Gravidez e infeção por VIH

VIH: técnicas de PMA são a esperança para casais serodiscordantes

Atualizado: 
30/11/2020 - 15:14
Em Portugal são diagnosticados cerca de três novos casos de VIH por dia. A introdução da terapia com antirretrovirais veio aumentar a esperança média de vida destes doentes e com eles foi crescendo o desejo gestacional. A evolução das técnicas de Procriação Medicamente Assistida (PMA) tornou possível que pais seropositivos possam ter filhos livres da doença.

Dados oficiais revelam que, em Portugal, existem mais de 50 mil portadores de VIH. Um número que coloca o país quase no topo dos estados membros europeus com mais casos registados, e onde predomina a transmissão por via heterossexual.

O recurso à terapia antirretroviral veio permitir não só o aumento da esperança média de vida, como a possibilidade do doente ter uma vida dita normal.

No que diz respeito à saúde reprodutiva, e mais concretamente ao planeamento de uma gravidez, a evolução das técnicas de Procriação Medicamente Assistida trouxeram maior esperança aos casais em que um dos elementos é portador da doença.

De acordo, com Sofia Nunes, diretora do Laboratório de Fecundação In Vitro da Clínica IVI Lisboa, “os principais objetivos das técnicas de Procriação Medicamente Assistida quando utilizadas em casais portadores de VIH são evitar a infeção do parceiro seronegativo e do feto/recém-nascido e, em algumas situações, ultrapassar uma causa de infertilidade concreta”.

Sabe-se, aliás, que a infeção por VIH é responsável pela diminuição da fertilidade, que afeta tanto homens como mulheres.

“Os doentes infetados pelo VIH podem apresentar uma deterioração dos parâmetros de avaliação da qualidade de esperma, nomeadamente, diminuição do volume, menos concentração e mobilidade e maior proporção de anomalias morfológicas dos espermatozoides”, explica Sofia Nunes, que refere ainda que alguns dos fármacos antirretrovirais utilizados também “têm um impacto negativo na mobilidade dos espermatozóides”.

No caso de mulheres portadoras do vírus, e de acordo com a ginecologista, especialista em Medicina Reprodutiva, Tatiana Semenova,  há vários relatos de mulheres, em estados avançados da doença, que apresentam alterações menstruais e/ou diminuição da reserva ovárica. “Nesta população também existe uma maior prevalência de outras doenças de transmissão sexual (DST) que podem originar obstrução das trompas uterinas”, acrescenta.

Ultrapassada a barreira da infertilidade, importa observar o estado de saúde do casal. Para que casais serodiscordantes – “aqueles em que um dos membros apresenta serologia positiva para esta infeção viral mas o outro não” – possam recorrer às técnicas de Procriação Medicamente Assistida é necessário que apresentem um bom estado de saúde geral.

“Nos casos em que a mulher é a portadora de infeção, o médico infeciologista deve ser consultado e deverá emitir um parecer favorável a uma futura gravidez. A doença deve estar controlada, ou seja, com contagem adequada de linfócitos CD4 e carga viral indetetável no sangue e boa adesão à terapêutica antirretroviral quando indicada”, explica Sofia Nunes.

As técnicas de PMA para casais serodiscordantes

De acordo com a diretora do laboratório de Fecundação in vitro, a técnica mais utilizada em Procriação Medicamente Assistida quando o parceiro masculino é seropositivo é a Fecundação in vitro com microinjeção de espermatozóides. “Quando o parceiro masculino é seropositivo deve-se proceder à lavagem do sémen e este processo geralmente reduz consideravelmente a concentração de espermatozóides móveis, pelo que na maioria dos casos é necessário utilizar a microinjeção”, justifica.

Tal como explica Sofia Nunes, a lavagem seminal consiste na separação do vírus presente no plasma seminal dos espermatozóides. “Tecnicamente o sémen deve passar por um meio específico com gradiente triplo de densidade e, no final, é realizado um teste de deteção do vírus do VIH por PCR (Polymerase Chain Reaction). Uma vez que a análise do PCR demora algum tempo, a amostra de sémen lavada é congelada e só poderá se utilizada se o resultado confirmar a ausência de vírus na amostra”, acrescenta.

O único risco que a lavagem de sémen apresenta é poder não existir, no final do procedimento,  material seminal suficiente para congelar e usar, posteriormente, na inseminação dos ovócitos.

“Quando é feita a lavagem de sémen, a concentração de espermatozóides móveis obtida no final é reduzida. Por esta razão, quando fazemos este tipo de procedimentos, as amostras de sémen devem preencher um mínimo de requisitos  de concentração e mobilidade seminais”, acrescenta a diretora do laboratório.

No caso de ser a mulher portadora do vírus, as técnicas de PMA a utilizar dependem da avaliação global do casal pelo especialista de reprodução humana.

“Pode ser utilizada a inseminação intra-uterina que é a técnica mais simples. Ou técnicas mais complexas”, adianta Sofia Nunes.

Estas técnicas, ditas complexas, passam pela estimulação ovárica e extração dos ovócitos para fecundação em laboratório, “seguida da monitorização do desenvolvimento dos embriões e cujo objetivo final é a transferência dos embriões (ou embrião) para a cavidade uterina da mulher”.

De acordo com a especialista, a inseminação dos ovócitos pode ser feita por fecundação in vitro convencional (FIV) ou a microinjeção intracitoplasmática de um espermatozóide (ICSI).

Enquanto que na Fecundação in vitro convencional, considerada um processo mais natural, os ovócitos são colocados num meio de cultura com vários espermatozóides, “na ICSI é o embriologista que injeta um espermatozóide para dentro de um ovócito”.

Os riscos destes procedimentos são raros, uma vez que, hoje em dia, as técnicas de Procriação Medicamente Assistida são extremamente seguras. No entanto, “pode existir hiperestimulação ovárica e riscos inerentes à intervenção para extração de ovócitos, como hemorragia ou infeção”.

Risco de transmissão vertical inferior a 2%

A maioria dos casos pediátricos de infeção por VIH resultam da transmissão do vírus durante a gestação, o parto ou pela amamentação.

No entanto, embora a transmissão vertical seja um fator determinante na evolução dos casos de VIH em idade pediátrica, as mães infetadas não transmitem invariavelmente o VIH aos filhos.

Há, aliás, inúmeros estudos que apoiam a perceção de que o tratamento antirretrovírico, de alta eficácia na redução da carga vírica durante a gestação, está associado a taxas muito baixas de transmissão vertical do vírus.

“Na gravidez espontânea a principal via de transmissão do VIH de mãe para o filho é vertical”, afirma Tatiana Semenova, especialista em Medicina Reprodutiva.

“Atualmente, o risco é inferior a dois por cento, se a mulher tem a doença estabilizada e boa adesão ao tratamento antirretroviral”, garante, adiantando que  “no caso dos tratamentos de PMA com esperma lavado, a probabilidade de contágio é quase nula e, até há data, não há casos descritos”, acrescenta.

Deste modo, reafirma a importância de uma gravidez planeada e acompanhada até ao seu término.

“É fundamental a avaliação pré-concepcional de ambos os elementos do casal para estabelecer as condições ótimas antes de eventual gravidez, nomeadamente, a doença estabilizada com cargas virais indetetáveis”, explica a ginecologista, recomendando “um controlo estrito da infeção antes de planear uma gravidez”.

“Numa mulher com infeção por VIH a gravidez considera-se de alto risco e por isso deve ser vigiada por uma equipa multidisciplinar em centro especializado”, justifica.

Autor: 
Sofia Esteves dos Santos
Nota: 
As informações e conselhos disponibilizados no Atlas da Saúde não substituem o parecer/opinião do seu Médico, Enfermeiro, Farmacêutico e/ou Nutricionista.
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