Doenças raras

Associação Raríssimas procura padrinhos para crianças e jovens

Projeto da associação Raríssimas procura apoio da sociedade para financiar tratamentos. Há milhares de doenças raras e poucas respostas.

A porta da sala de terapias está aberta e os gritos de Lili ecoam por todo o edifício. Está furiosa, abana a cabeça com força, atira o corpo para trás e para a frente com violência. Descontrolada, começa a dar estalos na cara. A diretora interrompe com autoridade. Passou. Em poucos minutos, Lili está a sorrir e a dar beijos carinhosos à "madrinha", que veio acompanhar a sua evolução.

Liliana Carvalho ou Lili tem uma doença rara, escreve o Jornal de Notícias. Chama-se assim porque afeta, no máximo, uma pessoa em cada duas mil. Parece pouco, mas as doenças são muitas (há mais de seis mil identificadas). Hoje, a pretexto do Dia Mundial das Doenças Raras, pede-se mais atenção para estas patologias que afetarão cerca de 800 mil portugueses e carecem de respostas sociais e de saúde.

Lili nasceu há 14 anos com uma hidrocefalia congénita. O quadro clínico agravou-se com uma meningite por volta dos cinco meses. Aos nove anos, quando chegou ao centro da Raríssimas - Associação Nacional de Deficiências Mentais e Raras, na Maia, era "uma desgraça", nas palavras da mãe. Não falava, não andava, não sabia sequer que tinha pernas. Não comia sozinha, "berrava, ferrava e batia-se o dia inteiro". Aqueles cinco minutos de descontrolo que, às vezes, ainda tem, eram a toda a hora. Quatro anos depois e milhares de exercícios de reabilitação personalizados, Lili compreende o que lhe dizem, tem um discurso assertivo, come sozinha, deixou as fraldas e anda a pé com ajuda.

Uma evolução só possível graças aos "padrinhos" - a Fundação Manuel António da Mota (FMAM) e a empresa Sakthi - que acreditaram na causa e financiam os tratamentos, no âmbito do projeto "Olha por mim" da Raríssimas. No caso de Lili são cerca de 12 200 euros por ano, um custo incomportável para a família, oriunda da Madeira.

O investimento tem surtido efeito e Inês Mota, administradora da FMAM, bem como o presidente, Rui Pedroto, acompanham de perto as conquistas. Periodicamente recebem notícias sobre a evolução da afilhada e sempre que podem vão ver com os próprios olhos. "Sentimos que não dá para desligar, estamos cá para o que for preciso", assegura Inês, satisfeita por poder dar um rumo diferente a uma existência que à partida estaria condenada.

No "centro raríssimo" da Maia, são acompanhadas em ambulatório 70 crianças e jovens com doenças raras, dos quais 21 estão apadrinhados e 18 estão a aguardar um padrinho ou madrinha para poderem seguir o plano terapêutico individualizado de que necessitam. Fisioterapia, terapia da fala, terapia ocupacional, hidroterapia, hipoterapia e ozonoterapia são algumas das valências proporcionadas.

A angariação dos mecenas é feita pela associação, que anda de porta em porta à procura de padrinhos. Muitas vezes são as empresas onde o pai ou a mãe da criança trabalham que ajudam, conta Joaquina Teixeira, vice-presidente da Raríssimas e diretora do centro da Maia. Sempre que o ano está para acabar vem aquela "dor de barriga" só de pensar que os apoios podem terminar. Ao todo, nos seis centros de reabilitação da Raríssimas do país, são acompanhados 189 doentes, dos quais 44 têm "padrinhos" e 61 estão a aguardar a sua sorte.

Manel Silva-Leal é um desses casos. Chegou há menos de um mês ao centro da Maia. Tem 20 anos e carrega uma expressão de sofrimento que dói. Não fala, usa fraldas, anda agitado e chora sem parar. A mãe, professora na faculdade, traz o desgaste físico e emocional agarrado à pele. O casamento ruiu, a folga financeira que já teve transformou-se num aperto, as costas já não aguentam o peso do filho. Há duas décadas que procura um diagnóstico, um nome para a doença do filho: o último chama-se Síndrome de Pitt-Hopkins, mas ainda sem certezas.

Certo é que Manel precisa de muita reabilitação. Os custos são altos, mas Joaquina já convenceu o irmão a apadrinhar parte dos tratamentos. Não é uma estreia para José Teixeira. O empresário já foi "padrinho" de um menino que morreu, mas não quis deixar de apoiar o projeto que a irmã abraçou alguns anos após o nascimento do Gonçalo, um menino "raro" com Síndrome de Angelman. Os "sorrisos lindos" que recebe servem de recompensa. Padrinho, podes olhar por mim? "Não há como dizer não".

Fonte: 
Jornal de Notícias Online
Nota: 
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