A minha vida com Acondroplasia

“Não há nenhum livro de parentalidade que nos prepare para o caso de não termos um bebé com um desenvolvimento típico”

Atualizado: 
22/02/2021 - 18:13
Entre as mais de 7000 doenças raras, a Acondroplasia é uma das mais frequentes displasias ósseas. Tem origem numa mutação genética, e surge um caso em média a cada 25000 nascimentos. Sabe-se que 80% dos bebés que nascem com acondroplasia, os pais têm estatura média pois ocorre devido a uma mutação genética espontânea. Marta Mendes e Carolina Lemos, hoje, falam-nos sobre ser “diferente” para ajudar a derrubar preconceitos. “Porque a Vida é muito mais que um estereótipo ou que um rótulo!”.

A acondroplasia é a forma de condrodisplasia mais frequente e é causada por mutações no gene que codifica o recetor dos fatores de crescimento dos fibroblastos 3 (FGFR3, do inglês Fibroblast Growth Factor Receptor 3), um recetor transmembranar importante para o crescimento linear dos ossos.

As características físicas que caracterizam a acondroplasia são a baixa estatura (131 cm para o homens e 124 cm para mulheres, valores médios), o encurtamento dos braços e pernas, com desproporcionalidade entre estes e o tronco, a macrocefalia (cabeça grande) e com fronte proeminente, a ponte nasal deprimida, a face plana, genu varum (deformidade angular nos membros inferiores, sendo possível realinhamento por intervenção cirúrgica), cifose na primeira infância (curvatura para fora na coluna toracolombar)  e lordose acentuadas (curvatura para dentro na coluna lombar) e mãos com dedos em tridente.

É frequente ocorrer hipotonia muscular com atraso no desenvolvimento motor na primeira infância, e hiperextensibilidade na maioria das articulações ao longo da vida, com maior incidência nos joelhos. No entanto, ao nível dos cotovelos, ocorre rigidez em flexão, o que limita a já reduzida extensão de braços. A limitação física ao longo da vida é muito presente, contudo não existe qualquer alteração no desenvolvimento e capacidade cognitiva.

Por se tratar de uma condição que pode afetar vários sistemas, é essencial um acompanhamento multidisciplinar após o diagnóstico. “Consoante as necessidades de cada criança, e em distintas fases da vida, poderão ser envolvidos nesta equipa especialistas de genética, neurocirurgia, pneumologia, otorrinolaringologia, fisiatria, ortopedia, reumatologista e também técnicos de fisioterapia, terapia da fala e terapia ocupacional”, revela Inês Alves, presidente da ANDO Portugal - Associação Nacional de Displasias Ósseas.

“O diagnóstico da acondroplasia baseia-se na presença de características clínicas e radiológicas”, explica a presidente da associação acrescentando que a suspeita sobre o mesmo pode chegar no período pré-natal, durante a “ecografia de rotina do 3º trimestre”, podendo também ser confirmado em fases mais precoces da gravidez por biopsia das vilosidades coriónicas ou por amniocentese, com pesquisa da mutação no gene FGFR3”.

“Questionei-me como iria explicar à família e amigos mais chegados que o meu bebé tinha acondroplasia”

Marta Mendes estava grávida de 27 semanas quando “numa ecografia de rotina a obstetra disse que algo não estava bem com as medições dos ossos longos do bebé”. Duas semanas depois, recorda, repetiu a ecografia e como o percentil dos ossos longos se mantinha abaixo de 1%, foi aconselhada a realizar uma amniocentese para chegar a um diagnóstico “o quanto antes”. “Assim fiz, às 30 semanas de gravidez. O resultado do exame genético veio às 35+6 semanas, no bloco de partos”, conta.

Com um conhecimento muito limitado sobre o assunto, Marta recorda que foi muito duro saber da suspeita deste diagnóstico. “Foi muito duro, não vou mentir. Questionei-me muitas vezes “porquê o meu filho”, “onde errei?”, “o que fiz de mal?” e chorei, chorei muito durante a gravidez”, revela acrescentando que se mentalizou “para chorar tudo o que tinha de chorar antes do bebé nascer”. Depois do parto a realidade tinha de ser outra: “tinha de ir à luta, por ele e por nós enquanto família”.

Admite, no entanto, e como seria de esperar, que a convivência com uma doença rara lhe trouxe muitas dúvidas e receios. “Primeiro que tudo questionei-me como iria explicar à família e amigos mais chegados que o meu bebé tinha acondroplasia e como iriam reagir, sendo que não temos casos na família”, recorda. Seguiram-se as preocupações com a sua condição clínica, “que complicações poderia vir a desenvolver e a que profissionais recorrer”, e por fim se estaria à altura do desafio. “Questionei-me muitas vezes (…) se iria ser capaz de ensinar competências de vida ao meu filho para que saiba lidar com todos e quaisquer obstáculos que surjam na vida dele”, diz com a certeza de que todas as mães de crianças especiais também já se sentiram, pelo menos, uma vez assim.  


O bebé Xavier tem 17 meses. Não tem, na família, nenhum caso conhecido de acondroplasia

“Não há nenhum livro de parentalidade que nos prepare para o caso de não termos um bebé com um desenvolvimento típico”, diz quando questionada sobre as principais dificuldades vividas ao longo destes 17 meses, desde o nascimento do seu bebé.

Admite, no entanto, que, embora nos primeiros meses vida as diferenças não fossem suficientemente notórias, “quando surgiram alguns olhares curiosos e até confusos veio a pandemia e fechamo-nos na nossa bolha familiar”. “O único contacto social que tem é a creche, cuja integração correu lindamente! Respeitam a sua individualidade e o seu ritmo”, refere.

Já ao nível dos cuidados de saúde, Marta Mendes destaca a falta de conhecimento dos profissionais de saúde para as displasias ósseas. “Da experiência que tenho como mãe, já aconteceu mais do que uma vez ter de ser a porta-voz de informação sobre a condição do meu filho”, revela.

Atualmente, a criança é acompanhada por uma equipa multidisciplinar que inclui um geneticista, pneumologista, endocrinologista, otorrinolaringologista, neurocirurgião e um fisiatra.

Nesta caminhada, que por vezes admite ser frustrante, agradece o apoio que tem tido da ANDO Portugal. “No nosso caso, foi quem nos orientou sobre onde procurar ajuda médica e apoios sociais, onde nos foi fornecido numa primeira instância conhecimento sobre as displasias ósseas e sua evolução e onde pudemos encontrar outras famílias na mesma situação que nós, um local seguro onde podemos trocar experiências e nos sentimos compreendidos”, afirma sublinhando a importância de dar a conhecer esta e outras condições genéticas. “Há que falar mais sobre diferença para que se mudem comportamentos e a inclusão não seja apenas um chavão que fica bonito nos manuais”, justifica.

“Diferentes somos todos e cada um de nós à sua maneira”. E “apesar de o caminho parecer difícil e por vezes solitário, depois de aceitarmos a condição do nosso filho tudo fica mais fácil e é colocado em perspetiva. As alegrias que nos dão são imensamente superiores às contrapartidas que possam surgir”, reforça.  

“Acho que arranjei como defesa ser o mais extrovertida e comunicativa possível”

Carolina Lemos foi diagnosticada com acondroplasia 17 dias após o nascimento. E apesar de ter de lidar, desde cedo, com a diferença, admite que sempre foi uma criança feliz. “Eu lembro-me de ir a várias consultas, para perceber o que nos esperava em termos de crescimento e desenvolvimento e para perceber se eu queria fazer o alongamento ósseo. Penso que a minha mãe deve ter tido bastantes receios, como qualquer mãe, mas eu sempre fui uma criança feliz e dinâmica”, revela.

“Logo no infantário percebi que era diferente e comecei a ouvir as típicas frases: olha uma anã!”, conta explicando que a condição a levou a ter de aprender a lidar “com o julgamento e olhares das pessoas”. “Acho que arranjei como defesa ser o mais extrovertida e comunicativa possível. Isso fazia com que as pessoas se ligassem a mim e “esquecessem” a diferença. Hoje em dia não sinto qualquer condicionamento”, afirma sem a menor sombra de dúvida.

Garante que sempre foi saudável, não apresentando qualquer complicação associada à sua condição.


Carolina Lemos nunca se deixou definir pela diferença 

As únicas limitações que tem, garante, prendem-se com as barreiras físicas. “Há muitas coisas, hoje em dia, que continuam numa altura que não faz sentido: balcões, caixas multibanco, puxadores de portas. E, com o panorama do COVID, até os dispensadores de álcool-gel”, explica. No entanto, admite que, em determinado momento da sua vida, se viu a braços com o “auto-preconceito”. “O achar que me iam ver sempre como diferente, não tão capaz”, revela. “Mas isso é uma questão puramente mental que com muito trabalho pessoal e interajuda se vai conseguindo ultrapassar”, diz otimista.

E é, talvez por saber que é tão capaz, como qualquer pessoa, de realizar os seus sonhos que deixa a outros portadores de acondroplasia, seus familiares e à população em geral, um conselho: “Que sejam felizes! Porque a Vida é muito mais que um estereótipo ou que um rótulo!”

Referências:
https://www.andoportugal.org/displaisas_osseas/o-que-sao/acondroplasia.html

https://www.orpha.net/consor/cgi-bin/OC_Exp.php?Lng=PT&Expert=15~

Autor: 
Sofia Esteves dos Santos
Nota: 
As informações e conselhos disponibilizados no Atlas da Saúde não substituem o parecer/opinião do seu Médico, Enfermeiro, Farmacêutico e/ou Nutricionista.
Foto: 
Pixabay