12 de Maio

Porquê um Dia Internacional do Enfermeiro?

Atualizado: 
11/05/2015 - 12:35
Porque existem os dias comemorativos? Quantos são? Porque tem o Enfermeiro “direito” a um Dia Internacional? Quantas profissões possuem um? Neste artigo procuro clarificar estas interrogações e apresento exemplos de garantia de qualidade em saúde que os enfermeiros proporcionam.

Sem respostas claras resultantes do debate com os amigos e familiares, vi-me impelido a pesquisar na Internet. As listas destes dias são diversas. Dependendo desde logo da língua e termos de pesquisa e, obviamente, do website consultado, os resultados são consideravelmente divergentes. Fiquei com a perceção que nenhuma lista é completa. Também percebi que haveria alguma efeméride a comemorar praticamente todos os dias, seja a nível nacional ou internacional. Confirmei que o intuito dos dias comemorativos é, inequivocamente, relembrar marcos históricos conquistados pela humanidade, bem como salientar a importância de valores que não estão ainda adquiridos, em prol de uma vida em sociedade mais harmoniosa.

Numa das listas destes dias, disponibilizada pela plataforma “Atlas da Saúde”(1), fica patente que a grande maioria dos mesmos é dedicado a doenças (ex. Dia Mundial da Esclerose Múltipla – 27/mai.) ou à promoção de hábitos de vida saudáveis (ex. Dia Mundial sem Tabaco – 31/mai.). Ainda que possa haver algum enviesamento nesta lista, dado o carácter do website, não será de estranhar que a Saúde ocupe lugar de destaque. A saúde é um dos bens mais preciosos de uma sociedade, para muitos, talvez o maior. Assumem também relevância valores como a Liberdade (ex. Dia Mundial da Liberdade da Imprensa – 3/mai.), a Justiça (ex. Dia Mundial da Justiça Social – 20/fev.), a Amizade (ex. Dia Internacional do Amigo – 30/jun.), ou até mesmo o Amor (ex. Dia Internacional do Beijo – 13/abr.).

Creio ser aceitável resumir que estes dias se destinam a homenagear, consciencializar/sensibilizar para a importância do objeto em apreço.

Em termos de profissões de saúde, descobri, sem pretender ser exaustivo na pesquisa, outras profissões que também estão contempladas com um dia comemorativo, nomeadamente o Dia: Europeu da Terapia da Fala (6/Mar.), do Médico (difere entre países, por ex. 30/mar. ou 18/out.), Mundial do Médico Veterinário (26/abr.), Mundial do Médico de Família (19/mai.), Mundial da Ortótica (3/jun.), Mundial da Fisioterapia e Nacional do Fisioterapeuta (8/set. e 13/out), Nacional do Farmacêutico (26/set.), ou Mundial da Anestesiologia (16/out.). Sobre o Dia Internacional do Enfermeiro, sugiro a leitura do Enf. Nuno Terra (2), que enaltece Florence Nightingale, a enfermeira mais conhecida do mundo, tida como a percursora da era moderna da profissão. Florence foi uma mulher extremamente inteligente e visionária, que dedicou todo seu esforço em atenção aos mais frágeis, vítimas e doentes. Volvidos 105 anos da sua morte, hoje, os enfermeiros perpetuam o seu legado de forma científica e com elevado rigor técnico e humano.

Para a generalidade das pessoas a Enfermagem é ainda muito associada à enfermeira bondosa que dá a mão e proporciona uma palavra de conforto ou, então, meramente ao profissional que administra a medicação prescrita pelo médico. Há também muitas pessoas que a associam à realização de curativos/tratamento de feridas e, claro, a quem cuida da higiene de quem está acamado. Seria extenso enunciar aqui tudo o que os enfermeiros fazem. Julgo até que nem conseguiria. Darei contudo, alguns exemplos, de estudos randomizados, controlados e multicêntricos, publicados em prestigiadas revistas internacionais de saúde, que demonstram o quanto os cuidados de enfermagem são um garante de qualidade em saúde.

O primeiro exemplo é o de um estudo realizado na Irlanda, publicado em 2009, que comparou os resultados em termos de saúde cardiovascular de pessoas com diabetes melittus tipo II, consoante estas participassem num programa intensivo de ensino liderado por enfermeiros  (nurse-led clinic) ou apenas nos cuidados convencionais (94 pessoas em cada grupo). Os resultados evidenciaram que, ao fim de 1 ano, quem participou na consulta de enfermagem atingiu de forma estatisticamente significativa melhores resultados: tensão arterial sistólica (33% versus 12.1%) e diastólica (75.5% versus 40.2%), colesterol (84.8% versus 63.6%), LDL (73.4% versus 54.5%), e hemoglobina glicada (53.2% versus 32.9%). (3)

Outro estudo realizado na Holanda, e publicado em 2010, comparou a eficácia na gestão de risco cardiovascular, em cuidados de saúde primários, consoante as pessoas fossem avaliadas por enfermeiros (n=808) ou por médicos de família (n=818). Ao fim de um ano verificou-se que a melhoria dos fatores de risco (lípidos, tensão arterial e índice de massa corporal) foi mais significativa nas pessoas seguidas pelos enfermeiros, sobretudo em termos de colesterol. (4)

Mais recentemente, em 2014, na Dinamarca, um estudo comparou os resultados obtidos por pessoas com artrite reumatóide, em fase controlada, em três tipologias de consultas de seguimento: planeadas, com reumatologista (n=97), não planeadas, com reumatologista e enfermeiro (n=96), e planeadas, com enfermeiro (n=94). Ao fim de dois anos verificou-se que os doentes seguidos por enfermeiros tinham a doença mais controlada do que os seguidos pelo reumatologista. Além disso, o grupo seguido pelos enfermeiros apresentou melhores índices de autoeficácia, confiança e satisfação do que os seguidos pelo reumatologista. O grupo seguido em cuidado partilhado apresentou uma menor satisfação, transitória - ao fim do primeiro ano –, do que aqueles seguidos pelo reumatologista. (5)

Por fim, num estudo também com pessoas com artrite reumatóide, realizado no Reino Unido, comparou-se os resultados de pessoas seguidas por enfermeiros especialistas (n=91) e por reumatologistas (n=90). Não se verificaram diferenças significativas em termos de controlo da doença, mas verificou-se que os cuidados de enfermagem são mais custo-efetivos e que os doentes se encontram mais satisfeitos com os cuidados destes. (6)

Espero ter facultado ao leitor uma perspetiva diferente e com evidência do valor dos cuidados de enfermagem. Bem sei que não serão iguais em todos os países, mas os enfermeiros portugueses e a população portuguesa não se poderá queixar de falta de “obra prima de qualidade”. A organização e demonstração do valor é que fica, normalmente, muito a desejar. Mas todos juntos conseguiremos o desígnio fundamental: a melhoria da qualidade dos cuidados de enfermagem.

Votos de um excelente Dia Internacional do Enfermeiro.

 

Referências Bibliográficas:

(1) Consultado em http://www.atlasdasaude.pt/dias-internacionais.

(2) Lopes NT (2015). Um Enfermeiro Faz sempre a Diferença. Editorial. “Revista Enfermagem e o Cidadão”, 43:3. Disponível em http://www.ordemenfermeiros.pt/sites/centro/informacao/JornalCRC/JEC43/files/assets/basic-html/page3.html.

(3) MacMahon Tone J, Agha A, Sherlock M, Finucane F, Tormey W & Thompson CJ (2009) An intensive nurse-led, multi-interventional clinic is more successful in achieving vascular risk reduction targets than standard diabetes care. In Ir J Med Sci, pp. 179-186.

(4) Voogdt-Pruis, H. R., Beusmans, G. H., Gorgels, A. P., Kester, A. D., & Ree, J. W. (2010). Effectiveness of nurse-delivered cardiovascular risk management in primary care: a randomised trial. The British journal of general practice : the journal of the Royal College of General Practitioners, 60(570), 40-46.

(5) Primdahl, J., Sorensen, J., Horn, H. C., Petersen, R., & Horslev-Petersen, K. (2014). Shared care or nursing consultations as an alternative to rheumatologist follow-up for rheumatoid arthritis outpatients with low disease activity--patient outcomes from a 2-year, randomised controlled trial. Annals of the Rheumatic Diseases, 73(2), 357-364. doi: 10.1136/annrheumdis-2012-202695

(6) Ndosi, M., Lewis, M., Hale, C., Quinn, H., Ryan, S., Emery, P., . . . Hill, J. (2013). The outcome and cost-effectiveness of nurse-led care in people with rheumatoid arthritis: a multicentre randomised controlled trial. Annals of the Rheumatic Diseases. doi: 10.1136/annrheumdis-2013-203403

 

Enf.º Ricardo Ferreira - Enfermeiro no Serviço de Reumatologia do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra; Mestre em Sociopsicologia da Saúde; Doutorando em Ciências da Saúde.

Vogal do Conselho Diretivo da Secção Regional Centro da Ordem dos Enfermeiros; Membro do Comité Científico da European League Against Rheumatism – Health Professionals; Vice Presidente da Associação Portuguesa de Profissionais de Saúde em Reumatologia.

Autor: 
Ricardo Ferreira
Nota: 
As informações e conselhos disponibilizados no Atlas da Saúde não substituem o parecer/opinião do seu Médico, Enfermeiro e/ou Farmacêutico.
Foto: 
Enfermeiro José António Ferreira