Entrevista | Dr. Cristian Godoy Pereira

Abcessos e dor entre os principais problemas dentários associados ao XHL

Atualizado: 
20/03/2023 - 17:59
O défice de fósforo que caracteriza o XLH, ou Raquitismo Hipofosfatémico, pode levar a problemas ósseos e dentários, sendo os abcessos recorrentes uma das principais complicações associadas. Por isso, e para perceber de que forma esta doença hereditária rara afeta a saúde oral, o Atlas da Saúde esteve à conversa com Cristian Godoy Pereira, médico dentista na Clínica Santa Madalena, que revelou não só quais as complicações clínicas mais frequentes, assim como os principais cuidados a ter em matéria de prevenção.

Sabendo que o Raquitismo Hipofosfatémico ligado ao X ou XLH se trata de uma doença hereditária rara, que cursa com perda renal de fósforo, um mineral fundamental para a saúde dos ossos, dentes e músculos, importa abordar a importância da saúde oral no contexto desta patologia. Assim sendo, começo por lhe perguntar de que forma o XLH afeta a saúde oral dos doentes? Por que motivo o fósforo é tão importante para a saúde dos nossos dentes?

O raquitismo hipofosfatémico ligado ao X é uma condição genética rara que afeta o metabolismo do fósforo, um mineral importante para a formação e manutenção dos ossos e dentes.

O esmalte dentário, que é a camada mais externa e dura dos dentes, é composto principalmente por hidroxiapatita, uma substância mineral composta de fosfato de cálcio. O fósforo, portanto, é necessário para a formação e manutenção do esmalte dentário, bem como para a estrutura óssea subjacente. Além disso, o fósforo também é importante para a formação e metabolismo do ATP (adenosina trifosfato), a molécula que fornece energia para todas as células do corpo.

Quais os principais problemas que surgem na sequência desta doença?

O défice de fósforo pode levar a problemas ósseos e dentários, tais como:

  1. Alterações na formação dentária, como hipoplasia do esmalte e dentes com aparência mais opaca e pigmentada. A cárie dentária surge como doença oportunista numa situação em que o dente tem uma estrutura mais frágil. Disto poderão advir abcessos dentários e outras inflamações associadas.
  2. Alterações do desenvolvimento ósseo da face, levando a problemas de mordida e alinhamento dentário e doença periodontal.

O XLH pode, por exemplo, atrasar a erupção dos primeiros dentes, ou a transição para a dentição definitiva?

Sim. O desenvolvimento dentário, tanto na dentição decídua como na dentição definitiva, depende da quantidade de fósforo presente no organismo.

A erupção dentária em crianças com XLH poderá ser mais demorada e a transição para uma dentição adulta poderá ser mais tardia. Além disso, o atraso na erupção dentária associada à alteração de desenvolvimento ósseo pode ser um problema no posicionamento dentário.

Sendo a dor, uma das principais complicações da doença, quais os cuidados a ter? O que deve o doente fazer quando tem dor de dentes?

A dor pode ser causada por várias razões, tanto por alterações ósseas, artrite ou por abcessos dentários. Existem diversas formas de prevenir a dor, tais como manter consultas regulares no dentista, manter uma boa higiene oral e adotar uma alimentação adequada. No entanto, e como disse, a dor é uma das principais complicações associadas aos doentes com XLH. Quando existe dor, o paciente deve contactar de imediato o seu Médico Dentista para ser observado e eventualmente tratado/medicado. O tratamento de doentes com XLH pode ser diferente do tratamento convencional e deve ser adaptado às necessidades e particularidades da doença. Por isso, é fundamental que o doente seja acompanhado de forma regular e de forma preventiva, para evitar situações agudas.

Relativamente aos abcessos, o que são, quais as principais complicações associadas e como se tratam?

Os abcessos dentários são infeções bacterianas causadas pela necrose dentária, resultante de fraturas, cáries ou traumas. Podem causar dor intensa, edema na face, dificuldade a falar e mastigar, febre e mal-estar geral, e em casos mais graves poderá afetar estruturas adjacentes, como garganta, olhos e ouvidos.

O tratamento de um abcesso dentário requer a drenagem do abcesso e/ou a medicação com antibióticos. Em alguns casos será necessário realizar o tratamento endodôntico (desvitalizar), mas em casos mais extremos levará à extração do dente, ou mesmo tratamento em meio hospitalar. É muito importante recorrer de imediato ao Médico Dentista assim que os primeiros sinais de abcesso dentário aparecerem.

As cáries são mais frequentes neste grupo de pessoas? Porquê?

Sim. Os doentes com XLH poderão ter um maior risco de desenvolver cáries dentárias, uma vez que a hipoplasia de esmalte torna os dentes mais vulneráveis à cárie. Além disso, a má posição dentária pode dificultar uma higiene oral adequada.

Outra das complicações associadas é a dentinogénese imperfeita. Em que consiste? (como se caracteriza) E de que forma impacta a qualidade de vida do doente com XLH? Quais as complicações?

A Dentinogénese Imperfeita consiste numa alteração da formação da dentina (uma das camadas que constituem os dentes), resultando em dentes mais frágeis e com maior risco de fraturas e cáries. Em alguns casos pode levar à perda precoce dos dentes e à dificuldade na mastigação. Quando associada a outras complicações do XLH pode afetar significativamente a qualidade de vida do doente devido à dor, ao desconforto e à diminuição da autoestima.

Que opções terapêuticas existem para estes casos?

As opções terapêuticas dependem da gravidade das complicações e serão adaptadas às necessidades específicas do doente. Em casos mais simples e de forma preventiva, poderá ser a aplicação de flúor nas consultas de controlo, mas em situações mais agudas poderá passar por realizar restaurações dentárias, tratamento endodôntico (desvitalizações), extração de dentes ou colocação de próteses dentárias.

A partir de que idade, deve o paciente com XLH ir ao dentista? E com que frequência?

Os doentes com XLH devem ser acompanhados pelo Médico Dentista a partir dos 6 meses de idade ou quando erupciona o primeiro dente decíduo. A frequência das consultas de controlo dependerá das necessidades individuais de cada doente, no entanto é recomendado que as consultas sejam feitas de 6 em 6 meses para identificar precocemente quaisquer complicações e serem tratadas de forma adequada.

Que cuidados especiais devem ter os doentes?

Os cuidados a ter passam pela prevenção de eventuais complicações resultantes desta doença, e consistem em consultas de controlo regulares com aplicação de flúor pelo Médico Dentista, higiene oral adequada e cuidada, adotar uma dieta saudável e equilibrada, o uso de goteiras para proteger os dentes de eventuais fraturas e por fim, o uso de aparelhos ortodônticos para facilitar a higiene oral.

No âmbito deste tema, que conselhos deixaria a doentes e seus familiares?

Aos doentes com XLH e aos seus familiares aconselharia, em grande parte, a apostarem na prevenção, com consultas regulares no Médico Assistente e no Médico Dentista. Poderá ainda ser importante procurar uma rede de apoio para doentes nesta condição, fomentando uma aprendizagem e partilha de experiências.

Autor: 
Sofia Esteves dos Santos
Nota: 
As informações e conselhos disponibilizados no Atlas da Saúde não substituem o parecer/opinião do seu Médico, Enfermeiro, Farmacêutico e/ou Nutricionista.
Foto: 
Clínica Santa Madalena