Testemunho de uma doença rara

Um Amor Incondicional

Atualizado: 
26/02/2021 - 18:31
«O Tomás é uma criança feliz, que ensina a quem tem sorte de o conhecer, o que é o Amor, a Força, a Disciplina, o Espírito Guerreiro e a Resiliência»

O teste de gravidez finalmente deu positivo.

O Tomás que já era amado sem ter chegado, agora era uma realidade.

A gravidez foi feliz e sem sobressaltos.

Dia 6 de setembro de 2015 nasceu um bebé lindo e saudável às 41 semanas com 52 cm e 3.185 kg.

Nada fazia prever que uma doença rara acometeria a família.

Não existia nenhuma característica física que nos fizesse suspeitar, mas aos 6 meses a falta de equilíbrio começou a ser uma preocupação.

Nas visitas regulares ao pediatra, passávamos horas a conversar e a tentar perceber o que seria essa falta de equilíbrio. Segundo o clínico ainda era cedo para qualquer diagnóstico e poderia ser apenas imaturidade neurológica.

Os meses iam passando e o Tomás não gatinhava, não andava e pouco palrava.

Agendámos nova ida ao pediatra e éramos sempre acalmados com a justificação de que os meninos eram mais preguiçosos, que cada criança tinha o seu timming, e que até aos 12 meses era normal.

Passou um ano, um ano e meio e nada...

Voltámos ao médico e este apresentou-nos uma possível doença: autismo.

Com todo o respeito pelo profissional, discordámos, pois não sendo especialistas somos pais e minimamente informados sobre as características básicas da doença.

O Tomás sempre foi uma criança sorridente, afável, meiga, com fascínio pelo toque, beijinhos e contacto visual. Era impossível ser autista.

Fomos encaminhados para uma médica de pediatria do desenvolvimento que fez vários testes de Griffiths, exames e consultas das mais diversas especialidades.

Foi posta de parte a hipótese de autismo pelo que a procura continuava.

Fomos encaminhados para a genética e fizemos exames que foram enviados para o estrangeiro e demoraram meses....

Suspeita: Síndrome de Angelman, uma patologia neura genética caracterizada por atraso severo no desenvolvimento global (dificuldade na alimentação, hipotonia, ausência de linguagem, hipoplasia maxilar, microcefalia, macrostomia, marcha rígida, ataxia, crises de riso e crises convulsivas /epiléticas).

O mundo desabou.... O desespero acomodou-se no nosso coração. Dias sem dormir... Até doentes ficámos. Nunca ouvimos tal doença, nem conhecíamos ninguém nestas condições...

Horas de pesquisa na Internet e não conseguíamos enquadrar o nosso filho na doença. Só não andava e não falava. Não tinha as restantes características visíveis e palpáveis.

O nosso filho não era um Anjo como tão carinhosamente são conhecidos.

Por iniciativa própria aplicámos todas as nossas horas livres em terapias. Todos os dias, 7 dias na semana!

O Tomás começou a frequentar a hidrocinesioterapia, hipoterapia, terapia da fala, fisioterapia e surf apesar da médica de desenvolvimento classificar como precoce, ineficaz, ineficiente e sem vantagens.

Mais uma vez e com todo o respeito, discordámos e mantivemos as terapias.

Imensas melhorias foram visíveis: o Tomás iniciou a marcha, conseguia equilibrar-se, andava de bicicleta e conseguia comunicar não verbalmente transmitindo as suas necessidades.

Contudo, o nosso coração continuava inquieto, a vida continuava, mas a espera por um diagnóstico aumentava a ansiedade de um futuro desconhecido e sombrio.

Em outubro 2019 um telefonema convocava-nos para uma ida ao hospital sem necessidade da presença do Tomás...para o veredito final.

Duas médicas, numa sala fria e escura do hospital de Santa Maria, em Lisboa, informam-nos:

O vosso filho tem Síndrome de Angelman!

Olhámos um para o outro e em silêncio, mas como num balão dos desenhos animados, dissemos:

- E agora????

As lágrimas corriam pela nossa face sem controlo. Deixámos de ouvir as médicas.... Chorámos sem parar das 10h às 17h, hora em que era preciso ir buscar, ao colégio, o nosso amor maior.

Durante o percurso não trocámos uma palavra.

Quando chegámos ao colégio, o nosso olhar cruzou-se e dissemos um para o outro:-

Mudou alguma coisa?

- Sim, mudou. O amor cresceu, o sentimento de proteção aumentou e a responsabilidade ganhou outro sentido ainda mais forte.

Era tempo de limpar as lágrimas, colocar um sorriso nos lábios, ir buscar o "Nosso Anjo" e comunicar à família.

Era tempo de criar estratégias para desenvolver competências, que permitissem ultrapassar os obstáculos que esta doença iria colocar no nosso caminho.

Era tempo de lutar com todas as armas sociais, para que o Tomás fosse aceite pela sua condição clínica, diferente da maioria. Que fosse aceite por todos sem que olhares discriminatórios se cruzassem com o seu.

Era tempo de desejar uma sociedade mais inclusiva!

Contactámos a Angel - Associação Síndrome de Angelman Portugal e fomos de imediato apoiados no sentido de entender os contornos da doença, os apoios que poderíamos vir a ter para o nosso anjo e até a troca de experiências com outros pais na mesma situação.

Percebemos que não estávamos sozinhos pois existiam já cerca de 60 inscritos na associação com um diagnóstico.

Às vezes, pode tornar-se um processo demorado e no nosso caso demorou 4 anos, pois existem variações na doença, tais como a deleção materna, a dissomia uniparental paterna, o defeito de imprinting ou a mutação (esta última a do nosso Tomás) ambos causados pela perda da função do gene UBE3A localizado no cromossoma 15.

O Tomás, atualmente, é acompanhado multidisciplinarmente por médicos, terapeutas, professores e educadores.

É uma criança feliz, que ensina a quem tem sorte de o conhecer, o que é o Amor, a Força, a Disciplina, o Espírito Guerreiro e a Resiliência.

- É fácil?

- Não, nada fácil! São muitas horas de dedicação, de criação de rotinas e de boas práticas para conseguir minimizar as dificuldades do dia-a-dia.

Desistir não faz parte do vocabulário de um Anjo e muito menos dos seus pais!

Os nossos conselhos para quem se deparar com este diagnóstico são: Muito Amor, Dedicação, Paciência e Persistência.

Um dia.... Chegará a cura e o nosso filho será livre!

Autores:
Sandra Pereira e Ricardo Salgado
(Pais de um Anjo)

Nota: 
As informações e conselhos disponibilizados no Atlas da Saúde não substituem o parecer/opinião do seu Médico, Enfermeiro, Farmacêutico e/ou Nutricionista.
Foto: 
Sandra Pereira