Fenilcetonúria, que doença é esta?

“Tenho PKU, mas isso não me impede de viver sem limites”

Atualizado: 
26/06/2020 - 16:44
Fenilcetonúria ou PKU (do inglês PhenylKetonUria) é uma doença metabólica, hereditária e rara em que os doentes são incapazes de processar fenilalanina, um constituinte das proteínas. Quando não tratada, pode ter graves consequências a nível cerebral como atraso de desenvolvimento psicomotor, défice intelectual de grau variável e outras manifestações neurológicas como problemas motores, epilepsia e perturbações do comportamento. Ivan Correia, desportista de alta competição, é um exemplo de superação da doença. “Tenho PKU, mas isso não me impede de viver sem limites, desde que tenha os cuidados necessários com a alimentação”, afirma.

A Fenilcetonúria é, de acordo com Esmeralda Martins, Coordenadora do Centro de Referência de Doenças Hereditárias do Metabolismo do Centro Hospitalar Universitário do Porto, a “aminoácidopatia mais frequente”, estando identificados 420 doentes em Portugal. Segundo a especialista, “destes, 370 foram diagnosticados precocemente”.

Causada pela deficiência da enzima fenilalanina hidroxilase, a PKU (com também é conhecida), “ocorre devido a uma mutação no gene que codifica atividade desta enzima. Quer isto dizer, que se trata de uma doença hereditária, de transmissão autossómica recessiva. “Isto significa que a doença é transmitida geneticamente e ocorre quando tanto o pai como a mãe, mesmo não tendo qualquer sintoma, são portadores de uma mutação no gene da enzima PAH. A probabilidade de um casal de portadores ter um filho com fenilcetonúria, é de 25% em todas as gestações do casal”, começa por explica a pediatra especialista em Doenças Metabólicas.

O bloqueio causado na degradação da fenilalanina (FEN), pelo défice da PAH leva a um aumento da fenilalanina que tal como explica a médica se pode tornar tóxico para o cérebro “influenciando negativamente a mielinização e inibindo a síntese de neurotransmissores, podendo provocar atraso mental e de desenvolvimento”.

Diagnosticada com a realização do teste do pezinho, o tratamento da doença, que consiste numa dieta restritiva, deve iniciar-se nos primeiros dias de vida. Caso contrário, “clínica poderá manifestar-se com atraso psicomotor, epilepsia, microcefalia, eczema (em 20 a 40% dos casos) e diminuição da pigmentação dos olhos, cabelo e pele”, explica Esmeralda Martins reforçando a importância do diagnóstico precoce. “Só um diagnóstico precoce e pré sintomático vai possibilitar um bom prognóstico porque as manifestações neurológicas da doença após instaladas são irreversíveis”, revela acrescentando que, em Portugal, o teste do pezinho está disponível desde 1979, em todas as maternidades, “hospitais e centros de saúde”, sendo completamento gratuito. No entanto não tendo um caracter obrigatório admite-se que em alguns “residuais” o diagnóstico possa falhar, sendo por isso tão importante “que durante a gestação e ao nascimento a informação da importância deste teste seja transmitida aos pais.”

O tratamento, que terá de ser feito para a vida, “permite à criança um desenvolvimento normal” e baseia-se numa dieta com restrição de fenilalanina. Entre os alimentos proibidos estão “o leite e derivados, carne, peixe, ovos e leguminosas entre outros”. Contudo, explica a pediatra “é possível alguma liberalização da dieta após a adolescência, não ultrapassando valores de FEN sanguínea considerados aceitáveis.”

Não obstante, nos últimos anos têm vindo a surgir alguns tratamentos alternativos ou complementares da dieta. “A sapropterina, primeira terapêutica não dietética da fenilcetonúria é a forma sintética da BH4 que é o cofator da enzima PAH. A terapêutica com este medicamento, poderá aumentar a tolerância dos doentes à fenilalanina e, em alguns casos, eliminar mesmo as restrições alimentares. Deve ser efetuada uma prova terapêutica, sendo considerada uma resposta favorável a descida da fenilalanina de 30% em relação aos valores prévios à toma”, descreve a especialista.  

Por outro lado, a terapêutica enzimática de substituição, com fenilalanina amónia liase, está já ser utilizada na idade adulta, “aguardando-se a sua introdução no mercado português”. 

Assim aquela que poderia ser uma doença devastadora, “com quadros de doença neurológica irreversível”, apresenta um prognóstico “totalmente alterado e favorável com uma terapêutica adequada”.

O único desafio prende-se apenas com a aceitação quer da doença, quer do tratamento “por parte dos pais, familiares e posteriormente do próprio doente”.

“Sendo a adolescência um período mais conturbado, com o receio da não aceitação pelos seus pares, e a gravidez um período que exige um cuidado acrescido por parte das mulheres com PKU, os profissionais de saúde que fazem o seu seguimento têm que ter uma atenção especial nestas fases”, reforça a Coordenadora do Centro de Referência de Doenças Hereditárias do Metabolismo do Centro Hospitalar Universitário do Porto.

Ter sempre uma mente muito positiva”, é o lema de Ivan Correia

Ivan Correia tornou-se um desportista de alta competição, e é um exemplo de superação da doença. “Pratico desporto desde os meus 11 anos, tendo começado pelo mundo do futebol, depois passei para o trail, depois atletismo com participação em algumas maratonas, até que em 2018 descobri o triatlo, um desporto que nos coloca à prova, física e psicologicamente. Tenho PKU, mas isso não me impede de viver sem limites, desde que tenha os cuidados necessários com a alimentação”, afirma

Diagnosticado com a doença com 26 dias de vida, revela que “foi um enorme choque para os meus pais na altura não havia muita informação sobre a doença como existe atualmente”. “Com a dedicação dos profissionais na altura e com os meus pais as coisas foram melhorando com o passar dos dias”, diz recordando que o apoio dos seus pais foi essencial para aceitar e compreender a doença.

A gestão da doença faz-se essencialmente pela manutenção de uma dieta restritiva. Coisa em que Ivan nunca falhou. “No início é difícil, mas como em tudo conseguimos”, afiança garantindo que a única dificuldade que tem é fazer refeições fora. “Muitos dos funcionários perguntam-nos se não queremos outra coisa para além do que pedimos, e às vezes é difícil explicar às pessoas que temos uma doença”, comenta. Fora isso garante que o processo é até bastante simples: evitar os alimentos proibidos e “ler a composição dos alimentos a ver se podemos consumir ou não”.

Chama a atenção, no entanto, para o facto de, por vezes acontecer consumir um produto permitido “e depois de um dia para outro não podermos fazer porque mudam alguns produtos na fabricação desse alimento ou bebida”.

Enquanto doente com PKU e também dirigente corporativo da APOFEN - uma associação sem fins lucrativos que dá apoio à Fenilcetonúria e também a outras doenças hereditárias do metabolismo das proteínas -, Ivan espera que haja uma maior sensibilização por parte das entidades competentes com o objetivo de proporcionarem uma melhor qualidade de vida aos doentes. Por outro lado, apela a outros doentes a ter sempre uma mente muito positiva. “Isto no início não é muito fácil, mas se tiver sempre um bom apoio como equipa médica e família, as coisas iram ser muito mais fáceis (…) por mais dificuldades que passem, as coisas irão fluir para o melhor e pensar que o nosso futuro está em jogo”, conclui.

Autor: 
Sofia Esteves dos Santos
Nota: 
As informações e conselhos disponibilizados no Atlas da Saúde não substituem o parecer/opinião do seu Médico, Enfermeiro, Farmacêutico e/ou Nutricionista.
Foto: 
Ivan Correia