Entre hambúrgueres e ideologias: quando a linguagem se torna o novo campo de batalha

Vivemos um tempo curioso: o da alimentação transformada em ideologia. O que antes era apenas uma escolha pessoal — comer carne, peixe ou vegetais — tornou-se, para alguns, uma causa militante. Surgiu uma espécie de “guerra santa alimentar”, onde cada garfada parece ter uma bandeira associada. Os veganistas mais fervorosos acreditam estar a salvar o planeta, enquanto olham de lado quem continua a comer carne. Do outro lado, cresce o cansaço de quem vê esta cruzada como moralismo travestido de virtude ecológica.
Mas o corpo humano não obedece a modas. Somos, biologicamente, omnívoros. Precisamos tanto de nutrientes de origem vegetal como animal. A ciência é clara quanto a isso: existem vitaminas e minerais — como a B12, o ferro heme, o zinco ou os ácidos gordos ómega-3 — que se encontram quase exclusivamente em alimentos de origem animal. Ignorar este facto pode ter consequências sérias. Conheço casos reais de pessoas hospitalizadas por défice de vitamina B12, depois de meses de uma dieta exclusivamente vegetal. A ideologia não substitui a biologia.
E é precisamente por isso que a discussão sobre a linguagem soa tão absurda. O consumidor moderno não é ingénuo. Ninguém acredita que um “hambúrguer vegan” contenha carne. O termo “vegan” já é suficientemente claro e transparente. O que se propõe agora é uma burocratização do senso comum — transformar o menu de um restaurante num exercício de semântica. Devemos então dizer “porção de ervilha prensada em forma circular”? “Disco proteico vegetal”? A própria ideia é risível.
Mais do que uma questão de rótulos, o que está em causa é o direito de comunicar com clareza e naturalidade. A língua evolui com a sociedade; é viva, molda-se ao uso. Quando o poder político tenta congelá-la por decreto, perde-se o essencial: a liberdade de expressão e o respeito pela inteligência de quem consome.
No fundo, esta polémica é um sintoma de um tempo em que se confunde virtude com correção formal. Ser ecológico, saudável ou consciente não depende das palavras que usamos, mas das escolhas que fazemos — e, sobretudo, da moderação que aplicamos nelas. Nem só de carne vive o homem, mas também não é de rótulos que se faz uma alimentação equilibrada.