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Doenças do Movimento em idade pediátrica

Atualizado: 
12/01/2021 - 10:41
Tiques, tremores, estereotipias ou distonia estão entre as principais doenças do movimento mais frequentes na infância. Complicações durante a gravidez ou parto podem estar na origem destas patologias.

De acordo com João Carvalho, neurologista e neuropediatra do serviço de Neuropediatria, Centro de Desenvolvimento da Criança Torrado da Silva, do Hospital Garcia de Orta, as Doenças do Movimento “são doenças neurológicas que se caracterizam por anomalias na qualidade, timing e/ou quantidade de movimento. Podem associar-se a menos movimento que o normal (doenças hipocinéticas, como a doença de Parkinson) ou a mais movimento que o normal (doenças hipercinéticas)”. Tiques, estereotipias, distonia, tremores, mioclonias ou coreia, quadros clínicos caracterizados por movimentos anormais excessivos e difíceis de controlar, estão entre as doenças do movimento mais frequentes entre as crianças. No entanto, o especialista adverte: “apesar de muito raro, o parkinsonismo pode também surgir em idade pediátrica”.

“As complicações da gravidez ou parto e as causas genéticas podem estar na génese do problema mesmo não havendo ninguém na família com um problema semelhante”, explica João Carvalho quanto às causas.

Quanto ao início dos sintomas, o especialista revela que, embora seja muito variável, dependendo “da causa e tipo de doença do movimento”, “as primeiras manifestações podem surgir no primeiro ano de vida”. No entanto ressalva que “podem também haver movimentos anómalos nos primeiros meses ou anos de vida que se devem a imaturidade cerebral e que normalizam com o desenvolvimento da criança”.

Tiques, estereotipias, distonia e tremor

Sendo estas as doenças do movimento mais frequentes em idade pediátrica, João Carvalho, chama a atenção para as principais características:

  • Tiques - são movimentos súbitos, rápidos e breves, semelhantes entre si (mas que se podem ir modificando com o tempo) e que, apesar de involuntários, podem muitas vezes ser suprimidos voluntariamente. Uma característica particular dos tiques é que são muitas vezes precedidos de uma sensação de tensão, que alivia com a concretização do movimento. Podem ser motores, frequentemente envolvendo os olhos, face ou pescoço, ou fónicos, consistindo em pigarrear, fungar, tossir ou outros sons, que inclusivamente podem ser palavras descontextualizadas. São muito frequentes em idade pediátrica, podendo haver tiques transitórios em 20% das crianças. Mesmo quando crónicos, é raro serem incapacitantes, mas é importante uma especial atenção a eventuais problemas psiquiátricos ou de desenvolvimento associados, como a perturbação de défice de atenção e hiperatividade.
  • Estereotipias - são movimentos involuntários, repetitivos, com um padrão constante e frequentemente rítmicos, que surgem muitas vezes em períodos de excitação, nervosismo, concentração ou fadiga. Envolvem frequentemente os membros superiores, o tronco ou o pescoço, podendo haver produção de sons associada. Apesar de frequentemente associadas ao autismo ou ao défice intelectual, não é raro vê-las transitoriamente em crianças com um desenvolvimento normal.
  • Distonia - caracteriza-se por contrações musculares involuntárias mantidas ou repetidas, que se manifestam por posturas ou movimentos anómalos. Vemos frequentemente os membros “torcidos” ou movimentos que se vão repetindo intermitentemente. É frequentemente desencadeada ou agravada por movimentos voluntários, havendo uma ativação exagerada dos músculos, incluindo alguns de que não necessitamos para o movimento que queremos fazer. As manifestações são variadas e dependem dos músculos envolvidos, sendo típicos o arrastar de um ou ambos os pés, a inclinação mantida do tronco ou do pescoço, a dificuldade em agarrar objetos, falar ou engolir ou o piscar exagerado dos olhos.
  • Tremor - é um movimento rítmico oscilatório de uma parte do corpo, que se deve à contração alternada de músculos com efeitos opostos. Observa-se mais frequentemente nas mãos, mas pode notar-se também na cabeça, tronco, voz, membros inferiores e até noutras partes do corpo. Em idade pediátrica surge mais frequentemente durante movimentos voluntários da parte do corpo afetada, mas pode também surgir em repouso.

“É de referir que estes quatro tipos de movimentos involuntários raramente surgem durante o sono, o que pode ser uma pista importante para o diagnóstico”, sublinha o neurologista.

O diagnóstico é clínico, sendo essencial, para além da observação, uma boa descrição dos movimentos. “Por vezes a criança não faz esses movimentos durante a consulta, pelo que vídeos gravados previamente pelos pais podem ser muito úteis para o diagnóstico”, adianta o neuropediatra.

Constrangimento social e incapacidade funcional entre as principais consequências

De acordo com o especialista, estas doenças podem apresentar um impacto negativo, nomeadamente, no que diz respeito à interação social. O constrangimento social, por exemplo, é a mais frequente consequência negativa dos tiques. “Ainda que em situações raras estes possam provocar lesões traumáticas. É, contudo, importante referir que os tiques e as estereotipias, na grande maioria dos casos, não causam qualquer incapacidade e não necessitam de tratamento”, esclarece João Carvalho.

“Já os outros grupos de doenças do movimento, como a distonia, a coreia, o tremor, as mioclonias e o parkinsonismo, são frequentemente responsáveis por incapacidade funcional significativa. Esta advém não só do constrangimento social que referiu, mas em muitos casos de maior gravidade associa-se a um compromisso significativo das capacidades motoras. Algumas destas crianças ou adolescentes necessitam do apoio de um cuidador para todas as atividades do dia-a-dia, podendo mesmo não conseguir caminhar, manipular objetos, falar ou engolir”, acrescenta o especialista alertando que, não raras as vezes, as doenças do movimento surgem associadas a outros problemas neurológicos, como “os défices cognitivos, problemas de comportamento e epilepsia”.

“Também não nos podemos esquecer das implicações que estas doenças, quando graves, têm nos pais e cuidadores, que muito frequentemente não têm o apoio social, psicológico e económico adequado”, adianta.

Além disso, sublinha que “as pessoas com certas doenças do movimento têm também um risco aumentado de problemas de outros tipos, como traumatismos (sobretudo associados a quedas), infeções respiratórias (particularmente quando há problemas de deglutição) e efeitos secundários de medicamentos, entre outros”.

Terapia comportamental e estimulação cerebral como opção de tratamento  

Embora o tratamento indicado dependa do tipo de doença do movimento em causa e, muitas vezes, sirva apenas para tratar os sintomas, João Carvalho refere que são poucas as opções terapêuticas disponíveis.

“A terapia comportamental (nomeadamente, o treino de reversão de hábitos) é particularmente eficaz nas crianças com tiques, sendo esta uma das primeiras opções a considerar quando os tiques são incomodativos para o próprio doente. Não só os tiques, mas os outros movimentos hipercinéticos e o parkinsonismo podem ser tratados com medicamentos, ainda que em casos mais graves estes sejam frequentemente ineficazes. Sobretudo em alguns tipos de distonia, mas também em casos específicos de tremor, parkinsonismo, tiques e mioclonias, a cirurgia de estimulação cerebral profunda pode trazer grandes benefícios, sendo uma opção que tem vindo a ser progressivamente mais utilizada”, explica.

Sendo a maioria destas doenças largamente desconhecida da população em geral, João Carvalho chama a atenção para duas questões particularmente importantes:

  1. “Apesar de os tiques serem parcialmente suprimíveis, são involuntários e essa capacidade de os evitar é apenas temporária e induz uma grande tensão emocional. É crucial que pais, professores, colegas e amigos compreendam isso, pois ao chamar a atenção para os tiques à criança ou adolescente só lhe estamos a causar ansiedade, correndo ainda o risco de os exacerbar”;
  2. “Mesmo em contexto médico, é muitas vezes atribuído o diagnóstico de paralisia cerebral às doenças do movimento mais graves e de início precoce, particularmente no caso da distonia. É um termo muito útil por várias razões, mas só deve ser aplicado se a doença do movimento (ou outro tipo de incapacidade motora significativa) se deve a uma doença cerebral não-progressiva ocorrida durante a gravidez, parto ou primeiros anos de vida. Não sendo esse o caso, devemos suspeitar de outro tipo de doenças, em particular de causa genética. O problema da utilização indevida do termo pelos médicos é que pode dar aos clínicos uma falsa sensação de diagnóstico fechado, levando a que não se investigue mais o problema e correndo assim o risco de não descobrir uma causa que permita um tratamento e aconselhamento genético diferentes”.
Autor: 
Sofia Esteves dos Santos
Nota: 
As informações e conselhos disponibilizados no Atlas da Saúde não substituem o parecer/opinião do seu Médico, Enfermeiro, Farmacêutico e/ou Nutricionista.
Foto: 
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