Entrevista

Pandemia agravou tempos de espera para consultas e tratamentos à Escoliose

Atualizado: 
26/06/2020 - 11:43
Considerada a principal malformação da coluna vertebral em crianças e adolescentes, a Escoliose revela ter um grande impacto na autoestima de quem dela sofre, por isso o diagnóstico e tratamento precoce são fundamentais para evitar a influência negativa que esta tem na vida de uma criança. No entanto, se o acesso a consultas e a tratamentos, como a cirurgia, já sofriam de um atraso superior a um ano e meio, com a pandemia Covid-19 a situação agravou-se. Em entrevista ao Atlas da Saúde, João Lameiras Campagnolo, Ortopedista no Hospital Dona Estefânia e coordenador da Campanha “Josephine Explica a Escoliose”, revela que “existe uma redução de salas de blocos, anestesistas, e tempos operatórios insuficientes para dar resposta às necessidades existentes”.

Estima-se que entre 2 a 4% da população sofra de Escoliose e que a maioria dos casos são detetados durante a adolescência. Começo por lhe perguntar em que consiste o problema e porque o diagnóstico chega maioritariamente nestas faixas etárias?

A escoliose é a principal malformação da coluna em crianças e adolescentes e apresenta-se como uma deformidade visível em forma de ‘S´. O diagnóstico chega maioritariamente nesta fase pois acompanha o processo de crescimento de uma criança.

Quais as causas ou fatores de risco para a Escoliose?

Existem vários tipos de escoliose que dependem da parte da coluna vertebral afetada, grau da curvatura e origem. Cada um apresenta um comportamento diferente em função da evolução.

Estas podem ter como causa deformidades congénitas da coluna (as que estão presentes na altura do nascimento), problemas genéticos, problemas neuromusculares, desigualdade de comprimento dos membros, paralisia cerebral, espinha bífida, distrofia muscular, atrofia muscular espinhal e tumores.

No entanto, a realidade é que mais de 80% dos casos de escoliose não apresenta nenhuma causa conhecida.

O que distingue a escoliose idiopática da escoliose degenerativa? Qual a mais fácil de tratar?

A escoliose idiopática refere-se a um tipo de escoliose em que não é possível determinar o motivo do desvio da coluna e podem ser atribuídos a várias causas. E, apesar de existir muito por explicar sobre a origem da escoliose idiopática, sabe-se que há um determinante genético, isto é, verifica-se uma maior incidência da doença no público feminino – em cada 10 casos, oito são do género feminino. Este tipo de escoliose está ainda dividido de acordo com a idade em que surge: infantil, juvenil, adolescente e adulto.

Já com a escoliose degenerativa esta é provocada pela degeneração de discos da coluna vertebral e das suas articulações, assim como por deformidade das vértebras (muitas vezes com osteoporose associada), como resultado do avanço da idade. Esta surge tipicamente depois dos 50 anos, em adultos que não tinham escoliose prévia, ou então pouco significativa. No adulto, devido à osteoporose e outras patologias associadas, o tratamento pode-se tornar mais difícil do que na criança, com maior taxa de complicações e de insucesso parcial do tratamento.

Quais os principais sintomas da escoliose? É verdade que a dor não está entre as principais manifestações?

Quando falamos de sintomas da escoliose é preciso ter presente que estes variam mediante cada indivíduo e as características da própria escoliose. Contudo, existem alguns sintomas e sinais que podemos ter em atenção:

  • Tronco inclinado para um dos lados, com um desvio da coluna vertebral em forma de “S”;
  • Proeminência torácica posterior unilateral (chamada de “bossa” ou “corcunda” nas “costas”)
  • Assimetria das costelas;
  • Cintura irregular ou assimétrica;
  • Anomalias na aparência ou da textura da pele na região da coluna;
  • Omoplata proeminente, de froma assimétrica;
  • Assimetria dos flancos.

Quais os benefícios de um diagnóstico precoce?

O diagnóstico clínico da escoliose faz-se pela observação, em que o especialista observa se existe uma proeminência da caixa torácica posterior quando o doente dobra/flecte o tronco para diante.

Além disso, é importante refletir que as crianças que não recebem o devido tratamento sofrem um impacto, a longo prazo, na sua vida. E, apesar de formas mais leves de escoliose causarem apenas leve desconforto, nas formas mais graves podem causar dores crónicas ou afetar órgãos internos, e até diminuir a esperança média de vida.

Em que consiste o tratamento da escoliose? E de que forma a pandemia veio atrasar a resposta a estes doentes?

As opções de tratamento são variadas e podem incluir o uso de colete de correção, em casos menos graves, ou cirurgia à coluna, que atualmente revela ser um procedimento com elevada segurança e sucesso terapêutico.

Contudo, em circunstâncias normais, as listas de espera para consultas (LEC) e listas de inscrição para cirurgia (LIC) já apresentavam mais de um ano e meio de atraso, no serviço de pediatria do Serviço Nacional de Saúde.  Devido à pandemia da COVID-19, os tempos de espera agravaram-se, independentemente das formas de tratamento.

É assim necessário compreender que existe uma redução de salas de blocos, anestesistas, e tempos operatórios insuficientes para dar resposta às necessidades existentes.

Em matéria de prevenção, que cuidados a ter?

A escoliose não se consegue prevenir, no entanto a sua deteção precoce é a forma ideal de evitar que um problema que já existe continue a agravar.

Na infância, qual o real impacto de um problema como este? Não só a nível físico como psicológico?

Esta doença é mais comum a partir dos 10 anos, uma idade crítica do crescimento das crianças (perto do início da adolescência). O desvio acentuado da coluna vertebral ao manifestar-se no início da adolescência, reduz a autoestima num período sensível da vida dos jovens, em que a deformidade visível em forma de ‘S’ na coluna pode por vezes estar associada a uma verdadeira bossa no tórax (“corcunda”).

Que mensagem considera importante passar para os doentes mais novos?

É importante transmitir aos mais novos que não deve existir receio ou impacto na autoestima ao serem confrontados com um diagnóstico de escoliose. Além disso, é importante reforçar que os pais e educadores devem também estar atentos aos primeiros sinais para uma abordagem eficaz e rápida. Quando é necessário um tratamento da escoliose com colete ou com cirurgia, os resultados são de forma geral muito satisfatórios.

Mesmo a cirurgia já não deve ser receada como um período muito difícil, pois há segurança e qualidade no acompanhamento e no tratamento do paciente, durante e após a cirurgia.

 

Autor: 
Sofia Esteves dos Santos
Nota: 
As informações e conselhos disponibilizados no Atlas da Saúde não substituem o parecer/opinião do seu Médico, Enfermeiro, Farmacêutico e/ou Nutricionista.
Foto: 
Dr. João Campagnolo