Estudo

Mais de 75% dos médicos admitem trocar o SNS pelo sector privado

Estudo do Instituto de Saúde Pública do Porto, que abrangeu 1495 médicos, adianta que 40% pondera antecipar a reforma por exaustão e um terço equaciona emigrar.

É apenas um manifestar de intenções, mas, se estas se concretizassem, assistiríamos a uma autêntica debandada dos médicos que hoje trabalham no Serviço Nacional de Saúde (SNS). Três em cada quatro médicos da região Norte inquiridos num estudo sobre a carreira e os fatores de saída do SNS admitiram a hipótese de deixar o sector público para trabalhar exclusivamente no privado. Mais: cerca de 40% dizem considerar a possibilidade de antecipar a reforma por exaustão e um terço até equaciona a hipótese de emigrar.

É grande a insatisfação e a desmotivação manifestada pelos 1495 médicos especialistas que responderam ao questionário online (10,8% do total dos inscritos na Secção Regional do Norte da Ordem dos Médicos) que constituiu a base do estudo de Marianela Ferreira, investigadora do Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto (UP). Uma insatisfação que, segundo o jornal Público, se reflete em várias dimensões do exercício da medicina: a maior parte dos inquiridos está descontente com a sua remuneração (76,7%), queixa-se de ultrapassar o horário de trabalho com frequência e não acredita ter boas perspetivas de carreira no SNS (63,3%). O estudo foi apresentado esta quinta-feira.

Na prática, porém, mais de metade (54,4%) destes médicos já acumulam atualmente o trabalho no SNS com o privado, o que, no entender da investigadora, “poderá facilitar uma eventual transição para o trabalho em exclusivo neste sector”. O certo é que quase 87% dos inquiridos exerceu sempre funções no SNS desde que começou a trabalhar, apesar de 69,1% não ter dedicação exclusiva ao sector público.

Por que não deixaram já o SNS?
O que ficou por perguntar foi por que razão é que estes profissionais não deixaram já o SNS para enveredar por uma carreira em exclusivo no privado. Marianela Ferreira (que é também investigadora do Instituto de Sociologia da Faculdade de Letras da UP) adiantou que pretende igualmente perceber o grau de satisfação dos que já fizeram esta opção, numa segunda fase deste estudo, que já está em curso.

A remuneração, uma das dimensões identificadas como geradora de insatisfação, é inferior a três mil euros por mês (rendimento bruto) para quase metade (46,9%) dos inquiridos. E, se mais de três quartos admite estar insatisfeito com o dinheiro que ganha no SNS, ainda há muitos (27,9%) que assumem que poderiam considerar o adiamento da saída do sector público por reforma em caso de aumento de remuneração.

O dinheiro não é a única fonte de insatisfação, porém. “Os recursos económicos e financeiros são determinantes, mas há dimensões de insatisfação expressa pelos médicos que não têm relação direta com a remuneração”, fez questão de sublinhar Alexandra Lopes, coordenadora do Instituto de Sociologia da Faculdade de Letras da Universidade do Porto. “A progressão na carreira, a gestão das organizações e o processo de tomada de decisões emergiram também como questões muito importantes”, enfatizou.

O que fica claro é que os profissionais “estão claramente insatisfeitos e, se saírem do SNS, vamos ter um problema muito maior”, sintetizou. “O SNS está seguramente ameaçado”, corroborou Marianela Ferreira, que define os médicos como um grupo profissional “missionário” que “gosta de exercer medicina”. 

Realizado com o apoio do Gabinete de Estudos da Secção Regional do Norte da Ordem dos Médicos, o estudo já dá pistas importantes sobre os níveis de insatisfação dos médicos, mas esta é ainda uma primeira fase da investigação que tem objetivos mais ambiciosos, nota a investigadora. Numa segunda fase, já em curso, estão a ser inquiridos médicos que saíram do SNS para perceber o seu grau de satisfação e também os profissionais que estão a fazer o internato de especialidade. Ainda este ano ou no próximo, Marianela Ferreira pretende replicar o estudo nas outras secções regionais da OM, no Sul e no Centro. Há mais de 50 mil profissionais inscritos na Ordem dos Médicos a nível nacional.

Os dados foram recolhidos entre Julho e Novembro, período durante o qual o questionário esteve disponível online na plataforma eletrónica da Universidade do Porto. Dos 13.801 médicos especialistas inscritos na Secção Regional do Norte da OM responderam 2070, tendo sido validadas as respostas de 1.495 profissionais a trabalhar no SNS.

Fonte: 
Público Online
Nota: 
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