Associar tabaco ao cancro do pulmão

Primeiro estudo foi publicado há 50 anos

Tabaqueiras tinham conseguido negar sempre trabalhos anteriores, até que o relatório de 1964 do médico Luther Terry, também ele fumador, veio tornar o tema um assunto de saúde pública.

O grande ponto de viragem na forma como se olha para o tabaco faz 50 anos, depois de em Janeiro de 1964 um médico norte-americano do Surgeon General ter publicado um estudo que associava o seu consumo a um aumento do cancro do pulmão. Antes, outros trabalhos já tinham feito este alerta, mas a indústria tinha sempre conseguido negar a base científica dos mesmos ou encontrado novos filtros que prometiam ultrapassar os malefícios encontrados, noticia o Público Online.

Luther Terry, o médico responsável pela mudança de um tema que era visto como uma escolha individual para uma questão de saúde pública, teve desde logo vários pontos a seu favor: ele próprio era fumador e percebeu que teria de trabalhar com a indústria tabaqueira para não ver questionado no final o trabalho do organismo que serve de base a muitas das decisões relacionadas com a saúde pública naquele país. Assim, para construir a equipa de trabalho, deixou que a própria indústria validasse um a um todos os nomes, sendo que do total de dez elementos só metade não eram fumadores.

Aliás, a própria equipa de investigadores era reveladora da tendência social da época, onde se estima que mesmo entre a classe médica entre um terço a metade dos clínicos fossem fumadores. Nos anúncios e pelas ruas abundavam também imagens de desportistas famosos a fumar, até o conhecido desenho animado Fred Flintstone empunhava cigarros, não havia nenhuma mesa de café sem um cinzeiro e a publicidade era feita sem restrições, recorda o The Detroit News, que adianta que na altura do estudo 42% da população adulta dos Estados Unidos era fumadora.

Mesmo à medida que o trabalho se desenvolveu, Luther Terry continuou a fumar e foi a colega Eugene Guthrie que o persuadiu a deixar o hábito antes da histórica conferência de imprensa, brincando que se o quisesse continuar a fazer devia fazê-lo fechado num armário.

O trabalho, mesmo assim, foi envolto em fortes medidas de segurança e divulgado finalmente a 11 de Janeiro de 1964, um sábado - para evitar os efeitos em bolsa e conquistar a imprensa de domingo. Na divulgação pública - que pela primeira vez colocou o tema na capa dos jornais -, Luther Terry disse que o relatório, que analisou 7000 artigos científicos com o apoio de mais de 100 consultores, permitiu estabelecer a existência de uma relação causal entre consumo de tabaco e algumas formas de cancro, como do pulmão e da laringe, no homem, bem como outras doenças das vias respiratórias e cardiovasculares. Referia-se também a relação de dependência.

O médico recomendava, por isso, que o Governo tivesse uma intervenção urgente para evitar as doenças prematuras e as mortes e que tivesse uma mão pesada nas políticas. Duas décadas depois, Terry chegou a descrever o momento como “uma notícia bombástica que atingiu o país e que fez as primeiras páginas dos jornais e noticiários de rádios e televisões nos Estados Unidos e noutros países”.

Na altura, o trabalho não referia as mulheres (uma minoria entre os fumadores), mas mais tarde vários trabalhos, alguns também do Surgeon General, vieram acrescentar que os problemas são extensíveis às mulheres e também a outros tipos de cancro e a outras doenças.

Em apenas três meses, o consumo de tabaco nos Estados Unidos caiu 15%, apesar de depois do choque inicial as vendas terem recuperado em parte, o que levou as autoridades a pensarem em novas acções. Nas décadas seguintes, desde avisos nos maços de tabaco a restrições nos anúncios publicitários ou mesmo proibição dos mesmos, várias foram as medidas tomadas e que influenciaram países de todo o mundo, a que se juntaram outras como o aumento de impostos ou a protecção específica das camadas mais jovens da população.

Fonte: 
Público Online
Nota: 
As informações e conselhos disponibilizados no Atlas da Saúde não substituem o parecer/opinião do seu Médico e/ou Farmacêutico.
Foto: 
ShutterStock