Procriação Medicamente Assistida

TC chumba normas da lei de gestação de substituição mas situações em tratamento podem prosseguir

O Tribunal Constitucional identificou normas inconstitucionais na lei da gestação de substituição, mas estas declarações de inconstitucionalidade não se aplicarão nas situações em que já tenham sido iniciados os processos terapêuticos, em execução de contratos já autorizados.

O acórdão do Tribunal Constitucional (TC), divulgado na terça-feira, responde a um pedido de fiscalização da constitucionalidade formulado por um grupo de deputados à Assembleia da República.

Em relação à gestação de substituição, o TC entendeu que esta, “com o perfil traçado pelo legislador português, ou seja, enquanto modo de procriação excecional, consentido autonomamente pelos interessados e acordado entre os mesmos por via de contrato gratuito previamente autorizado por uma entidade administrativa, só por si, não viola a dignidade da gestante nem da criança nascida em consequência de tal procedimento nem, tão-pouco, o dever do Estado de proteção da infância”.

No entanto, o TC pronunciou-se sobre “aspetos particulares da disciplina legal na matéria”, decidindo que “se encontravam lesados princípios e direitos fundamentais consagrados na Constituição”.

Até 13 de abril, o Conselho Nacional de Procriação Medicamente Assistida (CNPMA) tinha autorizado dois contratos de gestação de substituição e sete estavam pendentes.

Para o TC, a lei tem uma “excessiva indeterminação” em relação “aos limites a estabelecer à autonomia das partes do contrato de gestação de substituição, assim como aos limites às restrições admissíveis dos comportamentos da gestante a estipular no mesmo contrato”.

“A concretização de tais limites é indispensável tanto para o estabelecimento de regras de conduta para os beneficiários e para a gestante de substituição, como para balizar a definição pelo Conselho Nacional da PMA dos critérios de autorização prévia do contrato a celebrar entre os primeiros e a segunda”, lê-se no acórdão.

O TC considerou que a Lei da PMA “não oferece uma medida jurídica com densidade suficiente para estabelecer parâmetros de atuação previsíveis relativamente aos particulares interessados em celebrar contratos de gestação de substituição nem, tão-pouco, estabelece critérios materiais suficientemente precisos e jurisdicionalmente controláveis para aquele Conselho exercer as suas competências de supervisão e de autorização administrativa prévia”.

O Tribunal decidiu que se encontravam lesados princípios e direitos fundamentais consagrados na Constituição na “limitação da possibilidade de revogação do consentimento prestado pela gestante de substituição a partir do início dos processos terapêuticos de PMA (…), impedindo o exercício pleno do seu direito fundamental ao desenvolvimento da personalidade indispensável à legitimação constitucional da respetiva intervenção na gestação de substituição até ao cumprimento da última obrigação essencial do contrato de gestação de substituição, isto é, até ao momento da entrega da criança aos beneficiários”.

Na mesma situação está, segundo o TC, “a insegurança jurídica para o estatuto das pessoas gerada pelo regime da nulidade do contrato de gestação de substituição (…), decorrente de tal regime impedir a consolidação de posições jurídicas – como progenitores ou como filho ou filha – que resultam da execução de tal contrato e não diferenciar em função do tempo ou da gravidade as causas invocadas para justificar a declaração de nulidade”.

O TC, considerando que “a eliminação das normas declaradas inconstitucionais com força obrigatória geral levaria a que todos os contratos já apreciados favoravelmente pelo Conselho da PMA fossem considerados como não autorizados, com as legais consequências, em especial no respeitante à legitimidade dos processos terapêuticos de PMA (incluindo a recolha de gâmetas e a criação de embriões) e ao estabelecimento da filiação de crianças nascidas em consequência de tais tratamentos”, decidiu, “por unanimidade, com fundamento em imperativos de segurança jurídica e em cumprimento do dever do Estado de proteção da infância, limitar os efeitos da sua decisão, de modo a salvaguardar as situações em que já tenham sido iniciados os processos terapêuticos de PMA (…), em execução de contratos de gestação de substituição já autorizados pelo Conselho Nacional da PMA”.

“Relativamente a tais situações, as aludidas declarações de inconstitucionalidade (…) não terão qualquer efeito”, prossegue o acórdão.

Um dos pedidos a que o CNPMA deu 'luz verde' é o de um casal em que a mulher não pode ter filhos e que a sua mãe aceita ser gestante de substituição.

Em fevereiro, o então presidente do CNPMA, Eurico Reis, classificou como "violação dos direitos humanos" a possibilidade de o Tribunal Constitucional chumbar a lei da gestação de substituição.

A lei que regula o acesso à gestação de substituição nos casos de ausência de útero, de lesão ou de doença deste órgão que impeça de forma absoluta e definitiva a gravidez, foi publicada em Diário da República em 22 de agosto de 2016.

A legislação foi publicada depois de introduzidas alterações ao diploma inicial, vetado dois meses antes pelo Presidente da República, que o devolveu ao parlamento para que a lei fosse melhorada e incluísse "as condições importantes" defendidas pelo Conselho de Ética.

Na altura, Marcelo Rebelo de Sousa justificou a decisão com o argumento de que faltava na lei "afirmar de forma mais clara o interesse superior da criança ou a necessidade de informação cabal a todos os interessados ou permitir, a quem vai ter a responsabilidade de funcionar como maternidade de substituição, que possa repensar até ao momento do parto quanto ao seu consentimento".

A lei de gestação de substituição foi aprovada, com alterações após o veto presidencial, em 20 de julho de 2016, com os votos favoráveis do BE (partido autor da iniciativa legislativa), PS, PEV, PAN e 20 deputados do PSD, votos contra da maioria dos deputados do PSD, do PCP, do CDS-PP e de dois deputados do PS e a abstenção de oito deputados sociais-democratas.

As alterações introduzidas pelo BE estabelecem essencialmente a necessidade de um contrato escrito entre as partes, "que deve ter obrigatoriamente disposições sobre situações de malformação do feto ou em que seja necessário recorrer à interrupção voluntária da gravidez".

Fonte: 
LUSA
Nota: 
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