Neuropediatria

Uma “ponte” que há cinco anos liga Cabo Verde e Portugal

Vera nasceu com spina bífida e, aos 16 anos, é talvez o pilar mais simbólico de uma ponte que há cinco anos liga semestralmente médicos portugueses e cabo-verdianos no acompanhamento de crianças com problemas neurológicos.

Vera é uma típica adolescente. Está em Cabo Verde, mas podia estar em Portugal, país onde nasceu. Gosta da escola, adora "pôr-se bonita" e passear com as amigas. A saúde é a última das suas preocupações.

Talvez por isso há 12 anos que tem uma ferida num pé, fruto das complicações associadas à patologia de que sofre, e segundo a enfermeira Luísa Monteiro, da ligeireza com que encara as recomendações médicas.

Sentada na marquesa de uma das salas de tratamentos do Hospital Agostinho Neto, na Praia, Vera sorri aos ralhetes da enfermeira que a tratou em pequena no Hospital D. Estefânia, em Lisboa, e que, 14 anos depois, a veio reencontrar em Cabo Verde quando se juntou à equipa de médicos portugueses que desde 2011 fazem missões nos hospitais cabo-verdianos.

Luísa Monteiro, que trabalha desde 1998 no Núcleo de Spina Bífida do Hospital D. Estefânia (HDE), é das "aquisições" mais recentes da equipa de especialistas coordenada pela neuropediatra do HDE Ana Isabel Dias, que acabou de completar a sua nona missão.

A missão, que decorreu entre 21 e 28 de maio e integrou pela primeira vez especialistas nas áreas de nefrologia e urologia pediátricas, incluiu consultas e triagem de doentes e ações de formação destinadas a médicos cabo-verdianos e à população.

O projeto, que nas suas primeiras três edições decorreu em regime de voluntariado com o apoio de um laboratório farmacêutico, acontece agora no âmbito da cooperação entre os ministérios da Saúde português e cabo-verdiano.

Ana Isabel Dias assinala a grande evolução e orgulha-se do percurso feito, sobretudo pelo Hospital Agostinho Neto, que tem já uma consulta de neuropediatria estruturada.

"A neuropediatria já existe, já faz parte, já é tida em conta e já está criada essa necessidade", disse em entrevista, assinalando que as doenças neurológicas representam 25 por cento das doenças pediátricas.

Estima-se que, em Cabo Verde, só crianças com spina bífida sejam perto de 5 mil (1 por cento da população), a que se juntam patologias como epilepsia, paralisia cerebral, doenças neuromusculares, atrasos cognitivos, problemas de comportamento, autismo, problemas de hiperatividade e outras.

Fruto das missões e com a ajuda de bolsas de algumas instituições, como a Fundação Gulbenkian, conseguiu-se também tornar possível a realização de formações e estágios de uma médica, uma enfermeira e uma fisioterapeuta em Portugal.

O hospital conta agora com uma equipa integrada de neuropediatria, que inclui as duas únicas neuropediatras existentes em Cabo Verde, uma terapeuta ocupacional, uma psicóloga e uma fisioterapeuta. É esta equipa que acompanha os doentes entre missões.

Foi ainda criado o Núcleo de Spina Bífida do HAN, que está em contacto permanente com o Núcleo de Spina Bífida do Hospital D. Estefânia.

Num contexto de doenças que são em larga escala degenerativas, a vinda dos médicos portugueses representa para muitas crianças e, sobretudo para os pais, a expectativa de conseguir sair do país para encontrar fora uma solução que muitas vezes não existe.

César, 12 anos, é um desses casos, foi diagnosticado aos seis anos com uma miopatia (perda de massa muscular).

Aluno do 5.º ano, César adora jogar à bola, é adepto do FC Porto e torce pelos Tubarões Azuis, mas vive com dores, para desespero da mãe, que tem dificuldades em entender porque é que só lhe receitam fisioterapia.

"É uma doença para a qual não há xaropes, nem injeções nem em Cabo Verde, nem em lado algum e vai piorar", explica Ana Isabel Dias, que tem que se socorrer da ajuda da neuropediatra do HAN, Albertina Lima, para convencer a mãe de que tudo o que é possível fazer está a ser feito.

"As pessoas têm esperança que possa haver noutra parte do mundo outra solução e se damos a ideia que não há solução, desaba o mundo, desaba a esperança", adianta.

Apesar do muito que foi feito, há sempre mais a fazer e uma das batalhas de Ana Isabel Dias é conseguir um aparelho para conseguir fazer eletroencefalogramas na consulta de neuropediatria.

Num país onde, entre as doenças neurológicas existe uma grande prevalência de epilepsia, a médica lamenta também que em muitos casos os doentes não consigam fazer rigorosamente os tratamentos por causa do preço dos medicamentos, que não são comparticipados.

Entre novembro de 2011 e dezembro de 2015, a equipa portuguesa realizou cerca de 750 consultas de neuropediatria nos hospitais da Praia e do Mindelo. Na missão que decorreu na semana passada foram consultados uma média de nove doentes por dia apenas na Praia e não houve necessidade de enviar ninguém para Portugal.

No outono, a equipa de médicos portugueses volta para mais uma missão.

Fonte: 
LUSA
Nota: 
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