Estudo

Crise na habitação e deslocamentos forçados afetam a saúde dos portuenses

Um novo estudo conduzido por uma equipa de investigadores do Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto (ISPUP) mostrou que os processos de deslocamento direto, de agregados até então viver em casas arrendadas, na sequência de aumentos incomportáveis de renda, venda do alojamento ou conversão do mesmo em alojamento local estão associados a efeitos negativos significativos na saúde física e mental dos agregados deslocados.

O deslocamento forçado – uma realidade cada vez mais frequentes no atual contexto de crise da habitação, gentrificação e “turistificação” da cidade do Porto – é uma situação de saída forçada do agregado da casa, quando todas as condições até então necessárias para ocupar a casa (por exemplo, pagamento do valor da renda) estavam preenchidas. A investigação demonstra que o impacto na saúde das pessoas que passam por esta realidade começa antes da saída efetiva e pode prolongar-se até muito depois da mudança para um novo local de residência.

O estudo, publicado recentemente na revista científica Social Science & Medicine, analisou em profundidade as experiências de 12 pessoas sujeitas a deslocamento direto ou em risco iminente de a sofrer. As entrevistas revelam que os aumentos abruptos das rendas, a não renovação de contratos (incluindo para permitir aumentos de renda) e a venda de imóveis arrendados são fatores centrais que têm forçado moradores — incluindo indivíduos de classe média — a abandonar as suas casas, muitas vezes, sem alternativas acessíveis na cidade.

 

Um processo que faz mal à saúde antes e depois da mudança

Os participantes relataram um conjunto consistente de efeitos emocionais e físicos, de intensidade variável, associados ao processo de deslocamento direto, destacando-se a ansiedade, sintomas depressivos, insónias, ataques de pânico, perda de peso e agravamento de problemas de saúde mental já diagnosticados. Em casos mais extremos, houve relatos da deterioração grave do estado de saúde de idosos após o início do processo de mudança forçada. Segundo os investigadores, o deslocamento direto funciona como um verdadeiro “choque emocional”, capaz de gerar um sentimento profundo de insegurança, perda de sensação de controlo sobre o curso da própria vida e rutura com rotinas estabelecidas, muitas vezes essenciais para o bem-estar.

O trabalho mostra também que as consequências do deslocamento direto não se esgotam no momento da saída: muitos participantes expressaram dificuldades em adaptar-se às novas casas, mesmo quando estas apresentavam melhores condições de habitabilidade. A distância dos amigos, vizinhos e serviços, a quebra de laços comunitários e o sentimento persistente de não pertença ao novo espaço contribuíram para estados de alienação residencial e agravamento da saúde mental. A mudança obrigou ainda à reorganização de rotinas, com impactos na gestão do tempo, na prática de exercício físico, na alimentação e no acesso a cuidados de saúde, entre outros.

Os investigadores explicam que, em cidades marcadas pela gentrificação e pela “turistificação”, como o Porto, o risco de despejo alargou-se para além das populações tradicionalmente vulneráveis, atingindo também pessoas mais jovens, qualificadas e com emprego estável. Ainda assim, os efeitos na saúde mostram-se particularmente severos entre quem tem menos recursos económicos, piores condições laborais ou responsabilidades familiares adicionais, como é o caso de mães que vivem sozinhas com os filhos ou idosos com baixos rendimentos.

Segundo a equipa de investigação, estes resultados evidenciam a urgência de políticas públicas que reforcem a oferta de habitação acessível, protejam os inquilinos dos processos de deslocamento direto e que garantam apoio às pessoas deslocadas. “A antecipação do deslocamento, ou seja, a ameaça credível de ter de abandonar a casa de forma indesejada, por si só, já tem efeitos potencialmente importantes na saúde e no bem-estar, o que reforça a necessidade de adotar medidas que tragam maior estabilidade aos inquilinos”, acrescenta ainda José Pedro Silva, investigador do ISPUP e primeiro autor do estudo.

Este é o primeiro estudo em Portugal a investigar as consequências do deslocamento involuntário na saúde dos residentes. Os autores defendem que compreender as ligações entre as várias dimensões da habitação, as formas de deslocamento estudadas e a saúde e o bem-estar é essencial para promover cidades mais saudáveis e socialmente justas, sobretudo num contexto em que a pressão imobiliária, o turismo e o investimento internacional no imobiliário continuam a transformar profundamente o tecido social e urbano.

 

Fonte: 
Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto (ISPUP)
Nota: 
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