Entrevista

1 em cada 5 sobreviventes de meningite meningocócica pode ficar com sequelas graves

Atualizado: 
17/12/2020 - 18:42
Deficiência auditiva, atraso no desenvolvimento ou défice motor estão entre as principais complicações da meningite meningocócica, uma infeção bacteriana de elevada mortalidade que pode afetar qualquer um, independentemente da sua idade. Em entrevista ao Atlas da Saúde, o pediatra Hugo Rodrigues, responsável pelo site “Pediatria para todos” e autor de “O Livro do seu Bebé” e “O Livro Mágico do Avô João”, explica tudo o que deve saber sobre o tema e alerta: a vacinação é único meio de prevenção desta doença.

A meningite na criança é um importante problema de saúde pública e, apesar dos avanços feitos nas últimas décadas, a mortalidade associada a esta doença tem-se mantido praticamente inalterada. Assim começo por lhe perguntar que entidade clínica é esta e porque pode ser assim tão grave?

A meningite é a inflamação das meninges, que são uma camada que reveste o nosso cérebro e medula espinal, geralmente causada por uma infeção. Como são estruturas vitais para o funcionamento do organismo, esta proximidade faz com que qualquer destruição que possam sofrer, no decorrer desse processo, pode causar danos irreversíveis, levando à morte ou ao surgimento de sequelas. É sempre importante ter presente que os neurónios (células do sistema nervoso) não têm capacidade de se dividir, pelo que a sua perda é, em grande parte das vezes, sinónimo de danos permanentes.

Que tipos de meningite existem? Destes, qual (ou quais) a mais grave? 

Existem diversos tipos, consoante o microrganismo que a provoca. Assim, podemos ter meningites víricas, bacterianas, fúngicas ou parasitárias. Na verdade, os dois primeiros são, sem dúvida os mais frequentes. De um modo geral, as meningites víricas são pouco graves e praticamente não deixam sequelas (salvo algumas exceções), não necessitando de nenhum tratamento em particular.

No entanto, em relação às meningites bacterianas o cenário é completamente diferente. São muito mais agressivas e necessitam sempre de cuidados hospitalares, com administração de antibióticos intravenosos. Têm uma mortalidade significativa é uma alta probabilidade de deixar sequelas nos sobreviventes.

Sendo que no início pode parecer uma gripe, a que sinais devemos estar atentos? Quais são os sintomas característicos da doença?

Os sintomas mais característicos são a febre, o mau estado geral, os vómitos e as dores de cabeça. Podem ainda surgir manchas na pele nas primeiras 24 horas de febre, o que constitui, só por si, um sinal de alarme. Como se pode perceber, estes sintomas são pouco específicos, pelo que o mais importante é avaliar bem o estado geral da criança, particularmente quando a febre baixa. Se a criança continuar prostrada, mesmo sem febre, é também um sinal de alarme. Por outro lado, a própria evolução do quadro é fundamental, porque o agravamento rápido nas primeiras horas pode também ser indicador de uma doença mais grave e implica sempre observação medica urgente.

Quem está em risco?

Virtualmente, não existe nenhuma pessoa que não esteja em risco. No entanto, sem dúvida que os bebés pequenos, particularmente nos primeiros meses de vida (e até aos 1-2 anos) são o grupo mais vulnerável. Também os adolescentes parecem ter um risco um pouco mais acrescido, pela proximidade física que têm uns com os outros, o que os coloca um pouco mais em risco de contactar com estes microrganismos.

Relativamente à meningite meningocócica, que agente a provoca e como é feita a sua transmissão?

A meningite meningocócica é provocada por uma bactéria que se chama meningococo. Existem diversos tipos, mas os que provocam doença são os do tipo A, B, C, W, X, Y. Em Portugal, e à semelhança dos outros países europeus, o tipo mais frequente é o B, seguido pelo Y e W. Este último tem aumentado em toda a Europa e reveste-se de particular gravidade, pelo facto de ser altamente agressivo e contagioso.

Em termos de contágio, é uma doença que se transmite por gotículas respiratórias, uma vez que o meningococo pode ser transportado no nariz de pessoas saudáveis, particularmente adolescentes e adultos jovens. A partir daí, pode ser transmitido através de gotículas respiratórias para pessoas que pertençam aos chamados grupos de risco, nomeadamente os bebés, crianças pequenas e idosos.

Existe um período de incubação? Quais os cuidados a ter nesta altura?

Sim, existe e pode ser entre 1 e 10 dias. No entanto, na maioria dos casos costuma ser de cerca de 3-4 dias, em média. Quando existe um contacto documentado com o meningococo (caso em Creche, por exemplo), todos os conviventes próximos (escola e domicílio) devem fazer um antibiótico de prevenção, a chamada quimioprofilaxia.

Qual o tratamento da meningite meningocócica?

O tratamento passa sempre pelo internamento com a administração intravenosa (“na veia”) de um antibiótico que seja eficaz contra esta bactéria e que consiga atravessar as meninges.

Qual a importância da vacinação em matéria de prevenção?

A vacinação é a única forma verdadeira de prevenir a meningite meningocócica e isso deve ser do conhecimento de todos. Claro que uma boa etiqueta respiratória, a higienização das mãos e superfícies e, inclusivamente, medidas mais atuais como o distanciamento social e o uso de máscara podem também ajudar, mas nenhuma destas medidas substitui a necessidade de vacinar contra este microrganismo, sempre que possível.

Quais as principais complicações desta doença? Que sequelas pode deixar para a vida?

A complicação mais grave de todas é a morte e é uma realidade em cerca de 5-10% dos casos. Para além disso, um em cada cinco sobreviventes pode ficar com sequelas, sendo as mais frequentes as seguintes:

  • Atraso de desenvolvimento
  • Surdez
  • Défices motores
  • Epilepsia
  • Amputações

Em jeito de chamada de atenção para o tema, que mensagem gostaria de deixar?

A minha mensagem final vai para a gravidade potencial desta doença, com uma elevada taxa de mortalidade e probabilidade de deixar sequelas. Apesar dos tratamentos serem cada vez mais eficazes, penso que é fundamental reforçar o papel fulcral da vacinação como único meio de prevenção desta doença.

Autor: 
Sofia Esteves dos Santos
Nota: 
As informações e conselhos disponibilizados no Atlas da Saúde não substituem o parecer/opinião do seu Médico, Enfermeiro, Farmacêutico e/ou Nutricionista.