Opinião

Doença Inflamatória do Intestino e Trabalho

Atualizado: 
19/05/2020 - 17:17
As Doenças Inflamatórias do Intestino (DII) são doenças crónicas que afetam sobretudo os adultos jovens, entre os 20 e 40 anos de idade, e cuja incidência tem vindo a aumentar. E, embora a maioria destes doentes possa levar uma vida normal, (…) existem aspetos escondidos da vida destes doentes que em muito afetam a sua qualidade vida e que, infelizmente não são, muitas vezes, valorizados pelos médicos.

As duas principais DII são: a Doença de Crohn e a Colite Ulcerosa. A primeira, pode afetar qualquer segmento do tubo digestivo, enquanto que a colite ulcerosa, afeta somente o intestino grosso. Estima-se que existam cerca de 15000 doentes com DII em Portugal e, sobretudo para a doença de Crohn, a sua incidência tem vindo a aumentar, de forma marcada, nas últimas 2 décadas. Estas doenças podem ser muito incapacitantes pelas queixas associadas diarreias cronicas, perda de peso, e grande cansaço associado a atividade da doença.

Felizmente surgiram, durante as últimas 2 décadas, tratamentos inovadores que revolucionaram, por completo, a história natural da doença. São os tratamentos imunossupressores e biológicos, que tornaram possível que doentes jovens com doenças agressivas e crónicas, medicados com corticoides e submetidos a cirurgias frequentes com remoção do intestino, possam hoje ser medicados com estes novos fármacos que, na maioria das vezes, controlam a atividade da doença, reduzindo de forma marcada a necessidade de cirurgia.

Assim, a maioria destes doentes pode hoje levar uma vida quase normal. E dizemos quase normal pois, embora tenham as suas principais queixas controladas, como seja a diarreia e o emagrecimento, nas análises não apareça anemia e os exames endoscópicos realizados mostrem uma cicatrização da mucosa intestinal, existem aspetos escondidos da vida destes doentes que em muito afetam a sua qualidade vida e que, infelizmente não são, muitas vezes, valorizados pelos médicos.

Uma destas áreas escondidas pode ser o acesso ao mundo do trabalho e a sua performance, a sua progressão profissional, tão importante para esta população jovem em início de carreira.

Assim, diversos estudos demonstraram que estes doentes têm maior absentismo que a população em geral, bem como presentismo, termo que se refere a indivíduos que estão no seu local de trabalho, mas com menos produtividade. Tudo isto são custos indiretos para a economia, raramente valorizados, ao contrário dos custos diretos em relação sobretudo com os custos da medicação. Para além desta menor produtividade se refletir em custos indiretos, também vai ter, seguramente, impacto em dois aspetos fundamentais: um relacionado com os empregadores, que vão tender a estigmatizar estes doentes e a dar-lhes menos oportunidades e, o segundo, prende-se com a menor qualidade de vida do doente. Ambos os aspetos necessitam de ser reconhecidos e trabalhados pelos médicos assistentes dos doentes. Os clínicos tendem a focar-se sobre aspetos objetivos da doença, mas outros aspetos, tão ou mais relevantes, para a qualidade de vida do doente, são muitas vezes, pouco valorizados pelos médicos.

O cansaço é uma das queixas que mais se relaciona com o absentismo e presentismo, muito frequentemente referida pelos doentes e, infelizmente muitas vezes desvalorizada pelo clínico, pelo seu carater subjetivo.

Por outro lado, se a atividade e manifestações da doença são os fatores principais, relacionados com a menor produtividade no trabalho, também existem outros fatores cujo controlo é mais fácil e pode facilitar, em muito, a vida do empregado e do empregador. São aspetos relacionados com a frequência das consultas, as horas das mesmas, as horas dos tratamentos que, por vezes podem ser postos no início ou no final do dia não causando assim tanto prejuízo a nível laboral. A hipótese das teleconsultas e das receitas eletróncias tão utilizada agora, em termos de pandemia, já devia ter entrado há muito no seguimento destes doentes.

Vamos, pois, aproveitar este dia mundial da DII para pensarmos nestes aspetos, muitas vezes relegados para segundo plano, e que podem fazer toda a diferença na qualidade de vida destes doentes. Os médicos em particular e a sociedade civil em geral têm de estar atentos a estes aspetos.

Façamos as adaptações necessárias para estes doentes crónicos melhorem o seu desempenho laboral na sociedade. É importante para eles doentes e para a sociedade. A Sociedade Portuguesa de Gastrenterologia está e estará empenhada nisso!

Autor: 
Professora Marília Cravo - Vice-presidente da Sociedade Portuguesa de Gastrenterologia
Nota: 
As informações e conselhos disponibilizados no Atlas da Saúde não substituem o parecer/opinião do seu Médico, Enfermeiro, Farmacêutico e/ou Nutricionista.
Foto: 
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