Dia Mundial do Médico de Família

“Os Médicos de Família colocam os interesses dos seus utentes em primeiro lugar”

Um dia após a comemoração do Dia Mundial do Médico de Família a Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar falou ao Atlas da Saúde do importante papel destes profissionais no Serviço Nacional de Saúde e nos Cuidados de Saúde Primários.

Celebra-se anualmente a 19 de Maio, o Dia Mundial do Médico de Família, uma iniciativa da responsabilidade da Organização Mundial dos Médicos de Família (WONCA), apoiada em Portugal pela Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar (APMGF).

O Dia Mundial do Médico de Família foi celebrado pela primeira vez em 2010 e “tem como objectivo festejar e dignificar a relevância da Medicina Geral e Familiar, sensibilizando a comunidade sobre a importância dos cuidados de saúde da pessoa e da família e defender a valorização do Médico de Família”, refere membro da direcção da APMGF.

Para as comemorações, a Associação programou uma campanha nacional, a decorrer em várias cidades do país, com presença em espaços públicos, pretendendo informar os portugueses sobre a importância da Medicina Geral e Familiar e dos Cuidados de Saúde Primários (CSP).

O Médico de Família

No discurso comemorativo, o Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Saúde, Fernando Leal da Costa, salientou o facto de o Médico de Família ser o único especialista a ter tal distinção (um dia a ele dedicado). “No universo dos dias comemorativos temos o Dia Mundial da Saúde, no dia 7 de Abril, o Dia Mundial da Saúde Mental, no dia 10 de Outubro, e o resto são dias de doenças. Pouco mais se fala de saúde e o facto de termos um dia do médico de família é uma grande oportunidade para falar de saúde. Os especialistas de Medicina Geral e Familiar são médicos de pessoas e para todas as idades”, disse Fernando Leal da Costa.

Na realidade, “os Médicos de Família (MF) colocam os interesses dos seus utentes em primeiro lugar e funcionam como um provedor para a sua saúde, daí serem justamente considerados os melhores amigos dos doentes”, refere a Associação, acrescentando que, “ para que possam dedicar o tempo e atenção necessários a todos os que os procuram, os MF não podem ver as suas listas aumentadas de forma arbitrária e desmedida, sob pena de não serem capazes de prestar cuidados de saúde de qualidade”. Certo é que como em todas as profissões, “por vezes há casos pontuais de situações que correm menos bem ou de forma diferente da desejável, mas importa salientar que neste momento muitos MF estão desmotivados e em exaustão, por não se sentirem reconhecidos e por não lhes serem dadas as condições mínimas para o exercício digno do seu trabalho. Só mesmo a amizade e dedicação que têm para com os seus utentes os faz continuar a trabalhar, dia após dia, em prol da saúde e bem-estar de todos”.

A escassez de profissionais

A tão falada falta de Médicos de Família deve-se, “por um lado ao processo massivo de aposentações que ocorreram nos últimos anos de Médicos de Família em fases mais avançadas da sua carreira, muitas vezes de forma antecipada, e que o Governo não conseguiu impedir. Por outro lado deve-se ao facto de termos neste momento muitos internos e médicos ainda na sua fase de formação específica, o que necessita de algum tempo para se completar”.

De notar que um médico desde que entra na faculdade de Medicina, até que termina a sua especialidade e se torna disponível para assumir funções autónomas de Médico de Família, leva pelo menos 10 anos. Portanto, “a resolução deste problema não será a curto prazo, mas certamente em poucos anos se fará através do aumento de vagas nos últimos anos, quer nas faculdades quer na especialidade”, contam os responsáveis da APMGF, sublinhando que para uma resolução de curto prazo, e enquanto não temos disponíveis estes novos especialistas, várias medidas temporárias podem ser tomadas para minimizar este efeito e compensar a população que não tem MF. Nomeadamente criar incentivos para o regresso à actividade de muitos MF aposentados nestes últimos anos. Por outro lado pode haver, pontualmente e em zonas ou situações especiais de maior carência, um aumento transitório das dimensões dos ficheiros dos colegas em actividade. Estas medidas, claro, deverão ser substituídas pela colocação progressiva e definitiva de novos profissionais sob condições adequadas para uma prática médica de qualidade”. Ou seja, desde que as condições de trabalho e de remuneração sejam justas para todos os envolvidos.

As listas dos médicos

O Ministério da Saúde propôs e logo depois deixou cair a proposta de alargamento das listas dos médicos de família até um máximo de 2500 utentes, dando ouvidos às críticas. “Aumentar as listas para cima de 2000 utentes significaria colocar em causa toda a contratualização realizada até agora no que refere às metas de desempenho das unidades e dos profissionais. Quem disser que é possível manter a contratualização actual, ou seja, atingir metas de cobertura e desempenho elevadíssimas, com listas de 2000 ou mais utentes, ou ignora o assunto ou está a tentar enganar alguém. Simplesmente não existe tempo suficiente numa semana de trabalho comum para um profissional, ou para uma equipa de saúde conseguir atingir as metas propostas. Com 1900 utentes os nossos colegas já estão absolutamente nos limites e este não é um discurso corporativo, é o discurso da realidade”.

Inclusive Rui Nogueira, da APMGF, disse na altura que, “esta solução até levanta questões de natureza ética”.

Os doentes

Para a APMGF, a gestão dos recursos por prioridades deve ser uma filosofia a adoptar em situações de carência, o que se verifica em algumas zonas do país onde há falta de MF. Por isso, propôs que os doentes com hipertensão e com diabetes - dois problemas de saúde com maior prevalência em Portugal – fossem priorizados no acesso ao MF, “pois o maior investimento nestes problemas trará mais ganhos em saúde populacional, evitando custos associados às suas complicações e como tal melhorando a sustentabilidade do SNS”, já que estes são dois grupos de problemas de saúde que se associam a maiores perdas de anos de vida com qualidade, e como tal maior carga de doença para a população geral.

Também porque prevenir é o melhor remédio e essa é precisamente uma das tarefas da Medicina Geral e Familiar. “É necessário investir nas bases educativas da população para que esta se torne sensível à importância da prevenção”. E a prevenção assume várias dimensões, explica a direcção da APMGF: “por uma lado começa no ambiente em que se vive e na exposição a factores de risco, e isso passa pelo campo legislativo e político, como é o exemplo da exposição tabágica em locais públicos ou da poluição ambiental. Por outro lado, para prevenir a doença e preservar a saúde é necessário não só um estilo de vida saudável, mas também conhecer e saber detectar adequada e precocemente uma situação de doença”. É, portanto, importantíssimo investir na educação populacional e isto passa por todos os profissionais, quer de saúde, quer de educação, bem como pela sociedade civil. “É deveras importante que os utentes estejam cada vez mais e melhor informados sobre a sua saúde e sobre o que devem fazer para a preservar”.

As novas tecnologias podem e devem desempenhar um papel importante na área da prevenção em saúde, bem como na divulgação de informação adequada acessível a todos. Contudo, comenta a mesma, “este novo tipo de educação para a saúde deve ser baseado em fontes sérias, fidedignas e credíveis, que por vezes são difíceis de encontrar e/ou seleccionar pela população em geral. Desde que a informação seja de qualidade, a internet pode ser um grande aliado dos profissionais de saúde, facilitando todo o processo assistencial e de prestação de cuidados”.

O Serviço Nacional de Saúde

Segundo a APMGF, “diversas entidades internacionais e diversos estudos na área da gestão e economia da saúde mostram claramente e inequivocamente que um Serviço de Saúde baseado em bem organizados e bem estruturados CSP, é mais eficiente, mais sustentável, consome menos recursos e apresenta melhores resultados em matéria de saúde da população”.

O desinvestimento e o desinteresse em apoiar o desenvolvimento dos Cuidados de Saúde Primários levará inevitavelmente ao comprometimento da sustentabilidade do Serviço Nacional de Saúde (SNS) em Portugal como o conhecemos, e isto não se baseia apenas na falta de MF, sendo claro um factor importante, mas também na “paralisação” da reforma dos CSP e na falta de apoio para resolver os vários problemas que ainda persistem.

“A ‘crise’ no SNS foi e é causada por políticas erradas, muitas vezes de má gestão não só económica mas também a nível dos recursos humanos, que visam a sua degradação e empobrecimento”, lamenta a direcção. Contudo, o SNS continua a ser a base do sistema de saúde em Portugal e terá de continuar a desempenhar esse papel, sendo que só ele assegura a cobertura universal e tendencialmente gratuita de toda a população. Os sistemas de saúde privados têm o seu lugar e funcionam muitas vezes como o complemento ideal para o SNS, mas não são capazes de o substituir. Em Portugal, o SNS continua a ser a referência em áreas importantíssimas, como sejam os tratamentos inovadores, a investigação ou a formação médica, ente muitas outras.

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Célia Figueiredo
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