomas, esclarece Manuel Costa Duarte, podem surgir entre os 6 e os 9 meses, “quando se começa a notar algum atraso no desenvolvimento face ao desenvolvimento típico de um bebé”. No entanto, adverte que como não existem sintomas específicos ou exclusivos para a Síndrome de Angelman, “é a conjugação de vários fatores que pode levar a «desconfiar» deste diagnóstico, o que por vezes leva a uma demora no despiste da situação”.
Há, no entanto, algumas características comuns a que os pais podem estar atentos, como o atraso severo no desenvolvimento, ausência de fala, dificuldades no equilíbrio e marcha, convulsões, “personalidade facilmente excitável, com movimentos aleatórios das mãos, hipermotricidade e incapacidade de manter a atenção e/ou problemas de sono”.
Para além do atraso no desenvolvimento global, como “sentar-se mais tarde que um bebé da mesma idade, por exemplo”, os episódios convulsivos, a ataxia dos movimentos e o atraso no desenvolvimento da fala, são, de acordo com Manuel Costa Duarte, dos principais fatores a ter em consideração para o seu diagnóstico. No entanto, o presidente da ANGEL, reforça: “estes sintomas muitas vezes são também indicadores de outros distúrbios mais comuns (ou apenas de atraso no desenvolvimento)”.
Sem tratamento, a terapêutica proposta visa o alívio de alguns sintomas. “Para as questões motoras é fundamental recorrer a terapias, como fisioterapia, psicomotricidade, hidroterapia e hipoterapia. Para os problemas de fala, uma vez que na maioria dos casos não conseguem mesmo articular nenhuma palavra, é importante desde cedo trabalhar com um(a) Terapeuta da Fala na ótica da Comunicação Aumentativa e Alternativa (comunicação através de símbolos, em papel ou tablet). A Terapia Ocupacional é também fundamental, precocemente, para potencializar os meios para alcançar mais autonomia e maximizar as capacidades cognitivas”, explica o presidente da ANGEL.
Há ainda muitos casos em que é necessário recorrer à medicação para ajudar a controlar a epilepsia ou, por exemplo, a excitabilidade dos movimentos. “Em todos exemplos que referi é importante mencionar que o ponto chave está na qualidade e na consistência e persistência do trabalho feito. É uma maratona para a vida e não uma corrida que é feita num curto espaço de tempo!” adianta sublinhando que, embora este distúrbio tenha um elevado comprometimento da qualidade de vida dos seus portadores, não permitindo a sua autonomia, a esperança média de vida é igual à de um indivíduo saudável. “As pessoas com Síndrome de Angelman tem um elevado nível de incapacidade (>80%) e dependência. A ausência de fala é um desafio constante, temos de aprender a comunicar de uma forma especial e única, assim como o andar, que tem de ser constantemente estimulado. Desde cedo que episódios convulsivos são uma importante componente e é fundamental que os pais sejam bem acompanhados e aconselhados por um médico neurologista”, acrescenta.
A legislação feita para deficiência em Portugal é desadequada e apoios para os cuidadores são limitados
Tratando-se este de um distúrbio que torna as pessoas completamente dependentes, estas têm de ser acompanhadas por familiares e profissionais ao longo de toda a sua vida. Segundo Manuel Costa Duarte, “a legislação está idealizada para que sejam acompanhados através do projeto escola inclusiva até aos 18 anos, com recurso a terapias e, a partir daí, cada família é responsável por colocar os seus filhos/ familiares num CAO (Centro de Atividades Ocupacionais) ou qualquer outra entidade que consideram competente para tal. O problema principal é falta de recursos e oferta de respostas a partir daí, que são limitadas, e, infelizmente, muitas vezes as famílias têm de atravessar muitas incertezas, angústias e mudar completamente o estilo de vida para se moldarem a uma realidade de cuidadores”.
“A legislação feita para deficiência em Portugal é desadequada, uma vez que é aglomerada nas regras gerais das creches normais e lares de idosos. Há que entender que esta camada da população é especial e extraordinária e precisa de leis apropriadas e mais adequadas, que não sobrecarreguem tanto os familiares ao longo da vida”, acrescenta.
De acordo com o presidente da ANGEL, há ainda o problema de os apoios para os cuidadores serem muito limitados, “ou quase inexistentes”. A nova legislação é muito recente e, afirma “não resulta na prática”. “Para começar, um pai/mãe não pode ser considerado cuidador informal principal, pois este tem de ser alguém que cuide da pessoa cuidada, na mesma morada de residência, sem qualquer outro vínculo laboral e a pessoa cuidada não pode receber outro cuidado/resposta. Ora isto significa que se o um filho(a) com Síndrome de Angelman for à escola ou CAO, o pai/mãe perde automaticamente o estatuto de cuidador principal, trabalhando ou não”, justifica. Por outro lado, refere, quanto à vertente financeira, que “para ser possível obter algum apoio, é preciso que o rendimento do agregado familiar seja consideravelmente baixo”.
Foi com o objetivo de dar a conhecer as dificuldades por que passam estas famílias que, em 2012, nasceu a ANGEL – Associação Síndrome de Angelman de Portugal.
“Apesar de ser uma síndrome rara, a Síndrome de Angelman não deixa de ter grande impacto na vida das famílias da nossa comunidade. Queremos alargar este espectro à sociedade em geral, médica e terapêutica, divulgando a SA para que seja acessível ao conhecimento de todos. Os nossos filhos e/ou familiares com SA, ainda que diferentes, são muito especiais e trouxeram-nos um propósito e missão de vida únicos”, sublinha Manuel Costa Duarte.