Entrevista - Dia Mundial da Asma

“Os asmáticos podem e devem praticar desporto tal como qualquer outra pessoa!”

Atualizado: 
05/05/2015 - 12:17
No dia em que se assinala a efeméride da asma o Atlas da Saúde esteve à conversa com Helena Pité e João Antunes, imunoalergologistas do Centro de Alergia da CUF Descobertas Hospital.

Atlas da Saúde (AdS): Como se caracteriza a asma?

A asma é uma doença respiratória crónica, que se caracteriza por sintomas como a tosse, pieira/chiadeira (“gatinhos no peito”), falta de ar ou uma sensação de peso ou aperto no peito. São queixas que se repetem no tempo, com intervalos livres ou com poucos sintomas, mais ou menos longos, até surgir uma nova crise. A asma resulta da inflamação mantida das vias aéreas e manifesta-se por uma maior sensibilidade a estímulos diversos, nomeadamente infecções respiratórias, alergias, exercício físico, stress emocional, ar frio, fumos, poeiras ou cheiros intensos. Poderemos comparar a inflamação brônquica a um lume brando e silencioso que pode facilmente ficar fora de controlo, dando origem aos sintomas…

AdS: Há estudos em Portugal que indiquem qual a prevalência da asma? Qual a população mais afectada: crianças, adultos, homens, mulheres....?

Os dados mais recentes apontam para cerca de um milhão de pessoas com asma em Portugal, ou seja, aproximadamente 10% da população nacional. E 300.000 tiveram uma crise no último ano. Os primeiros sintomas de asma surgem frequentemente na infância (quase 80% dos casos manifestam-se antes dos 10 anos de idade), mas a doença pode manifestar-se em qualquer idade. Até 1/3 dos doentes poderão desenvolver asma já em idade adulta.

Na infância, a asma afecta mais os rapazes do que as raparigas, mas após a adolescência o padrão inverte-se e a asma torna-se mais frequente no sexo feminino. As alterações hormonais poderão ter aqui um papel relevante.

AdS: Quais as principais causas da asma?

A asma resulta de factores genéticos (que herdamos da nossa família) e factores do ambiente em que vivemos. É frequente haver outros elementos da família com asma ou com doenças relacionadas, como a rinite ou o eczema, mas os factores ambientais contribuem de forma decisiva para o desenvolvimento e gravidade da asma. Entre estes, destacamos o tabagismo, a poluição ambiental, a exposição a alergénios e as infecções respiratórias. A obesidade merece uma atenção especial por estar implicada no aumento do número de casos de asma, sobretudo nas crianças, assim como na gravidade da doença. Da mesma forma, não podemos deixar de alertar para os perigos do tabaco, que não afecta só quem fuma, mas também quem está exposto ao fumo dos outros: em crianças expostas ao fumo de tabaco, o risco de sintomas de asma aumenta 2 vezes e o risco de crises graves com internamento hospitalar aumenta 6 vezes. Apesar de ser este o principal factor de risco para a gravidade da asma na infância, estima-se que 40 a 65% das crianças estejam expostas ao fumo de tabaco. Estes são graves problemas de saúde pública que requerem da sociedade uma resposta empenhada.

AdS: É possível falar de cura, ou apenas de doença controlada?

A asma é uma doença crónica e as doenças crónicas geralmente não têm cura. No entanto, é possível ter asma sem sintomas. Tal como sucede com outras doenças crónicas, como a hipertensão ou a diabetes, o objectivo do tratamento da asma é o controlo da doença. Contudo, cerca de metade dos asmáticos portugueses não têm a sua asma controlada. A desvalorização dos sintomas pelo doente e/ou familiares, os mitos sobre efeitos adversos da medicação, as dificuldades económicas e falhas técnicas na utilização dos inaladores da asma, erradamente chamados “bombas”, são algumas das explicações para este problema.

AdS: Como é, habitualmente, feito o controlo da doença?

A asma, como as doenças alérgicas em geral, é uma doença inflamatória crónica e deve ser tratada como tal. Se compararmos a asma com um iceberg e entendermos que os sintomas são apenas a “ponta” do problema, rapidamente percebemos que a única forma de controlar a doença é tratar aquilo que está escondido, ou seja, a inflamação das vias aéreas. Tratar os sintomas com a medicação de alívio é fundamental mas só resolve parte do problema. A origem do problema é a inflamação e é essa que precisamos combater diariamente com a medicação preventiva. Os tratamentos inalados (respirados) são a opção mais eficaz e segura. Os corticóides inalados constituem a principal ferramenta no combate à asma e devem ser iniciados o mais precocemente possível. Em casos mais complicados poderá ser necessário associar um broncodilatador de acção prolongada para melhor controlar a doença. Os anti-leucotrienos, por via oral, são também uma opção a considerar, sobretudo em doentes que também sofram de rinite alérgica. As vacinas antialérgicas são outra arma muito interessante. Para saber mais sobre esse assunto, não deixe de falar com o seu alergologista.

Além da medicação diária, todos os asmáticos devem ter medicação de alívio para as crises. Os broncodilatadores de início rápido são uma ajuda essencial nestes momentos.

As medidas gerais mais importantes são sobretudo não estar exposto ao fumo de tabaco ou outros poluentes, evitar infecções respiratórias e reforçar as defesas do organismo com vacinas anti-infecciosas, como por exemplo a vacina da gripe (recomendada para todos os asmáticos) e outros imunoestimulantes orais, e combater a obesidade através de uma alimentação equilibrada e diversificada e uma prática desportiva regular. Relativamente às alergias, existem algumas medidas úteis de controlo do meio ambiente, mas sempre ajustadas ao tipo de alergia identificado em cada caso (por exemplo, as medidas anti-ácaros do pó são muito diferentes dos cuidados a ter quando há alergia a pólenes).

AdS: Durante tempos havia o mito que as pessoas com asma não podiam praticar exercício físico porque agravava a sua condição. É verdade ou é mesmo mito?

Os asmáticos podem e devem praticar desporto tal como qualquer outra pessoa! Se a prática de exercício físico origina queixas de asma (tosse, pieira, falta de ar, sensação aperto ou peso no peito), isso significa que a asma não está bem controlada e é motivo para procurar ajuda junto do seu médico, e não para desistir da actividade física. O desporto faz parte de uma vida saudável e deve ser sempre estimulado, tanto nas aulas de educação física, como em desportos de lazer ou mesmo de alta competição. Além disso, o asmático tem o direito de praticar todos os deportos. Entre os famosos com asma, salientamos os exemplos de Rosa Mota (atletismo), David Beckham (futebol), Nuno Marques (ténis) ou Michael Phelps (natação).

AdS: Existem cuidados especiais que um doente com asma deve ter?

O asmático deve ter uma vida normal; os cuidados especiais devem ser no sentido de controlar a doença, isto é, de diminuir a frequência e a gravidade dos sintomas e das crises. A asma pode afectar muito a qualidade de vida de todos, mas não deve ser assim. Deste modo, é importante evitar os factores que podem agravar a asma (como as infecções, o tabaco ou as alergias) e fazer correctamente a medicação preventiva, adaptado a cada caso. Para isso, as pessoas com asma devem ter um esquema escrito do seu tratamento, incluindo o que fazer se houver uma crise. É fundamental uma avaliação regular pelo seu médico, para verificar o melhor tratamento para cada situação. Os dispositivos para tratamento inalado têm de ser correctamente utilizados e quaisquer dúvidas devem ser esclarecidas com o seu médico e outros profissionais de saúde experientes, como farmacêuticos, enfermeiros ou técnicos. Sendo uma doença que afecta o funcionamento normal dos pulmões, são muito importantes os exames respiratórios que avaliam a capacidade respiratória, que podem ser feitos em qualquer idade, adaptados a cada pessoa. E, por fim, não esquecer que muitas vezes a asma surge em conjunto com outras doenças alérgicas na mesma pessoa, sobretudo a rinite (inflamação do nariz, que causa queixas repetidas de comichão no nariz, espirros, pingo ou nariz tapado) ou o eczema (inflamação crónica que provoca pele seca, vermelha, com comichão). São doenças que se associam à asma e que a podem tornar mais difícil de controlar, pelo que devem ser tratadas em conjunto – não podemos esquecer nenhuma delas para obtermos os melhores resultados.

AdS: Uma notícia recente dizia que "apenas 30% das crianças com asma chegam à adolescência sem sintomas da doença". Isso deve-se a que factores?

Um dos maiores problemas que enfrentamos, ainda nos dias de hoje, é o mito de que a asma passa com a idade. O estudo nacional que deu origem a essa notícia acompanhou, durante 13 anos, mais de 300 crianças que tiveram crises de tosse, pieira ou falta de ar ainda antes de entrarem para a escola, e veio mostrar que a maioria dessas crianças continua com asma na adolescência. A asma é uma doença crónica; não devemos esperar que passe com o crescimento.

O estudo mostrou também que as crianças que têm rinite e as que têm alergias apresentam maior risco de continuar com asma na adolescência. Em Portugal, mais de 30% das crianças com idades entre os 3 e os 6 anos têm frequentemente queixas de comichão no nariz, espirros, pingo ou nariz tapado (“parece que passa a vida constipado…”), que são sintomas típicos de rinite, que incomodam muito mas que, apesar disso, não são adequadamente valorizados. Ter rinite aumenta em pelo menos 3 vezes o risco de desenvolver asma e estas queixas devem ser tratadas desde os primeiros anos de vida, em todas as crianças.

Da mesma forma, as alergias também condicionam muito a evolução da asma. Os testes na pele são realizados pelo médico alergologista e permitem estudar as alergias, mesmo em crianças pequenas (não há um limite de idade para poderem ser feitos). Nas crianças com queixas de asma, estes testes podem ajudar no diagnóstico e no tratamento. Mas é importante que o tratamento seja iniciado mesmo sem saber o resultado dos testes; o tratamento da asma não deve ser adiado com o pretexto de realizar exames.

AdS: Na sua opinião, qual o principal esclarecimento que a população precisa sobre a doença?

A asma afecta pessoas de todas as idades mas é possível controlar completamente a doença e viver com asma mas sem sintomas!

Bebés com queixas repetidas de tosse, pieira ou dificuldade em respirar ao longo da infância provavelmente têm asma, que está mal controlada (e não são “bronquiolites de repetição”); mas a doença pode aparecer pela primeira vez na idade adulta.

 Não devemos ter medo do diagnóstico, nem do tratamento e muito menos esperar que passe com o tempo. Não tratar é deixar a doença evoluir livremente, é correr o risco de prejudicar os pulmões e perder capacidade respiratória, é não dormir bem e ter limitações nas atividades do dia-a-dia, é ter dificuldades na escola ou no trabalho, é ter mais idas às Urgências e mais internamentos, é mais medicação, mais custos e menos qualidade de vida. Existem tratamentos para a asma, para todas as idades, que não são perigosos e bem usados garantem os melhores resultados. Devemos ser exigentes e procurar o controlo da asma.

AdS: Qual a importância de ter um dia dedicado à asma?

A asma é ainda hoje uma doença pouco valorizada. Ainda há muitas pessoas que não estão correctamente diagnosticadas e tratadas, constituindo problemas sérios que enfrentamos diariamente. Apesar do impacto que a asma pode ter na vida dos doentes (por exemplo, faltas à escola e ao trabalho, dificuldades nas actividades diárias mais simples como subir escadas ou correr, idas ao serviço de urgência e internamentos hospitalares) muitas são as pessoas (em especial crianças) que continuam sem ter a doença diagnosticada. Este dia é mais um passo na luta para alcançar o controlo da asma. Um passo que precisamos firmar e perpetuar para conseguirmos melhorar a nossa saúde respiratória.

Autor: 
Célia Figueiredo
Nota: 
As informações e conselhos disponibilizados no Atlas da Saúde não substituem o parecer/opinião do seu Médico, Enfermeiro e/ou Farmacêutico.
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