Dia Mundial da Contracepção assinala-se hoje

Contracepção: como a pílula revolucionou o mundo

Atualizado: 
26/09/2018 - 10:09
A história da contracepção remonta aos tempos de Hipócrates, Aristóteles e Éfeso, que já tinham uma visão do objectivo, o controle da natalidade. Claro que durante séculos esta tentativa de ter os filhos apenas desejados era efectuada com receitas “caseiras”, que nem sempre atingiam o seu objectivo.

Durante muitos anos casais mais informados e mulheres regulares nas suas menstruações utilizaram métodos do calendário e da temperatura que eram muito falíveis. O duche vaginal, os espermicidas e o coito interrompido também fizeram e provavelmente ainda fazem, parte do armamentário de métodos contraceptivos, mas com baixas taxas de sucesso, levando ao que a contracepção da era moderna quer evitar: gravidezes indesejadas e menor taxa de abortamentos.

A partir da década de 60, com a introdução do primeiro contraceptivo hormonal, vulgo pílula, deu-se uma revolução, não só no controle da natalidade, mas também na liberdade sexual. A mulher passou assim a poder controlar o número de filhos que desejava, independentemente dos dias do mês e da frequência das relações sexuais.

As primeiras formulações, com doses muito elevadas de Estrogénios e Progestativos, tinham efeitos secundários adversos, que levaram a que ao longo destes últimos 50 anos, muitas outras formulações com mais baixa dosagem tenham sido progressivamente introduzidas no mercado. Sendo melhor toleradas e com menos complicações são hoje o principal método contraceptivo utilizado em todo o mundo civilizado.

O principal objectivo de um grande leque de formulações hormonais, como método contraceptivo, é não só funcionar como tal, como ir de encontro às especificidades de cada mulher, evitando efeitos secundários nocivos e em simultâneo funcionar em situações específicas da vida da mulher (por ex. amamentação), ou tratar situações ou patologias (por ex. hemorragias abundantes, acne, hirsutismo, síndrome do ovário poliquístico, dismenorreia – dor com a menstruação).

A evolução dos métodos contraceptivos hormonais levou a que novas formas de disponibilização fossem estudadas e postas ao dispor das mulheres, não prejudicando o seu efeito contraceptivo. Temos hoje em dia anéis vaginais, implantes subcutâneos, injectáveis, selos. 

Claro que todos estes métodos hormonais têm contra indicações e exigem alguma vigilância: se a mulher tem problemas cardiovasculares ou história anterior de trombose não deve optar por qualquer um dos métodos acima descritos; se desenvolver icterícia ou em análises / exames se detectar algum alteração da função hepática deverá suspender qualquer um destes métodos hormonais; em caso de lhe ser diagnosticado um cancro de mama qualquer método contraceptivo hormonal deverá ser suspenso (os estudos efectuados não detectaram qualquer relação entre o uso de contraceptivos orais e o risco de cancro da mama, mas a dúvida permanece, sabendo-se que a estar ligado, é ao estrogénio da pílula e não ao progestativo); se aparecerem hemorragias uterinas anómalas, deverão ser estudadas antes de prosseguir com o uso destes métodos. 

É importante também realçar que os métodos contraceptivos hormonais oferecem protecção de cancro do ovário e do endométrio. Os estroprogestativos diminuem, em cerca de 50%, o risco de desenvolver cancro do endométrio, sendo esta protecção tanto maior quanto mais prolongada for a utilização. Esta protecção é maior ainda quando utilizadas doses mais elevadas de progestativos, persistindo durante alguns anos após a suspensão da terapêutica. Já o risco de cancro do ovário é diminuído em 40% em utilizadoras deste método contraceptivo, sendo também a protecção proporcional à duração da terapêutica.

Em relação ao implante contraceptivo é importante realçar, que carece de intervenção médica quer para a sua introdução como remoção, e que está indicado em mulheres dos 18 aos 40 anos de idade. A duração da sua eficácia é de 3 anos.

O implante subcutâneo poderá ser mais atraente para as mulheres jovens que procuram uma contracepção eficaz a longo-prazo e reversível, assim como para aquelas com contra-indicações ao uso de estrogénios. A sua hemorragia menstrual pode sofrer alterações e tornar-se ausente, irregular, pouco frequente, frequente, prolongada ou raramente abundante. O padrão hemorrágico que irá ter durante os primeiros três meses indica geralmente o seu padrão hemorrágico futuro.

Já no século XXI, surge a opção transdérmica de contracepção hormonal, vulgo selo/penso. Este sistema que adere à pele contém uma combinação de estrogénio e progestativo e a sua aplicação é semanal durante 3 semanas consecutivas, seguida de uma de pausa, assim como com a maior parte das pílulas, durante a qual ocorrerá a hemorragia de privação. Pode ser aplicado no abdómen, nádegas, parte superior do tronco (com excepção da região mamária) ou na parte externa do braço.

As principais contra-indicações para o uso deste método são a irritação no local de aplicação, a tensão mamária e as dores menstruais que ao contrário da pílula ocorrem com este sistema. Em termos de eficácia contraceptiva, sabe-se através de vários estudos que é tão boa ou superior à pílula oral.

Também no início deste século uma nova formulação com estrogénio e progestativo, em forma de anel vaginal é aprovada. O anel deve ser usado durante 3 semanas consecutivas e retirado durante uma semana, em que ocorre a hemorragia de privação, colocando novo anel ao fim dessa semana de pausa. A sua eficácia é também tão boa ou superior à da pílula oral, visto que a sua capacidade contraceptiva se mantém por mais duas semanas, no caso de a mulher se esquecer de trocar o anel (o que não é de todo aconselhável). Poderá existir uma desadaptação a este método quando a mulher sente desconforto vaginal ou sensação de corpo estranho, interferência com as relações sexuais.

Um facto de somenos importância, em relação aos contraceptivos hormonais, especialmente a pílula estroprogestativa, é a diminuição da libido e da lubrificação que provoca, o que se repercute, por vezes, de forma negativa na sexualidade do casal. 

Remontando também a um passado mais recente, início do século XX, outros métodos foram sendo desenvolvidos, com por exemplo o Dispositivo Intra-Uterino (DIU), que nos dias de hoje é largamente utilizado, mas por vezes, fruto ainda de algum preconceito. Há mulheres que não aceitam a ideia de ter “ um objecto estranho “, dentro do seu útero. Trata-se no entanto de um dos métodos mais eficazes e saudáveis que a mulher pode utilizar. Tem as suas contra-indicações como qualquer dispositivo / medicamento e é necessária a intervenção médica para a sua introdução. Os mais comuns, os DIU de cobre podem aumentar a hemorragia mensal e não resolver a dismenorreia.

Com a evolução do DIU ao longo dos tempos, foram desenvolvidos, dispositivos medicados, mais conhecidos como SIU, que libertam progesterona e que impedem o crescimento do endométrio, levando a que a mulher na maior parte dos casos não menstrue ou menstrue escassamente. Este aparelho torna-se assim muito confortável para uso prolongado, por ausência da menstruação mensal, tendo ainda outras indicações: pode servir de tratamento nas mulheres com hemorragias muito volumosas, que conduzem muito frequentemente a anemias, evitando assim situações mais invasivas como por ex. a histerectomia.

As mulheres que optem por este tipo de contracepção, têm que ter presente que para que a sua eficácia seja o mais alta possível, cerca de 99%, devem consultar regularmente o seu médico para que seja verificado que ele se encontra in situ, ou seja, não se tenha deslocado, o que a suceder pode por em causa a sua eficácia contraceptiva. Como grande vantagem não existe a necessidade de um acto diário e sabe-se hoje em dia que a mulher pode permanecer com o mesmo DIU durante 10 anos.

No que diz respeito ao SIU, como existe um efeito hormonal dependente da quantidade de hormona que possui para libertação, está estimado que deve ser substituído de 5 em 5 anos ou de 3 em 3 anos conforme o SIU porque se tenha optado.

Para todas as mulheres que optem por métodos contraceptivos hormonais ou mecânicos, é necessário transmitir que não estão protegidas contra doenças sexualmente transmissíveis (Ex. Sífilis, Gonorreia, Infecção por Clamydia, Infecção por HIV) e no caso do DIU / SIU podem ainda facilitar o desenvolvimento de infecções vaginais e ascensão dessas infecções para o útero e abdómen provocando um quadro de Doença Inflamatória Pélvica (DIP), necessitando de tratamento com antibióticos, que por vezes requer internamento.

Por isso as mulheres que optem por este tipo de contracepção, devem ser ainda mais cautelosas em relação ao tipo de relações sexuais e evitar certos tipos de práticas sexuais que possam aumentar a contaminação com a flora intestinal.

A contracepção de emergência, também designada de contracepção pós-coital ou do "dia seguinte" é um método de prevenção da gravidez após uma relação sexual desprotegida. Não é destinado à utilização como método permanente de contracepção. Assim, embora todas as mulheres sexualmente activas devam estar informadas da sua existência, esta deve ser utilizada apenas em último recurso. Este tratamento deve ser iniciado o mais cedo possível após a relação desprotegida, dado que a sua eficácia diminui à medida que aumenta o intervalo entre a relação sexual e a sua administração. O ideal será iniciar este tratamento dentro de 72 horas após o coito.

No caso de contra-indicação para qualquer um destes métodos e na eventualidade de relações esporádicas ou com múltiplos parceiros, a mulher deve sempre recorrer ao uso de preservativo – o método barreira mais eficaz, como contraceptivo e como preventivo de doenças sexualmente transmissíveis.

*este artigo não foi escrito ao abrigo do novo Acordo Ortográfico, por opção do autor

Autor: 
Dra. Bercina Candoso - Ginecologista / Obstetra
Assistente Hospitalar Graduada de Ginecologia e Obstetrícia MJD - CHP
​Responsável Centro de Uroginecologia e Pavimento Pélvico MJD- CHP

Nota: 
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