Presidente da ADERMAP fala sobre a doença e sua missão

Considerada uma “simples doença de pele” a Dermatite Atópica é muitas vezes negligenciada

Atualizado: 
17/09/2018 - 09:53
No dia em que se assinalou pela primeira vez o Dia Mundial da Dermatite Atópica, estivemos à conversa com Joana Camilo, a presidente da recém-criada associação de doentes com Dermatite Atópica – a ADERMAP - que nos explicou a importância de se levar a sério uma patologia que, para além das manifestações físicas, tem vários efeitos a nível emocional mas que, até aqui, tem sido subvalorizada.

Para quem desconhece o impacto que a Dermatite Atópica pode ter na vida de um doente, o que nos pode dizer sobre o tema? Quais as principais complicações da doença e de que modo pode condicionar a vida de quem dela padece?

A Dermatite Atópica (DA), ou eczema atópico, é uma doença crónica, imunomediada, atualmente incurável, e multifatorial, pois é determinada pela interação de fatores genéticos e ambientais que ainda estão por elucidar.

A DA é tradicionalmente caracterizada por manifestações físicas na pele. As pessoas que sofrem de DA vêem e sentem os seus efeitos na pele – vermelhidão, edema (inchaço), prurido (comichão), xerose (secura cutânea), fissuras, lesões descamativas, crostas e exsudação.

Esta doença tem também vários efeitos a nível emocional, como impotência e frustração, ansiedade e depressão quando não é possível controlar a doença.

Além dos sintomas físicos característicos da doença, as pessoas que sofrem de DA verificam uma diminuição significativa da sua qualidade de vida.

Durante as crises, esta doença condiciona as nossas atividades no dia-a-dia e mesmo à noite por não conseguirmos dormir devido à intensa comichão e dor nas lesões. Por ter manifestações físicas visíveis e muitas vezes em zonas muito extensas, pode comprometer a interação com as pessoas. Esta doença limita ainda a realização de exercício físico pois a transpiração agrava as lesões devido ao intenso prurido que causam.

Quando a DA assume uma forma moderada a grave, os médicos têm de prescrever tratamentos sistémicos em conjunto com a aplicação de tratamentos tópicos (cremes) mas que não podem ser usados durante muito tempo pois começam a ser tóxicos para outros órgãos como os rins. A DA é uma doença crónica inflamatória que não tem cura e em muitos casos difícil de controlar, estando associada a outras doenças (comorbilidades) como a asma e a rinite alérgica, ou polipose nasal, e pode vir acompanhada de complicações cardiovasculares.

Que idade tinha quando foi diagnosticada com Dermatite atópica?

A Dermatite Atópica foi-me diagnosticada juntamente com a asma por volta dos 7 anos de idade e foram alternando na gravidade ao longo da minha vida.

Tenho atualmente 40 anos e, entre os 7 e os 31 anos, tive episódios relativamente controlados de DA, limitados na duração com lesões circunscritas às zonas mais comuns (ex. dobras dos cotovelos e joelhos, pescoço e pálpebras) e sobretudo no verão por causa do calor e da transpiração. Há 7 anos e meio, depois do meu primeiro filho nascer, a DA reapareceu e alastrou pelo corpo todo.

Quais foram as principais manifestações da doença e quais as regiões do corpo mais atingidas?

As principais manifestações são uma grande sensibilidade da pele, facilmente inflamada e com vermelhidão, edema (inchaço), muita secura e facilmente descamativa sobretudo entre hidratações. Um dos piores sintomas é a comichão (prurido). Quando sentimos comichão, temos uma tendência natural para coçar. Quando não conseguimos controlar, o ato de coçar resulta no surgimento de feridas e fissuras na pele (chego a ver a pele a rasgar em determinadas zonas dos braços). Nas crises mais complicadas, as lesões chegam a estar disseminadas por 80% do meu corpo, atingindo nas situações mais graves o couro cabeludo, é difícil encontrar uma zona da pele completamente “limpa”.

Após o diagnóstico que mudou no seu dia-a-dia? Que cuidados passou a ter?

O diagnóstico da DA foi feito logo aos 7 anos e assumiu uma forma “ligeira” e menos impactante. Desde logo aprendi que tinha de aplicar creme hidratante depois de cada duche, e pelo menos 2 vezes por dia para manter a pele mais hidratada. Tomo duches diários muito rápidos e sempre com água morna, e seco o corpo com muito cuidado (apenas aproximo levemente a toalha da pele pois o simples ato de secar “normalmente” causa danos). Sempre que possível, tento usar apenas roupa de algodão ou outras fibras naturais, e evito alimentos que comprovadamente me pioram as manifestações da doença. Felizmente, no meu caso, a exposição ao sol, de forma cuidada e responsável, faz-me muito bem sobretudo com banhos no mar. Naturalmente, que tento seguir à risca as indicações médicas e beber muita água pois também tem um efeito notório em mim.

Relativamente à ADERMAP, acredito que nasça com o objectivo preencher alguma lacuna, alguma carência no que toca ao apoio aos doentes de Dermatite Atópica… Neste sentido, o que levou à criação desta associação e quais as suas propostas? 

A ADERMAP foi criada por um grupo de pessoas com DA, e familiares, que sentiram a necessidade de agir e de ajudar a dar voz às preocupações, necessidades e impacto no dia-a-dia desta patologia.

A DA é muitas vezes considerada uma “simples doença de pele” e é muitas vezes negligenciada. Quando se fala em DA há uma tendência para associar apenas ao eczema de bebé, mas esta doença atinge qualquer idade e quando surge apenas na idade adulta, pode assumir formas mais disseminadas e graves, afetando o desempenho profissional nos picos das crises.

A ADERMAP visa ajudar a aproximar e capacitar a comunidade de DA em Portugal, bem como a promover a troca de experiências, a investigação e a partilha de informação e educação sobre esta doença, e sobre as formas de tratamento e controlo, esperando assim ajudar a aumentar os «outcomes» de saúde, nomeadamente no que toca à qualidade de vida das pessoas afetadas por esta doença, e pelas suas comorbilidades.

Na sua opinião, enquanto “doente” e presidente da Associação Dermatite Atópica de Portugal, qual a importância de se falar nesta patologia?

Apesar de a DA ser uma doença da pele comum, que pode surgir em qualquer idade, chegando a atingir níveis de gravidade muito elevados, a maioria das pessoas desconhece o grande impacto negativo na saúde e na qualidade de vida das pessoas que têm ou vivem com esta doença (familiares). Para além dos efeitos físicos e de sintomas muitas vezes difíceis de suportar, esta doença tem um impacto muito importante a nível psicológico, social, profissional. Por outro lado, este impacto é também coletivo, a DA tem um grande impacto financeiro nas pessoas e famílias com DA pois o tratamento inclui a aplicação constante de cremes emolientes e hidratantes que são muito dispendiosos e não têm qualquer comparticipação financeira ou possibilidade de dedução tributária.

Também tem um grande impacto nos sistemas de saúde e na economia. É urgente que esta doença seja tratada como um problema de saúde pública, são necessários estudos socioeconómicos sobre o seu impacto. Felizmente, esta doença está a ser alvo de uma maior visibilidade, atenção e investigação a nível global.

Celebramos a 14 de setembro o 1º Dia Internacional da Dermatite Atópica, como prova do reconhecimento do impacto que esta doença tem nas pessoas que (com)vivem com esta doença, e na sociedade mas muito há a fazer.

Neste sentido que mensagem ou que recomendações gostaria de deixar aqueles que convivem com a doença?

Algumas das mensagens que gostaria de partilhar, é que não estamos sozinhos, há muitas pessoas que sabem o que é viver e conviver com esta doença no dia-a-dia, e que sabem o que é sentir na pele a DA. Que, em qualquer caso, devem procurar médicos das especialidades que diagnosticam e tratem adequadamente esta doença, que há diferentes profissionais (médicos, enfermeiros, psicólogos, entre outros) que podem ajudar a controlar os sintomas da doença e a recuperar a qualidade de vida, e que a ADERMAP foi criada precisamente para promover a visibilidade desta doença, e ajudar a disseminar o seu impacto, e defender as necessidades e direitos das pessoas e famílias com DA, sempre sob uma lógica de sinergias e parcerias para que tenha um valor acrescentado e impacto reais, sobretudo para os casos mais graves e socioeconomicamente vulneráveis em que as necessidades são maiores. Temos de ter esperança pois apesar das horas mais sombrias, esta doença começa a ter a atenção que merece mas muito há a fazer.

Contactem a ADERMAP pois todos juntos vamos ajudar a viver a DA com maior qualidade de vida e se possível com um maior apoio.  

Autor: 
Sofia Esteves dos Santos
Nota: 
As informações e conselhos disponibilizados no Atlas da Saúde não substituem o parecer/opinião do seu Médico, Enfermeiro, Farmacêutico e/ou Nutricionista.
Foto: 
Bee Ineditus