Segundo psicólogo

Relações domésticas violentas são agora mais curtas, mas mais fatais

Com o assassinato esta segunda-feira de uma mulher em Sacavém, o balanço da violência doméstica em 2015 eleva-se para pelo menos 29 mortes. Passagem da violência psicológica para o homicídio é agora mais rápida, alerta especialista.

As relações onde há violência doméstica duram menos tempo, mas a escalada de violência é cada vez mais agressiva, diz à Rádio Renascença o psicólogo Daniel Cotrim, que trabalha com a Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV). Em 2015, pelo menos 29 mulheres foram assassinadas em contexto de violência doméstica. Uma delas foi assassinada esta segunda-feira, em Sacavém.

“Há 15 anos, ou até mesmo há dez anos, a média de permanência numa relação abusiva rondava os 20/30 anos. Hoje em dia os números indicam-nos que as mulheres permanecem numa relação abusiva cerca de seis anos”, refere Daniel Cotrim.

O facto tem duas leituras: “Por um lado, quer dizer que as campanhas de sensibilização e informação têm chegado às pessoas, mas, por outro lado, quando olhamos bem para dentro deste tipo de violência, vemos que ela é muito mais perigosa e mais fatal. Mais depressa se passa da violência psicológica para a violência física, da violência física para a tentativa de homicídio e depois para o homicídio”, explica.

Vítimas mais novas
Há ainda uma mudança de perfil das vítimas, aponta Daniel Cotrim. Em 80% dos casos, as vítimas continuam a ser do sexo feminino, mas são agora muito mais novas. “Há 15 anos, falávamos de mulheres acima dos 50 anos. Neste momento, falamos de mulheres jovens, entre os 20 e os 45 anos, e muitas vezes com três ou quatro filhos.”

Para este especialista da APAV, o trabalho a ser feito passa também pelos menores que assistem à violência doméstica.

“Nesta nova geração de rapazes e raparigas de 12, 13, 14 anos, na qual já vemos muitos fenómenos de violência no namoro, relações abusivas entre adolescentes, é fundamental começarmos a trabalhar cada vez mais cedo. Ou seja: iniciarmos a partir do momento que se inicia o processo de socialização das pessoas um trabalho sobre as questões da violência e da igualdade das oportunidades.”

29 mortes em 2015
A violência doméstica volta a ser notícia depois de pelo menos mais dois casos mortais nos últimos dias. No dia de Natal, em Armamar, um homem matou a tiro a mulher, suicidando-se de seguida. Já esta segunda-feira, em Sacavém, há registo de outro caso semelhante.

Com estes dois casos, o número de mulheres assassinadas em contexto de violência doméstica em 2015 aumentou pelo menos para 29. No final de Novembro, o Observatório das Mulheres Assassinadas, da União de Mulheres Alternativa e Resposta (UMAR), registava a morte de 27 mulheres. A maioria das vítimas foi assassinada com armas brancas ou de fogo.

Daniel Cotrim lembra que na origem da violência doméstica está a relação de poder entre as pessoas.

“Não é pelas leis serem mais graves ou maiores que vamos ver uma diminuição maior ou menor. O que está na base da violência – de qualquer forma de violência, mas sobretudo neste tipo de violência – é a questão do poder e é a ideia do poder. A ideia de que alguém, alegadamente mais forte, pode dominar alguém alegadamente mais fraco”, detalha.

Nesta linha de pensamento, Daniel Cotrim considera irrealista pensar que algum dia a violência doméstica será totalmente erradicada, mas acredita que há espaço para reduzir os números.

“Aquilo que temos de trabalhar é a ideia de liberdade e democracia também nas relações afetivas e isto faz-se trabalhando, cada vez mais cedo, com as crianças as ideias de cidadania, de igualdade de género e de oportunidade”, afirma, defendendo que “homens e mulheres não são iguais”.

“A igualdade não é ocultar ou fazer passar a diferença. Igualdade é respeitarmos a diferença do outro e da outra em função tanto do seu sexo, como do seu género”, remata.

Fonte: 
RR
Nota: 
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