Entrevista – Presidente Sociedade Portuguesa de Hipertensão

“3 em cada 4 portugueses não sabe identificar alimentos que são fontes de sal”

Atualizado: 
22/05/2015 - 12:59
O consumo excessivo de sal continua a ser um dos principais factores que levam ao aumento do número de casos de hipertensão arterial. Poucos dias após o dia que assinalou a doença, o Atlas da Saúde esteve à conversa com Mesquita Bastos, presidente da Sociedade Portuguesa de Hipertensão, que nos explicou tudo. Leia aqui

Atlas da Saúde - A hipertensão continua a ser um dos principais factores de risco do AVC?

Prof. Mesquita Bastos - Sim, a hipertensão arterial é o factor de risco mais importante como causa de morte cardiovascular. Os doentes hipertensos têm uma maior probabilidade de vir a sofrer um acidente vascular cerebral (AVC) ou um enfarte agudo do miocárdio (EAM) ao longo da vida.

Quais as principais causas da hipertensão?

As principais causas da hipertensão são o consumo de sal em excesso, má alimentação, stress, obesidade, álcool, sedentarismo e hereditariedade.

Segundo os últimos dados qual a prevalência de hipertensão arterial entre os portugueses?

O estudo PHYSA detectou que a doença atinge quase metade da população portuguesa (42%).

Na sua opinião, os portugueses continuam a não ter em atenção a quantidade de sal que consomem?

Sim, sem dúvida. A população portuguesa, apesar de consciente dos malefícios do consumo de sal em excesso, não está suficientemente motivada para alterar os seus hábitos de consumo. Segundo os resultados do estudo PHYSA, levado a cabo pela Sociedade Portuguesa de Hipertensão (SPH) e representativo de Portugal Continental, pode-se inferir que 95,6% dos portugueses continua a ingerir sal acima do máximo recomendado pela Organização Mundial de Saúde (OMS), cuja recomendação é de apenas 5,5 gramas diários. Em Portugal consome-se em média 10,7 gramas de sal por dia. De acordo com os resultados da sondagem efectuada pela SPH, em Dezembro de 2014, apenas ¼ da população tem em conta a presença de sal nos produtos embalados, sendo os jovens aqueles que menos importância atribui a esta prática (82% não verifica o sal presente nos alimentos). Além disso, 3 em cada 4 portugueses não sabe identificar quais os alimentos que são fontes de sal.

Um estudo recente dizia que a hipertensão está mal controlada nos idosos. Isso deve-se essencialmente a que factores?

Deve-se ao facto de se tratar de uma doença silenciosa, indolor e que não apresenta sintomas alarmantes ou identificáveis. É uma doença perigosa porque os seus sintomas só são visíveis em estados mais avançados, ou seja, quando já há forte indício de AVC ou EAM. A hipertensão, quando é detectada numa simples consulta de rotina, pode já ter causado algum tipo de dano em órgãos como o coração. Por outro lado, com a idade há um envelhecimento natural, nomeadamente um enrijecimento dos vasos, bem como um aumento de co-morbilidades como a diabetes, a dislipidemia e a obesidade. Estudos científicos demonstram claramente que o controlo tensional é muito mais difícil quando essas co-morbilidades existem.

A não adesão à terapêutica tem algum peso no não controlo da doença?

Sim, porque na maioria dos casos, a hipertensão não apresenta sintomas, tornando o seu diagnóstico e tratamento mais difícil. Embora a hipertensão não apresente sintomas, quando não está controlada acarreta um risco elevado de desenvolvimento de doenças cardiovasculares, aumentando assim a probabilidade de morte ou invalidez. Quando um doente hipertenso não está a ser medicado ou quando não está a receber o tratamento indicado, com o passar do tempo, os seus órgãos vão começar a ser afectados, podendo desenvolver doenças como insuficiência cardíaca. Por outro lado, por mais eficaz que seja um medicamento se ele não for tomado não faz qualquer efeito. O problema de adesão do doente à terapêutica é tão importante que um estudo efectuado nos USA demonstrou que, devido ao abandono da medicação, morrem 1.650.000 idosos por ano.

O mesmo estudo dizia ainda que cerca de metade dos doentes hipertensos sofrem igualmente de colesterol elevado…

O colesterol elevado e a hipertensão arterial são duas coisas diferentes, sendo que a presença dos dois não duplica o risco para o indivíduo mas sim multiplica-o. As doenças cardiovasculares, como o AVC e o EAM, são provocadas pelo desenvolvimento da doença aterosclerótica que acaba por levar à oclusão de um vaso ou no caso do AVC hemorrágico à ruptura de um vaso. Os maus hábitos de consumo alimentar e o sedentarismo podem facilmente levar a níveis elevados de colesterol, assim como da pressão arterial. Tanto para a pressão arterial elevada como para o colesterol elevado o tratamento consiste na adopção de um estilo de vida saudável que engloba uma reeducação alimentar e prática de exercício físico. Em determinados casos é necessário também recorrer à medicação. Em suma, o importante é tratar como um todo o risco cardiovascular que o indivíduo possa apresentar.

Na sua opinião como se pode "combater" este grave problema de saúde pública? Isto numa altura em que cada vez se sabe mais sobre a doença, os avanços terapêuticos também são muitos e os portugueses parecem cada vez mais sensibilizados para a prática do exercício físico.

A prática de exercício físico é importante de uma forma geral, contudo ela deve ser associada a uma alimentação saudável. Ela provoca a longo prazo uma descida da pressão arterial. No entanto, no caso do doente hipertenso ela só deve ser feita quando o doente tem a pressão arterial controlada, pois caso contrário pode ser nefasta.

Por isso, para combater a hipertensão é fundamental mudar os hábitos de consumo, tais como a redução do consumo de sal na alimentação e preferência por uma dieta rica em frutas, vegetais e com baixo teor de gorduras saturadas. O álcool deve ser consumido com muita moderação e o hábito de fumar deve ser completamente cessado. Outra forma de combater a hipertensão é a medição regular da tensão arterial e o cumprimento da medicação se for caso disso. Em Portugal 61% da população só mede a tensão quando vai ao médico e são os jovens aqueles que menos têm este hábito. Um dos objectivos da SPH é tornar a medição da pressão arterial numa prática comum e frequente entre os portugueses.

No passado dia 17 de Maio assinalou-se o Dia Mundial da Hipertensão. Qual o balanço que faz das actividades que a SPH desenvolveu para assinalar a efeméride?

O balanço foi muito positivo. Este ano, a capital da hipertensão foi a cidade de Oeiras e contámos com uma forte adesão da população que circulava nos arredores. Organizamos os habituais rastreios gratuitos à pressão arterial e outros factores de risco cardiovascular (como a diabetes e excesso de peso) sempre acompanhados por médicos e enfermeiros da SPH ou apoiantes da mesma. Tivemos ainda sessões informativas onde procuramos esclarecer todas as dúvidas e também aulas de ginástica e caminhadas para incentivar a prática do exercício físico. O ponto alto das comemorações foi a organização de um show cooking de refeitas saudáveis cujo intuito era ensinar a confeccionar receitas saborosas com recursos a ervas aromáticas como substitutos do sal.

Considera que a mensagem chegou ao público-alvo?

É esse o grande objectivo da SPH fazer chegar, ao maior número de pessoas possível, a importância da prevenção, detecção e tratamento da hipertensão. A SPH para além de ter a sua vertente científica, assume mesmo nos seus estatutos uma vertente de liga. Todos os esforços e acções que desenvolvemos têm sempre o objectivo principal de sensibilizar a população para a hipertensão arterial. Embora ainda exista um longo caminho a percorrer, acreditamos que a nossa actuação têm vindo a contribuir fortemente para a diminuição do número de hipertensos e mortes por doenças cardiovasculares. O objectivo da SPH é dar continuidade ao trabalho que tem vindo a ser desenvolvido. A SPH orgulha-se do facto do controlo tensional, entre 2003 e 2012, ter passado de 11% para 42,6% e de ter contribuído decisivamente para a redução do consumo excessivo de sal, vendo inclusivamente ser aprovada, em 2009, uma Lei que limita o teor de sal no pão, Lei n.º 75/2009 de 12 de Agosto. É de registar que, com esses dois factos, a SPH teve um papel muito importante na sociedade, tendo contribuído para a uma diminuição da mortalidade por AVC, segundo dados da Direcção-Geral da Saúde.

Por expressa opção do autor, o texto não respeita o Acordo Ortográfico

Autor: 
Célia Figueiredo
Nota: 
As informações e conselhos disponibilizados no Atlas da Saúde não substituem o parecer/opinião do seu Médico, Enfermeiro e/ou Farmacêutico.
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