Novos produtos de tabaco e nicotina

Organizações de Saúde defendem a proposta do governo sobre as alterações à Lei do Tabaco

Entidades ligadas à saúde respiratória - Sociedade Portuguesa de Pneumologia, Fundação Portuguesa do Pulmão, Pulmonale - e a Confederação Portuguesa de Prevenção do Tabagismo foram ouvidas pelo Grupo de Trabalho de Tabaco da Comissão de Saúde no passado dia 1 de Fevereiro, na audição sobre a proposta de Lei do Governo que introduz alterações à atual Lei do Tabaco, proposta de Lei 38/XIII.

As entidades e personalidades presentes reportaram aos deputados as potenciais implicações do uso dos cigarros eletrónicos e do tabaco aquecido, se não forem adotadas medidas de regulamentação semelhantes àquelas já aplicadas aos tradicionais cigarros.

Considerando o conhecimento científico atual, foi esclarecido que:

- Os cigarros eletrónicos e os novos produtos de tabaco aquecido, apesar de não sofrerem combustão, contêm nicotina, que causa dependência e dificulta a cessação. Além disso, sobretudo no caso do cigarro eletrónico que está bem estudado, diversos metabolitos resultantes do seu aquecimento já estão identificados como tóxicos, irritantes e carcinogénicos, tendo potencial para causar doença respiratória, cardiovascular e cancros, entre outras.

- Diversos estudos científicos concluíram consistentemente que o fator que mais contribui para o risco de desenvolver doença causada ou relacionada com o uso de tabaco é a duração do consumo e não apenas o número de cigarros fumados. Por outro lado, a profundidade e frequência da inalação determinam em grande parte a intensidade da absorção das substâncias inaladas, em oposição ao conteúdo do cigarro expresso na embalagem antes de ser inalado. As tentativas anteriores da indústria do tabaco para desenvolver estratégias de redução de danos modificando os produtos de tabaco nunca se confirmaram. De facto, a evolução ao longo dos anos dos cigarros antigos para cigarros com filtro e com menor conteúdo em nicotina, alcatrão e monóxido de carbono, não diminui os riscos de saúde associados ao tabaco. Pelo contrário, os produtos de tabaco são hoje comprovadamente mais tóxicos e mais aditivos.

-Estudos populacionais recentes na América, Europa e Ásia mostram que os jovens e os não fumadores estão a experimentar e a usar estes novos produtos em grande escala, havendo o risco do consumo se tornar frequente na população. Mesmo que o risco individual do consumo destes produtos seja menor em relação aos cigarros tradicionais, se forem usados em simultâneo ou por mais pessoas ou durante mais tempo, o risco populacional e o impacto na saúde pública será significativamente maior, agravando a carga de doença e mortalidade e os custos económicos e sociais associados a este consumo.

- À luz dos conhecimentos científicos actuais, a Organização Mundial da Saúde (OMS) e o Departamento de Saúde Pública (DSP) dos EUA afirmam inequivocamente que os cigarros eletrónicos e os novos produtos de tabaco não são produtos seguros para a saúde, não estando provado que sejam eficazes na cessação tabágica e como tal devem ser eficazmente regulados para se conseguir travar o seu consumo.

Assim, seguindo as recomendações da OMS e o DSP dos EUA, aclamam a proposta de lei n.º 38/XIII defendendo que “num contexto de saúde pública, deve-se proteger os consumidores e as demais pessoas expostas, regulando a comercialização destes produtos e interditando o seu consumo nos mesmos locais onde seja proibido fumar.” Apoiam também o reforço da proteção ao fumo ambiental de tabaco através da extensão da proibição de fumar aos espaços exteriores e contínuos dos edifícios dos serviços de saúde, escolas e estabelecimentos de ensino, além dos espaços de recreação frequentados por crianças. Estudos demonstram que fumar no exterior dos edifícios dos hospitais é um comportamento frequente e visível, expondo o comportamento tabágico dos profissionais de saúde e sendo percecionado negativamente pelos utentes. Nas principais entradas a afluência de fumadores nos espaços exteriores é constante, com potencial comprovado para contaminar o interior do edifício e prejudicar a desnormalização do comportamento de fumar. A maioria dos utentes concorda com o alargamento da proibição de fumar no exterior.

No decorrer dos trabalhos desenvolvidos pelos deputados constatou-se um interesse acrescido na introdução dos novos produtos de tabaco aquecido e no cigarro eletrónico como instrumentos de combate ao tabagismo, com vista à redução de riscos. Os deputados já se encontravam previamente sensibilizados e informados sobre as características e vantagens preconizadas comercialmente por estes produtos, mas sem um conhecimento mais aprofundado de outros fatores ligados à saúde e doença que põem em risco os consumidores e os que são expostos aos produtos emitidos para o ambiente pela utilização desses produtos.

Os especialistas presentes concluíram que estes produtos não possuem as características necessárias para serem considerados produtos de redução de risco, nem produtos de substituição do tabaco. A possibilidade de serem incluídos em estratégias de minimização de danos, eventualmente causando menos doença, carece de evidência científica ou de boa prática de saúde pública, e como tal, não pode ser recomendada ou apoiada pelos profissionais de saúde.

Por fim, foi lembrado a necessidade de apoiar o programa nacional prioritário de prevenção e controlo do tabaco, seguindo o compromisso firmado pelo Estado Português com a Convenção-Quadro de Controlo do Tabaco da OMS (CQCT) e da necessidade de implementação das resoluções e recomendações emanadas desta Convenção e das Conferências das Partes (COP), que ocorrem periodicamente, bem como das Diretivas Europeias, evitando um posicionamento que defenda ou promova os produtos e interesses comerciais da Indústria ao invés da proteção da saúde e bem-estar dos cidadãos. As organizações da Sociedade Civil e do Estado mantêm contacto com estas estruturas e reportam a evolução e as barreiras a implementação do controlo do tabaco em Portugal.

As quatro entidades entregaram ainda aos Senhores Deputados um documento de consenso e recomendações (em anexo), comprometendo-se a dar continuidade à defesa da regulamentação da comercialização e do uso indiscriminado dos novos produtos de tabaco e dos cigarros eletrónicos protegendo a saúde das populações e sobretudo dos grupos mais vulneráveis.

Recomendações :

As entidades de saúde aqui representadas defendem as medidas de redução de risco com evidência científica comprovada, que fazem parte das recomendações internacionais e da Convenção-Quadro para o Controlo do Tabaco (CQCT) da OMS, e que não têm sido implementadas de forma consistente no decorrer dos anos apesar de estarem previstas na lei, tais como:

- Espaços 100% livres de tabaco, em todas as suas formas, com inclusão de áreas adjacentes (5 metros das entradas e janelas, conforme previsto na Proposta de Lei) que preservem a qualidade do ar interior e estendam a proteção dos utilizadores dos edifícios e serviços em causa, proporcionando menor exposição ao fumo e menos oportunidades de fumar. Nesse sentido, foi lembrado que os espaços destinados a fumadores ainda estão por regulamentar através de Portaria desde 2015, criando uma situação de incerteza que pode gerar novos problemas semelhantes ao que criou uma moratória até 2012 para os espaços já existentes, que são ineficazes;

- Aumento consistente dos preços através de impostos em todos os produtos de tabaco e cigarros eletrónicos, reduzindo a capacidade de acesso aos produtos, especialmente por parte dos grupos mais vulneráveis e desfavorecidos, que mais sofrem desigualdades de saúde, situação que o consumo de tabaco agrava;

- Alocação de recursos para consciencialização pública e informação ao consumidor e prevenção, que permitem melhor literacia em saúde e melhores escolhas e decisões;

- Eliminação total da publicidade e branding nas embalagens e nos pontos de venda;

- Redução da disponibilidade da venda e acesso aos jovens de cigarros e de novos produtos através de uma regulação e fiscalização mais apertada;

- Reforço do apoio à cessação tabágica, através da comparticipação das terapêuticas com comprovada eficácia e acompanhada por profissionais de saúde, bem como o desenvolvimento de intervenções e consultas nos serviços de saúde e na comunidade. 

Fonte: 
Multicom
Nota: 
As informações e conselhos disponibilizados no Atlas da Saúde não substituem o parecer/opinião do seu Médico, Enfermeiro, Farmacêutico e/ou Nutricionista.
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