Os desafios do diagnóstico

Linfomas cutâneos primários podem confundir-se com algumas dermatoses

Atualizado: 
26/05/2022 - 14:49
Os linfomas cutâneos são um grupo heterogéneo e raro de linfomas não Hodgkin, que se manifestam primariamente na pele. O seu diagnóstico é complexo, implicando a interação de várias especialidades, como a Dermatologia, Hematologia, Imunohemoterapia e Anatomia Patológica. Renata Cabral e Iolanda Fernandes, responsáveis pela consulta multidisciplinar de Linfomas Cutâneos do Centro Hospitalar Universitário do Porto descrevem os principais desafios nesta área.

Em Portugal, desconhece-se qual a incidência e prevalência do Linfoma Cutâneo, no entanto, revela a especialista em Dermatologia, Iolanda Fernandes, estima-se que esta seja “semelhante à observada em outros países da Europa. De acordo com os dados fornecidos pela Orphanet, têm uma prevalência estimada entre 1 a 9 casos por 100.000 habitantes. A incidência anual estimada é de 0,75 casos por 100.000 habitantes”.

Tratando-se de um tipo de linfoma de não Hodgkin que atinge a pele – sendo estes designados de Linfomas Cutâneos Primários -, casos há em que “alguns deles, com determinados subtipos de linfoma, frequentemente têm ou terão envolvimento ganglionar, visceral ou sanguíneo”, adianta a especialista.

Segundo Renata Cabral, Hematologista corresponsável pela Consulta Multidisciplinar de Linfomas Cutâneos do Centro Hospitalar Universitário do Porto, estas patologias dividem-se em dois grupos: “os linfomas primários cutâneos são, na grande maioria dos casos, de células T, sendo que os de células B, que são o subtipo mais frequente de linfomas sistémicos, correspondem apenas a 25-30% dos linfomas primários cutâneos. Essencialmente, distingue-os o subtipo de linfócitos, B ou T, diretamente implicados no processo neoplásico”.

“Embora existam particularidades clínicas que nos levam a suspeitar de um determinado subtipo de linfoma cutâneo (por exemplo, o aparecimento de nódulos/tumores na perna nos linfomas B primários cutâneos de linfomas B de células grandes, tipo perna) o diagnóstico definitivo só pode ser estabelecido após biópsia da lesão e integração dos vários exames complementares de diagnóstico”, revela.

Dentro destes dois grupos, distinguem-se ainda vários subtipos de linfomas. Assim, de entre os linfomas cutâneos primários de células T, esclarece Iolanda Fernandes, o subtipo mais comum é a micose fungóide. Já no caso dos linfomas cutâneos primários de células B, o linfoma cutâneo primário centro-folicular e o linfoma cutâneo primário de células B da zona marginal são os subtipos mais frequentes.

“Globalmente, apresentam grande variabilidade clínica, podendo observar-se eritrodermia, máculas, pápulas, placas, nódulos e/ou tumores, que podem ulcerar ao longo do tempo”, acrescenta quanto às suas manifestações clínicas.

Quanto ao prognóstico, explicam que tanto nos linfomas B como nos linfomas T primários cutâneos existem subtipos mais indolentes e subtipos mais agressivos.

No entanto, revela Renata Cabral, os Linfomas Cutâneos de células T, que correspondem à maioria dos casos e incluem os subtipos mais frequentes de ambos os grupos, “têm, globalmente, uma sobrevida expectável muito sobreponível à população geral, ainda que haja frequentemente necessidade de vários tratamentos ao longo da sua evolução”. “Os subtipos mais agressivos são mais raros em ambos os grupos e constituem o maior desafio em termos terapêuticos”, sublinha.

O diagnóstico é complexo e multidisciplinar. “Baseando-se essencialmente na correlação entre os achados clínicos e os diferentes meios auxiliares de diagnóstico, nomeadamente: histologia/imunohistoquímica, citologia/citoquímica, citometria de fluxo, citogenética e genética molecular, o que requer a interação de várias especialidades, especificamente da Dermatologia, Hematologia, Imunohemoterapia e Anatomia Patológica”, explica Iolanda Fernandes, revelando que uma vez que não é fácil reunir todas estas condições a nível hospitalar e sendo importante “o acompanhamento destes doentes em consultas multidisciplinares de centros de referência”, “o diagnóstico por si só constitui um grande desafio”.

É que, dada a sua grande variabilidade clínica, “existem várias dermatoses com as quais os linfomas cutâneos primários poderão facilmente ser confundidos, incluindo eczemas, psoríase, toxidermias, lúpus, sarcoidose, outros tipos de tumores cutâneos, entre outras”. Deste modo, reforça a especialista em Dermatologia, “é fundamental a observação por médicos que estejam devidamente familiarizados com estas doenças, nomeadamente por dermatologistas”.

“A presença de lesões cutâneas (máculas, pápulas, nódulos ou tumores) persistentes, não enquadráveis noutros quadros clínicos e que não respondem às terapêuticas convencionais deve conduzir à suspeita deste tipo de patologias”, ressalva Iolanda Fernandes.

De acordo com Renata Cabral, é frequente os doentes chegarem à sua consulta e diagnóstico final “após vários meses e até anos de evolução, com historial de múltiplas biópsias inconclusivas e tratamentos ineficazes”.

“Na micose fungóide, por exemplo, é estimado que o tempo que decorre entre o aparecimento das primeiras lesões cutâneas e o diagnóstico seja de 4-6 anos”, exemplifica sublinhando que, embora, na maioria dos casos a sua evolução seja indolente e este atraso no diagnóstico não traga implicações ao seu prognóstico, “há sérias implicações na qualidade de vida e ansiedade dos doentes”. No entanto, revela, “nas formas mais agressivas deste tipo de linfomas, esse atraso de diagnóstico pode ser crucial no desfecho mais desfavorável e pior resposta aos tratamentos”.

Em matéria de idade e género, é difícil determinar grupos de risco. “São patologias que atingem ambos os sexos. De acordo com a literatura, sabe-se que a micose fungóide (subtipo mais frequente) geralmente é mais frequente no sexo masculino na proporção de 2:1”, explica a dermatologista Iolanda Fernandes.

De uma forma global, revela “a incidência dos linfomas cutâneos aumenta com a idade. A idade média de apresentação é de aproximadamente 50 anos e, na maioria dos casos, o diagnóstico é feito entre os 40 e 60 anos. No entanto, a doença também pode afetar os mais jovens e os mais idosos”.

Quanto às causas, Renata Cabral afirma que embora, na maioria dos casos não seja possível determinar o que está na origem dos linfomas cutâneos, “sabe-se cada vez mais acerca dos fenómenos envolvidos na progressão”. E exemplifica: “Nos linfomas T primários cutâneos estão implicados fenómenos de “skin homing”, bem como predomínio específico de determinado tipo de imunidade/fenótipo T, com aspetos ligados ao microambiente tumoral a condicionarem a forma de apresentação dos diferentes tipos de linfomas e a sua progressão para formas mais agressivas”.

No que diz respeito aos linfomas B primários cutâneos, “embora a sua fisiopatologia seja ainda pouco compreendida, pensa-se que a origem seja multifatorial e possa envolver a estimulação crónica antigénica, mas fundamentalmente, mutações ou translocações genéticas que favorecem o processo neoplásico (resistência à apoptose e distúrbios na regulação do ciclo celular)”.

Autor: 
Sofia Esteves dos Santos
Nota: 
As informações e conselhos disponibilizados no Atlas da Saúde não substituem o parecer/opinião do seu Médico, Enfermeiro, Farmacêutico e/ou Nutricionista.
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