Novo estudo

Abertos novos caminhos para o tratamento da esquizofrenia

Um conjunto de estudos feitos no Instituto de Biologia da Universidade Estadual de Campinas (IB-Unicamp) indica que disfunções nos oligodendrócitos – um tipo de célula cerebral importante para a atividade dos neurónios – podem ter um papel central no desenvolvimento da esquizofrenia.

“Se conseguirmos entender exatamente o que acontece de diferente com os oligodendrócitos de pacientes com esquizofrenia, poderemos pensar em novas abordagens terapêuticas. Os tratamentos hoje disponíveis têm como foco os neurónios. Mas as falhas de comunicação entre os neurónios podem ser uma consequência de disfunções nos oligodendrócitos”, afirmou Martins-de-Souza em entrevista à agência FAPESP.

O trabalho tem vindo a ser conduzido com apoio da FAPESP e coordenação do professor Daniel Martins-de-Souza, escreve o Diário Digital.

De acordo com o pesquisador, a esquizofrenia é considerada uma doença de desconetividade cerebral, ou seja, por motivos ainda não totalmente compreendidos, as células do sistema nervoso central não comunicam como deveriam. Em consequência disso, os portadores costumam apresentar dificuldade de distinguir entre experiências reais e imaginárias, confusão mental e alterações de afetividade, entre outros sintomas.

“Quando se descobriu que havia um problema no padrão de conexão das células do cérebro, a maior parte das pesquisas procurou compreender o que acontecia com os neurónios. Até o começo dos anos 1990, as demais células cerebrais, conhecidas como células da glia, eram consideradas apenas coadjuvantes dos neurónios, um simples tecido de sustentação”, contou Martins-de-Souza.

As células da glia dividem-se em astrócitos, micróglias e oligodendrócitos. Segundo Martins-de-Souza, estudos feitos nos últimos 20 anos têm mostrado que elas também desempenham um papel biológico importante. Os oligodendrócitos, por exemplo, são os produtores da mielina, uma substância lipídica fundamental para a troca de informação entre neurónios.

“Os neurónios possuem longos braços conhecidos como axónios, através dos quais trocam impulsos elétricos e comunicam. Para que essa transmissão ocorra adequadamente, esses braços precisam de estar isolados por uma camada de mielina, assim como um fio elétrico precisa de estar encapado para que não ocorra problemas como um curto-circuito”, comparou Martins-de-Souza.

Resultados recentes do grupo também têm sugerido que os oligodendrócitos são os responsáveis por fornecer energia aos axónios, para que estes consigam executar corretamente tarefas de grande complexidade.

Estudos de imagem feitos por volta dos anos 2000 mostraram que o cérebro de portadores de esquizofrenia tem uma quantidade reduzida de oligodendrócitos quando comparado com o de pessoas sadias.

“Nessa época foi concluído o mapeamento do genoma humano e surgiram diversos estudos de transcriptoma. Alguns deles mostraram que genes relacionados com a mielinização dos neurónios estavam diferencialmente expressos nos pacientes com esquizofrenia. O nosso grupo, por volta de 2005, foi o primeiro a mostrar que as proteínas produzidas pelos oligodendrócitos também se apresentavam com expressão diferencial nesses pacientes”, contou Martins-de-Souza.

Desde então o grupo do IB-Unicamp tem estado a investigar de que forma o défice de aproximadamente dez diferentes proteínas produzidas por oligodendrócitos tem impacto no funcionamento do cérebro - três delas em particular: MBP (myelin basic protein), MOG (myelin oligodendrocyte glycoprotein) e CNP (2′,3′-Cyclic-nucleotide 3′-phosphodiesterase).

“Encontramos evidências de que elas estão diferencialmente expressas tanto no tecido cerebral como no líquido cefalorraquidiano, que envolve o sistema nervoso central. A MBP, que é a principal constituinte da mielina, está aumentada no líquor de pacientes com esquizofrenia, o que sugere que eles estão a perder a bainha de mielina, cujos componentes ficam solúveis nesse líquido”, disse o investigador.

Num estudo recente, conduzido pela aluna de mestrado Verônica Cereda, foi comparado o tecido cerebral post-mortem de pessoas sadias e de portadores de esquizofrenia. Os resultados mostraram que no corpo caloso – região do cérebro em que há maior quantidade de oligodendrócitos – havia uma série de proteínas produzidas por esse tipo de célula que estava diferencialmente expressa nos dois grupos.

Para entender o que acontece com cada tipo de célula cerebral de pacientes com esquizofrenia, o grupo cultivou separadamente in vitro neurónios, oligodendrócitos, astrócitos e micróglias. As culturas foram tratadas com uma substância chamada MK801, que inibe a transmissão glutamatérgica (a troca de informações entre as células mediada pelo neurotransmissor glutamato), de maneira semelhante ao observado no cérebro de portadores da doença.

“Observamos que as vias relacionadas com o fornecimento de energia ficaram comprometidas em astrócitos e principalmente nos oligodendrócitos. Interessantemente, não observamos diferenças nos neurónios. Esse resultado reforça a hipótese de que disfunções nos oligodendrócitos têm um papel central na esquizofrenia”, comentou Martins-de-Souza.

Fonte: 
Diário Digital
Nota: 
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