Em Portugal e no mundo

Cancros do fígado e das vias biliares continuam a ser das doenças oncológicas com maior taxa de mortalidade

Médicos e Associação de Doentes apelam ao diagnóstico precoce e à prevenção dos cancros do fígado e das vias biliares.

Os cancros do fígado e das vias biliares continuam a ser das doenças oncológicas com maior taxa de mortalidade em Portugal e no mundo1,2, em grande parte devido ao diagnóstico tardio e à ausência de programas de rastreio populacionais3,4. Especialistas e a Europacolon refletem sobre estas questões e reforçam o apelo à prevenção e ao aumento da literacia em saúde.

O Dr. José Presa, Hepatologista, Diretor do Serviço de Medicina Interna da Unidade Local de Saúde de Trás-os-Montes e Alto Douro – Vila Real, alerta que o número de casos de carcinoma hepatocelular (CHC) em Portugal “tem vindo a aumentar a cada ano, sem que haja ainda um reflexo direto no número de óbitos”. Entre os principais fatores de risco, destaca “o consumo excessivo e abusivo de álcool e o número crescente de casos de doença metabólica hepática associada à obesidade, que constituem um grande motivo de preocupação.”5,6

Segundo o especialista, a doença frequentemente evolui sem sintomas relevantes: “quando surgem, são inespecíficos, como perda de peso e apetite, aumento do volume abdominal ou então os doentes ficam com uma tonalidade amarelada, designada icterícia”.7

A assinalar os avanços no diagnóstico por imagem, com recurso a Tomografia Computorizada (TAC) e Ressonância Magnética (RMN) de alta resolução. O especialista reforçou também a evolução no tratamento, com a “introdução da imunoterapia nos esquemas terapêuticos disponíveis”.8

O médico sublinha que os principais desafios residem na “consciencialização para a doença entre profissionais de saúde, para reconhecerem em primeiro lugar a cirrose hepática e incluírem posteriormente os doentes em programas de rastreio semestral. Outro grande desafio consiste na adesão dos doentes e na capacidade do sistema hospitalar para garantir o rastreio atempado”.

O especialista recorda ainda que, apesar da dificuldade no rastreio, nos últimos anos registaram-se avanços importantes: “a adição da imunoterapia à combinação de quimioterapia melhorou a sobrevida em doentes com colangiocarcinoma avançado e a medicina personalizada, com terapias alvo dirigidas a mutações genéticas como a Isocitrato Desidrogenase 1 (IDH1) e o Recetor do Fator de Crescimento de Fibroblastos tipo 2 (FGFR2), trouxe novas perspetivas de esperança.”9,10

O Dr. Nuno Bonito, Diretor do Serviço de Oncologia Médica do Instituto Português de Oncologia de Coimbra, chama a atenção para o aumento dos tumores das vias biliares (colangiocarcinoma e carcinoma da vesícula biliar), “uma entidade clínica rara, mas agressiva.”11,12 Em Portugal, segundo dados do Registo Oncológico Nacional (RON) e estimativas do GLOBOCAN, o cancro das vias biliares “mantém uma incidência baixa, mas com tendência crescente, refletindo o envelhecimento populacional e o aumento da capacidade diagnóstica.”2,13

Estima-se que o colangiocarcinoma represente cerca de 3% dos tumores gastrointestinais. E que a maioria dos casos ocorre entre os 50 e os 70 anos.12,14

Relativamente a sintomas, o Dr. Nuno Bonito explica que “a ausência de sinais específicos nas fases iniciais constitui um dos principais obstáculos ao diagnóstico precoce. Icterícia progressiva, prurido cutâneo, dor abdominal, cansaço extremo, perda acentuada do apetite, perda de peso inexplicada ou urina escura devem motivar uma avaliação médica célere.”15,16

Nos últimos anos, registaram-se avanços significativos na abordagem a esta patologia. Estes avanços incluem tanto o diagnóstico, como o tratamento desta doença: “a adição da imunoterapia à combinação de quimioterapia melhorou a sobrevida em doentes com colangiocarcinoma avançado. A identificação de alterações genéticas específicas tem permitido o acesso a terapias alvo, com impacto positivo na sobrevida e qualidade de vida.”10,17,18

Apesar da “natureza não prevenível da maioria dos casos”14, o especialista refere a importância de “manter um estilo de vida saudável, evitando álcool e tabaco, o controlo de doenças crónicas do fígado e a vigilância médica regular em grupos de maior risco”.

O Eng.º Vítor Neves, presidente da Europacolon, reforça que a consciencialização sobre o cancro do fígado continua a ser “muito limitada em Portugal”, apontando que a solução passa por “apostar numa comunicação clara, contínua e acessível, capaz de informar, sensibilizar e mobilizar a sociedade para a prevenção e o diagnóstico precoce.”

Aponta para a existência de fragilidades no percurso do doente com cancro do fígado em Portugal: “O diagnóstico tardio, a baixa literacia em saúde, a falta de planos para a sensibilização para a doença, o apoio psicossocial insuficiente e as desigualdades territoriais no acesso a equipas multidisciplinares e tratamentos inovadores são alguns exemplos das lacunas existentes”.

Sobre o papel da Europacolon, salienta que é “estar ao lado do doente e família em todas as fases da doença”, disponibilizando serviços tais como a Linha de Apoio ao Cidadão e a Linha de Apoio Psicológico para Cuidadores Informais, assim como consultas de psicologia e nutrição gratuitas aos Associados, formação específica para cuidadores ou ainda apoio jurídico e social”.

O presidente da Europacolon deixa alguns pedidos: “Às autoridades de saúde, para que priorizem os cancros digestivos dentro das estratégias nacionais, com reforço da prevenção, diagnóstico precoce e acesso rápido às terapêuticas; aos profissionais de saúde, em especial aos médicos de família, para que valorizem os sintomas e fatores de risco associados ao cancro do fígado e à sociedade, lembrando que a saúde do fígado também depende de escolhas individuais: hábitos saudáveis, vacinação contra hepatite B, rastreio nos grupos de risco.”

Na luta contra o cancro do fígado, é importante que “nenhum doente ou cuidador se sinta esquecido ou sozinho. O silêncio à volta destas doenças tem de ser quebrado, e a Europacolon Portugal está cá para dar voz a essa causa há quase 20 anos”, conclui.

 

Referências:

1. International Agency for Research on Cancer (IARC). Portugal – Fact Sheet 2022. GLOBOCAN. Disponível em: https://gco.iarc.who.int/media/globocan/factsheets/populations/620-portugal-fact-sheet.pdf, consultado em outubro de 2025.

2. International Agency for Research on Cancer (IARC). Portugal – Fact Sheet 2022. GLOBOCAN. Disponível em: 11-liver-and-intrahepatic-bile-ducts-fact-sheet.pdf, consultado em outubro de 2025

3. Tejada-Maldonado J, et al. Diagnosis and treatment of hepatocellular carcinoma: An update. World J Hepatol. 2015 Mar 27;7(3):362–376. 

4. Ahn JC, et al. Hepatocellular carcinoma surveillance: current practice and future directions. Hepatoma Res. 2022 Mar 11;8:10.

5. Llovet JM, et al. Hepatocellular carcinoma. Nat Rev Dis Primers. 2021;7(1):6.

6. Shah PA, et al. NAFLD-related hepatocellular carcinoma: The growing challenge. Hepatology. 2023 Jan1;77(1):323-338.

7. Amin N, et al. Hepatocellular Carcinoma: A Comprehensive Review. Diseases. 2025 Jul 2;13(7):207.

8. Amin N, et al. Hepatocellular Carcinoma: A Comprehensive Review. Diseases. 2025 Jul 2;13(7):207.

9. Pellino A, et al. Precision medicine in cholangiocarcinoma. Transl Gastroenterol Hepatol. 2018 Jul 12:3:40.

10. Zhao L-M, et al. Advances in molecular and cell therapy for immunotherapy of cholangiocarcinoma. Front Oncol. 2023 Mar 29;13:1140103.

11. Mirallas O, et al. Advances in the systemic treatment of therapeutic approaches in biliary tract cancer. ESMO Open. 2022 Jun;7(3):100503.

12. Ghidini M, et al. Biliary tract cancer: current challenges and future prospects. Cancer Manag Res. 2019; 11: 379–388.

13. Registo Oncológico Nacional 2021. Disponível em: https://ron.min-saude.pt/media/2229/ron-2021.pdf, consultado em outubro de 2025.

14. Menachem T-B, et al. Risk factors for cholangiocarcinoma. Eur J Gastroenterol Hepatol. 2007 Aug;19(8):615-7.

15. Liu XF, et al. Cholangiocarcinoma: Present Status and Molecular Aspects of Diagnosis. Oncol Res. 2015 Sep 15;22(4):177–183.

16. Shin D-W, et al. Diagnosis of Cholangiocarcinoma. Diagnostics (Basel). 2023 Jan 8;13(2):233.

17. Oh DY, et al. Durvalumab plus Gemcitabine and Cisplatin in Advanced Biliary Tract Cancer. NEJM Evid. 2022;1(8):EVIDoa2200015.

18.  Parisi A, et al. Pemigatinib for patients with previously treated, locally advanced or metastatic cholangiocarcinoma harboring FGFR2 fusions or rearrangements: A joint analysis of the French PEMI-BIL and Italian PEMI-REAL cohort studies. Eur J Cancer. 2024 Mar:200:113587

Fonte: 
LPM
Nota: 
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