Entrevista

“O Lúpus não define as mulheres”

Atualizado: 
10/05/2022 - 17:00
Atinge maioritariamente mulheres jovens e em idade fértil, no entanto, o Lúpus não é uma doença exclusivamente feminina. Os homens também podem ser afetados pela patologia, esclarece Raquel Faria, Assistente Hospitalar graduada em Medicina Interna do Centro Hospitalar Universitário do Porto. E, apesar de poder ter um impacto considerável na saúde da mulher, há algumas ideias que precisam ser esclarecidas: a mulher com lúpus pode engravidar, pode amamentar e pode tomar a pílula. Mas estas opções, adverte, devem ser discutidas com o médico especialista.

Apesar de não existir uma causa conhecida para o lúpus, sabe-se que esta doença crónica atinge sobretudo mulheres jovens e em idade fértil. Deste modo, peço que explique em que consiste a doença e o que pode motivar o facto de ser mais frequente entre este grupo. 

É verdade que não existe uma causa que explique completamente porque é que o lúpus afeta umas pessoas e outras não. No entanto, existem vários estudos que mostraram a existência de alguma influência genética e alguma influência das diferentes infeções com que as pessoas se deparam, principalmente ao longo da infância e adolescência, sendo que existe realmente uma maior probabilidade de algumas causas estarem associadas à exposição a hormonas femininas (estrogénios). Mas é importante não esquecer que os homens também têm lúpus e que este não está relacionado com o facto de terem mais ou menos hormonas femininas.

Sabendo que existem vários tipos de lúpus, qual ou quais os mais frequentes, e quais os seus principais sintomas?

Há doentes que têm lúpus apenas na pele (lúpus discóide), sem haver nenhum órgão interno atingido. No entanto, quando falamos em “lúpus” no geral, estamos a referir-nos ao Lúpus Eritematoso Sistémico, a doença que pode afetar qualquer órgão e provoca alterações nas análises que nos ajudam a fazer o diagnóstico. Nenhum doente é igual a outro e cada um pode ter diferentes órgãos atingidos. Os sintomas principais são a fadiga (cansaço extremo), as dores nas articulações, as alterações na pele (vermelhidão ou alergia ao Sol) e, depois, as alterações nas análises. Os atingimentos do lúpus nos rins ou no cérebro são mais raros, mas podem trazer mais complicações.

A partir de que idade podem surgir os primeiros sinais da doença?

Apesar de ser mais frequente que estes comecem entre os 20 e os 35 anos, os primeiros sintomas podem aparecer desde a infância até depois dos 80 anos.

Como é feito o seu diagnóstico? Quais os principais desafios associados?

O diagnóstico é feito quando um médico experiente nesta área, ao avaliar os sintomas do doente e as suas análises, acha que não há mais nenhuma doença que explique a sua situação. Os principais desafios são o facto de haver outras doenças mais comuns que podem ter sintomas parecidos (cansaço, dores nas articulações e alterações na pele).

Quais as principais complicações associadas à patologia?

Como um dos sintomas mais frequentes é a fadiga (cansaço extremo), um dos principais problemas com que os doentes se deparam é a dificuldade em conseguir fazer as mesmas atividades que as pessoas da sua idade, com amigos ou família. As restantes complicações dependem do tipo de órgãos atingidos e se o doente faz, ou não, a medicação adequada para as controlar antes de deixarem sequelas.

Que fatores podem contribuir para o agravamento das crises?

Na grande maioria das crises não se consegue identificar com certeza o que é que as agravou. Sabe-se que as infeções virais ou bacterianas e o stress físico (traumatismos, alguns tipos de medicamentos, etc.) ou emocional também podem agravar crises.

Em que consiste o seu tratamento? Que cuidados ou medidas gerais e preventivas devem estes doentes ter de forma a evitar o agravamento da doença?

O tratamento de base do lúpus é a proteção solar (mesmo no Inverno e quando se anda à sombra) e a hidroxicloroquina, que apesar de saber muito mal devido ao facto de os comprimidos não serem revestidos em Portugal, é o tratamento que mais previne sequelas ao longo do tempo, tanto na pele e nas articulações, como no rim e no cérebro.

A proteção solar, aliada ao tratamento adequado e ao deixar de fumar podem ajudar a prevenir muitas crises da doença. Claro que muitas vezes isto não chega e são necessários outros medicamentos imunossupressores. A cortisona pode ser usada por um período de tempo para ajudar a controlar mais rapidamente as crises, mas não deve ser mantida em doses altas por muitos meses, porque é uma das principais causas para que os doentes com lúpus fiquem com sequelas. Felizmente, neste momento há muitos medicamentos disponíveis para se conseguir tratar o lúpus recorrendo a períodos curtos de cortisona.

Qual o impacto da doença na saúde da mulher em idade fértil? Sabe-se por exemplo que a contraceção é um problema importante porque a doença agrava-se com a toma da pílula…

Há, nos dias de hoje, uma grande confusão relativamente ao tipo de contraceção que os doentes com lúpus podem ou não podem fazer. Uma doente com lúpus que não tenha associados anticorpos ou o síndrome antifosfolípido, até prova em contrário, não está proibida de fazer uma pílula combinada com baixa dose de estrogénios, porque essas doses baixas provaram não estar associadas a um aumento de risco de crises.

No que diz respeito à gravidez, quais os riscos (não só para mãe como para o bebé)? E quais os cuidados a ter se quiser engravidar?

Em primeiro lugar, deve falar com o seu médico especialista, que a ajudará a entender se os pormenores da sua doença, do seu tratamento e dos anticorpos que tem positivos no sangue interferem de alguma forma na sua saúde e na do bebé durante uma gravidez. A doença deve estar controlada pelo menos 6 meses antes. Há em todo o país consultas de obstetrícia dedicadas a doentes com lúpus e deve ser feita uma consulta antes de engravidar para que seja possível conhecer esses riscos. Nos dias de hoje, é muito mais possível, face ao que se verificava antes, ter uma gravidez saudável quando se tem lúpus.

É possível amamentar?

É possível amamentar consoante o tipo de medicação que a recém-mamã precisa de fazer para a sua doença. É um dos assuntos que deve ser abordado na conversa com o médico de obstetrícia, que a ajudará durante as consultas antes da gravidez e durante a mesma.

No âmbito desta temática, quais as principais recomendações para as mulheres jovens e em idade fértil? 

Que sejam felizes! Com um seguimento médico adequado e mantendo as indicações e os cuidados a ter, consegue controlar-se muito melhor as crises e prevenir as sequelas do lúpus em 2022. Ser feliz ajuda a encarar melhor a vida e a doença (porque não é o facto de terem lúpus que as define como pessoas e mulheres).

 

 

Autor: 
Sofia Esteves dos Santos
Nota: 
As informações e conselhos disponibilizados no Atlas da Saúde não substituem o parecer/opinião do seu Médico, Enfermeiro, Farmacêutico e/ou Nutricionista.
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