Entrevista

Uma em cada 100 crianças, em Portugal, tem ou pode vir a sofrer de Epilepsia

Atualizado: 
21/04/2022 - 11:09
Ter uma crise epilética não é o mesmo que ter Epilepsia. Tal como explica Sofia Quintas, neuropediatra, “uma crise epilética é um evento resultante de uma disfunção temporária da atividade elétrica cerebral”. A Epilepsia, é uma doença que se expressa através de crises epiléticas recorrentes. Para o ajudar a perceber em que consiste aquela que é uma das principais causas de doença crónica na idade pediátrica, o Atlas da Saúde conversou com a especialista que revela que a doença é muito mais que as crises que a caracteriza.
Ter uma crise epilética não é o mesmo que ter Epilepsia

Estima-se que em Portugal, uma em cada 100 crianças tenha ou venha a sofrer de epilepsia e, apesar de esta ser uma das principais causas de doença crónica na idade pediátrica, ainda é pouco compreendida. Deste modo, começo por lhe perguntar que entidade clínica é esta e quais as causas associadas?

A epilepsia é uma doença caracterizada por uma predisposição para ocorrerem crises epiléticas e pelas consequências neurobiológicas, cognitivas, psicológicas e sociais das mesmas. Uma crise epilética é um evento resultante de uma disfunção temporária da atividade elétrica cerebral. Epilepsia, por seu turno, é uma doença que se expressa através de crises epiléticas recorrentes.

As causas são variadas: anomalias estruturais do cérebro (malformações congénitas, resultantes de traumatismos, acidente vascular cerebral ou infeções); etiologia genética; doenças metabólicas; encefalites autoimunes ou desconhecida.

A epilepsia é toda igual? De um modo geral, quais as principais manifestações da doença? A que sinais devem os pais estar atentos?

A epilepsia não tem manifestações uniformes. A sua principal manifestação são as crises epiléticas, cuja clínica pode ser muito variada: com ou sem perda de consciência, movimentos involuntários de vários tipos, aumento do tónus ou queda (atonia), sintomas cognitivos (afasia, sensação de dejá vu, etc.), emocionais (medo, ansiedade, satisfação), sensoriais e outros.

As crises tónico-clónicas generalizadas não passam despercebidas, mas outro tipo de crises pode não ser valorizado, como, por exemplo, a paragem da atividade, mioclonias palpebrais, a existência de um período de agitação ou desorientação abruptos ou espasmos (que parecem “sustos”).

Devem chamar a atenção dos pais períodos de ausência de contacto (ficar parado, não reagir, nem responder), acompanhados de movimentos involuntários repetitivos das mãos ou olhos, comportamentos bizarros (andar sem propósito num espaço sem responder ao que é pedido), quedas bruscas da cabeça ou do corpo, movimentos bruscos dos membros, tipo espasmo ou mioclonia, entre outros.

Associadas às crises epiléticas podem existir outras manifestações, como o atraso do desenvolvimento psicomotor ou alterações de comportamento.

Quais as principais complicações? E qual a importância do diagnóstico precoce?

As principais complicações são os acidentes/traumatismos na sequência das crises, alterações cognitivas, da atenção, da memória e aprendizagem; perturbações de comportamento associadas, estado de mal epilético (crise/crises epiléticas com mais de 30 minutos de duração) e SUDEP (morte súbita associada à epilepsia).

O diagnóstico precoce permite a instituição de terapêutica adequada, com controlo das crises em cerca de 70% dos doentes, prevenindo assim não só as complicações imediatas, mas também minimizando o impacto cognitivo da epilepsia. Os restantes 30% dos doentes necessitarão de tratamentos alternativos para controlo da sua epilepsia (cirurgia, dieta cetogénica, etc.).

Falando em diagnóstico, como se diagnostica a epilepsia?

A epilepsia diagnostica-se com base na avaliação clínica dos episódios registados (crises) e no eletroencefalograma (EEG). Pode ser diagnosticada com base na clínica apenas. No entanto, um EEG alterado não é diagnóstico de epilepsia.

Em que consiste o seu tratamento? É possível falarmos em cura?

O tratamento consiste, em primeira linha, na utilização de fármacos antiepiléticos. 70% dos doentes ficam controlados após utilização de um ou dois antiepiléticos. Os restantes 30% poderão ser tratados com outras terapêuticas não farmacológicas: dieta cetogénica, cirurgia de epilepsia, neuromodulação (estimulação do nervo vago ou estimulação cerebral profunda) e canabidiol. Fala-se de cura quando o doente não tem crises há pelos menos 5 anos sem tratamento. Nomeadamente nas crianças, grande parte das epilepsias são autolimitadas e remitem com a idade. Portanto, sim, pode-se falar de cura.

Quais os principais desafios nesta área e que novidades surgiram nos últimos anos?

Os principais desafios prendem-se com o aprofundar do conhecimento sobre a etiologia (causas) das diferentes epilepsias, o prevenir das comorbilidades da epilepsia (cognitivas, comportamentais e psicossociais), o desenvolver novas terapêuticas com menos efeitos secundários e terapêuticas dirigidas especificamente á causa/mecanismo de cada epilepsia, logo, com um potencial curativo global maior. Surgiram nos últimos anos avanços muito significativos em qualquer uma destas áreas: nomeadamente na área da genética. O conhecimento das causas de epilepsia cresceu exponencialmente na última década. Já na área da terapêutica, têm surgido constantemente novos fármacos, novas técnicas cirúrgicas ou de neuroestimulação e iniciaram-se os primeiros estudos para terapia génica de algumas epilepsias graves da infância.

Do que depende o bom prognóstico desta perturbação?

Da etiologia, da precocidade e eficácia do tratamento instituído, das comorbilidades e de fatores psicossociais.

Em idade pediátrica, que síndromes estão associadas a prognósticos mais reservados e que são de mais difícil tratamento?

Na idade pediátrica, os síndromes com prognóstico mais reservado são as encefalopatias de desenvolvimento epiléticas – Síndrome de West, Síndrome de Dravet, Epilepsia Mioclónico-Astática, Síndrome de Lennox Gastaut, Encefalopatia epilética de início precoce, Síndrome de Landau-Kleffner (entre outros); as epilepsias associadas a patologia estrutural (por exemplo, no contexto de Esclerose Tuberosa ou malformações de desenvolvimento cortical); metabólica ou genética (mutações de genes como CDKL5, PCDH19, entre muitos outros).

Após o diagnóstico, que cuidados devem ter estas crianças?

Cuidados na prevenção de acidentes (vigilância do adulto ao tomar banho, utilizar sempre capacete ao andar de bicicleta, etc.) e ser disponibilizada terapêutica de resgaste/SOS (a utilizar em caso de crise epilética prolongada).

Para finalizar e no âmbito deste tema, que mensagem gostaria de deixar?

A epilepsia não são só as crises. Por um lado, é necessário dedicar atenção a todas as comorbilidades que podem acompanhar a epilepsia. Por outro, gostaria de deixar a mensagem positiva de que a epilepsia é tratável e os doentes com epilepsia podem e devem ter uma vida o mais “normal” possível, beneficiando de todas a oportunidades dos seus pares.

Autor: 
Sofia Esteves dos Santos
Nota: 
As informações e conselhos disponibilizados no Atlas da Saúde não substituem o parecer/opinião do seu Médico, Enfermeiro, Farmacêutico e/ou Nutricionista.
Foto: 
Pixabay