Prof. Doutor Tiago Torres: “Felizmente a realidade do tratamento da Dermatite Atópica está a mudar”

Os novos avanços no tratamento da Dermatite Atópica

Atualizado: 
23/08/2021 - 12:09
Com um aumento significativo da sua incidência, sobretudo nos países desenvolvidos, a Dermatite Atópica é, tal como explica, ao Atlas da Saúde, o especialista em Dermatologia, Tiago Torres, “uma das doenças inflamatórias crónicas de pele mais comuns”. No entanto, ela é também uma patologia frequentemente subvalorizada e com especial gravidade nos adultos, apresentando, até aqui, limitações quanto seu ao tratamento. “Felizmente, esta realidade está a mudar e temos atualmente disponíveis terapêuticas orais e injetáveis, desenvolvidas especificamente para o tratamento da dermatite atópica que, além de muito eficazes, são também seguras e permitem um tratamento a longo prazo”, revela o Professor Auxiliar Convidado do Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar da Universidade do Porto.

Embora tenha um enorme impacto socioeconómico, afetando não só a qualidade de vida dos doentes, mas apresentando implicações até a nível laboral, o que explica que a Dermatite Atópica continue a ser subvalorizada?

A Dermatite Atópica é uma das doenças inflamatórias crónicas de pele mais comuns e apesar da forte evidência do seu impacto a nível físico, psicológico, familiar e socioeconómico, a verdade é que continua a ser desvalorizada. É conhecido que a dermatite atópica se associa a produtividade diminuída, a absentismo aumentado, a dificuldade de aprendizagem das crianças com um consequente impacto futuro, assim como a um elevado recurso aos sistemas de saúde (consultas, internamentos e terapêuticas).

No entanto, continua a existir uma escassa divulgação deste problema, o que aumenta o desconhecimento da população levando a que os doentes com dermatite atópica não tenham a visibilidade que necessitam e o seu impacto a nível físico, psicológico e necessidade de tratamentos constantes sejam mal compreendidos.

Adicionalmente, existe ainda a confusão de que “pele atópica” (expressão muito utilizada para designar “pele seca”, mas saudável) não é “dermatite atópica,” que é uma forma de eczema muitas vezes grave.

Para sensibilizar a população para uma doença que se estima que afete 4,4 milhões de europeus, peço-lhe que nos explique que patologia é esta? Quais as suas causas e quais a principais manifestações clínicas?

A dermatite atópica, ou eczema atópico, é uma das doenças inflamatórias crónicas de pele mais comuns, com uma prevalência estimada de 15-25% nas crianças e 7-10% nos adultos. A sua incidência tem aumentado nos últimos anos essencialmente nos países desenvolvidos. Clinicamente manifesta-se por lesões de eczema (manchas e placas de pele vermelhas, com descamação, e escoriações) localizadas habitualmente nas regiões flexoras dos braços, pernas, no pescoço e na face, associadas a prurido (comichão) muito intenso. A visibilidade das lesões e essencialmente o prurido, são causas de elevado impacto físico e psicológico, diminuído marcadamente a qualidade de vida dos doentes.

A fisiopatologia da dermatite atópica é complexa, envolvendo fatores genéticos, imunológicos e ambientais, não sendo possível classificar uma causa concreta. Os principais mecanismos responsáveis pelo desenvolvimento da doença são essencialmente dois: por um lado um defeito na barreira cutânea provocado por alterações de proteínas que constituem o “cimento” intercelular, permitindo uma penetração mais fácil de alergénios e uma perda de água pela pele mais acentuada; e por outro uma inflamação marcada da pele, causada por uma desregulação imunológica com o aumento de vários mediadores inflamatório chamados de citocinas infamatórias.

Por que motivo são as crianças as mais atingidas pela Dermatite Atópica?

A dermatite atópica, inicialmente, era considerada como uma patologia essencialmente pediátrica, com uma prevalência estimada de 15-25% nas crianças. Contudo, atualmente sabe-se que é também muito frequente nos adultos podendo atingir entre 7-10% desta faixa etária. Apesar de se poder manifestar em qualquer idade, o seu aparecimento ocorre em 45% até aos 6 meses e 80-90% até aos 5 anos. Com a idade tende a desaparecer, no entanto cerca de 25% pode manter-se na idade adulta, habitualmente com uma maior gravidade.

Esta, quando persiste ou surge pela primeira vez em idade adulta tende a ser mais grave, porquê?

A dermatite atópica do adulto é habitualmente mais grave e de mais difícil tratamento. As razões são ainda desconhecidas e terão a ver essencialmente com o perfil inflamatório da doença nesta faixa etária.

Que fatores podem condicionar o agravamento da doença?

A causa da dermatite atópica é multifatorial, ou seja, resulta da interação de vários fatores, quer do indivíduo quer do ambiente. Relativamente aos fatores individuais destacam-se as alterações genéticas, que podem associar-se a formas mais grave da doença. Dos fatores ambientais destacam-se o stress, a poluição, certas alergias e infeções, que podem agravar a dermatite atópica.

Quais as principais complicações associadas à Dermatite Atópica?

Além do elevado impacto físico e psicológico, a dermatite atópica pode-se associar a várias outras doenças, atópicas e não atópicas. A probabilidade da dermatite atópica se associar a outras patologias atópicas como asma, alergias alimentares e rinoconjuntivite alérgica é muito elevada. Por outro lado, o risco de infeções cutâneas, bacterianas e víricas é muito superior nestes doentes, podendo ser, em alguns casos, muito grave. Por fim, nos últimos anos, a dermatite atópica tem sido associada a muitas outras doenças, essencialmente neuropsiquiátricas (distúrbio do sono, ansiedade, depressão e dificuldade de aprendizagem) cardiovasculares (excesso de peso e eventos cardiovasculares) e auto-imunes (alopecia areata).

Como é feito o diagnóstico da Dermatite Atópica? Sabendo que o diagnóstico desta doença pode demorar cerca de 2 anos a chegar e que 10% dos doentes referem que o seu diagnóstico demorou mais de 6 anos até estar concluído, o que falha na identificação desta doença?

O diagnóstico é baseado exclusivamente em características clínicas, pelo que, na maioria das vezes, pela história clínica e observando as lesões é possível fazer o diagnóstico. Contudo, por vezes, é necessário recorrer a biopsia cutânea, quando as lesões não apresentam melhoria com o tratamento ou quando há dúvidas no diagnóstico. Em alguns casos, pode ser necessário alguns exames complementares no sentido de perceber se a dermatite atópica se associa a outras doenças atópicas como asma ou alergia alimentar.

O diagnóstico pode demorar por diversas razões, incluindo a própria dificuldade de diagnóstico ou o atraso do sistema de saúde.

Como se trata a Dermatite Atópica?

O tratamento da dermatite atópica passa essencialmente pela utilização de diversos fármacos, tópicos ou sistémicos, assim como no tratamento de algumas causas de exacerbação da doença.  Nas formas mais ligeiras, localizadas, a utilização de terapêutica tópica anti-inflamatória e emoliente (creme hidratante) é habitualmente suficiente. A principal dificuldade é o tratamento de formas mais graves, extensas e muito sintomáticas, em que as terapêuticas tópicas não são opção. Nestes casos, existe a necessidade de utilizar terapêuticas sistémicas. Até 2017 as opções terapêuticas eram muito limitadas. A maioria dos fármacos utilizados, eram imunossupressores que não estão aprovados para o tratamento da dermatite atópica e que, apesar eficazes numa parte dos doentes, o seu perfil de segurança, tolerabilidade, interações medicamentosas e toxicidade, dificultavam o tratamento e controlo da doença a longo prazo. Felizmente, esta realidade está a mudar e temos atualmente disponíveis terapêuticas orais e injetáveis, desenvolvidas especificamente para o tratamento da dermatite atópica que, além de muito eficazes, são também seguras e permitem um tratamento a longo prazo.

Nos casos em que o doente não responde aos tratamentos de primeira-linha, quais as opções? Que novidades terapêuticas existem?

Felizmente a realidade do tratamento da Dermatite Atópica está a mudar. Os avanços que se observaram no conhecimento dos mecanismos da doença nos últimos anos, permitiram identificar diversos alvos terapêuticos, conduzido ao desenvolvimento de novos fármacos dirigidos a estes alvos. Estas novas terapêuticas, algumas já aprovadas como o dupilumab, tralokinumab, barictinib e upadacitinib, outras em fase final de desenvolvimento, têm demonstrado excelentes resultados de eficácia e segurança nos ensaios clínicos, pelo que estão amidara por completo a abordagem terapêutica desta doença.

Assim, apesar da descoberta de uma cura estar ainda distante, o futuro do tratamento do eczema atópico parece ser promissor!

Autor: 
Sofia Esteves dos Santos
Nota: 
As informações e conselhos disponibilizados no Atlas da Saúde não substituem o parecer/opinião do seu Médico, Enfermeiro, Farmacêutico e/ou Nutricionista.