Entrevista

“O doente com asma pode e deve praticar exercício físico”

Atualizado: 
13/08/2019 - 10:28
O Atlas da Saúde conversou com Rita Gerardo, secretária da Comissão de Trabalho de Alergologia Repiratória da Sociedade Portuguesa de Pneumologia (SPP), sobre tudo o que diz respeito a uma patologia que atinge cerca de um milhão de portugueses. A especialista falou ainda dos mitos que lhe são associados, sobretudo do que leva as pessoas a crer que os asmáticos não podem praticar exercício físico.

Atlas da Saúde – O que é a Asma e qual a sua incidência?

Dra. Rita Gerardo – A asma é uma doença comum caracterizada por inflamação crónica e obstrução transitória e potencialmente reversível das vias aéreas. A obstrução é variável e frequentemente reversível, quer espontaneamente quer após recurso a medicação. Manifesta-se geralmente por sinais e sintomas respiratórios típicos: sensação de falta de ar (dispneia), pieira (chamado pelos doentes como “gatinhos”), tosse, geralmente seca e sensação de aperto no peito (opressão torácica) que podem variar na frequência e em intensidade ao longo do tempo.

Os sintomas estão relacionados com a limitação variável do fluxo aéreo expiratório, isto é, com a capacidade de os pulmões libertarem o ar, devido a broncoconstrição (estreitamento das vias aéreas), espessamento da parede das vias aéreas e aumento da produção de muco.

Um dado importante é que as crises de asma (ou exacerbações) são episódicas apesar da inflamação permanecer (é crónica).

Estima-se que a asma atinja cerca de 300 milhões de indivíduos a nível mundial e é calculada em 1 milhão na população portuguesa de acordo com o Inquérito Nacional de Doenças Respiratórias.

A.S – Qual a causa da Asma?

Dra. Rita Gerardo – A causa da asma não é totalmente conhecida. Os dados disponíveis atualmente permitem saber que a asma resulta de mecanismos de hiperreatividade brônquica (isto é, exagero na resposta das vias aéreas – brônquicos) quando os doentes são expostos a certos estímulos.

A.S. – O que pode desencadear, ou agravar, uma crise?

Dra. Rita Gerardo - Os fatores desencadeantes mais comuns da asma e suas crises incluem as infeções respiratórias virais; exposição a alergénios ambientais tais como o pó das casas, pólenes, pelos de animais, penas, baratas, fungos; exposição a fatores ocupacionais como irritantes químicos; fumo de tabaco; poluição atmosférica e fumos; prática de exercício físico; emoções fortes; alguns medicamentos (como a aspirina ®).

A.S – Quais os sintomas e suas principais complicações?

Dra. Rita Gerardo - Os principais sintomas de asma incluem a sensação de falta de ar (dispneia), pieira (chamado pelos doentes como “gatinhos”), tosse, geralmente seca e sensação de aperto no peito (opressão torácica). Não é obrigatório que todos os sintomas estejam presentes ao mesmo tempo. Os sintomas podem variar ao longo do tempo e em intensidade. São mais frequentes no período noturno e no início da manhã. Também podem variar ao longo do ano sendo mais frequentes nas mudanças de estação.

Apesar de se tratar maioritariamente de uma doença inócua, as crises de asma podem ser muito graves e até fatais, pelo que é necessário o correto cumprimento do plano terapêutico e evicção de fatores desencadeantes, quando possível.

É importante não esquecer que os sintomas de asma podem ter intensidade diferente ao longo do tempo e no mesmo indivíduo para além de poderem variar de indivíduo para indivíduo.  

Os sintomas podem ser controlados e reversíveis com o tratamento adequado.

A.S – Quais as faixas etárias mais atingidas? Sabe-se as crianças são um dos grupos mais afetados pela doença, porquê?

Dra. Rita Gerardo - A asma pode surgir em qualquer idade, no entanto, cerca de metade dos doentes com asma iniciaram os sintomas na infância. A asma é a doença crónica mais frequente na infância e é a principal causa de morbilidade nesta faixa etária, avaliada pelo absentismo escolar, idas ao serviço de urgência e internamentos.

A maioria das crianças com mais de 3 anos de idade com asma apresentam atopia, isto é, predisposição para alergias, no entanto e até ao momento atual, ainda não foram identificados os fatores de risco para o desenvolvimento de asma.


A Asma é doença crónica mais prevalente na idade pediátrica

A.S. –  Por falar em alergias, o que as distingue da asma? Existe alguma relação entre asma e alergia?

Dra. Rita Gerardo - Asma e Alergia são duas entidades clínicas distintas. Verifica-se que muitos indivíduos com historial alérgico não têm asma e muitos doentes com asma não apresentam qualquer doença do foro alérgico. Verifica-se, no entanto, que há um grupo de doentes com asma que também apresenta perfil alérgico como rinite alérgica ou eczema ou até com história familiar de alergia. Geralmente estes doentes apresentam o início dos sintomas respiratórios na infância.

A presença de atopia (predisposição para alergias) aumenta a probabilidade de os sintomas respiratórios serem devido a asma, mas esta situação não é específica da asma nem está presente em todos os doentes com asma. O diagnóstico de atopia pode ser feito através de testes de sensibilidade cutânea os quais avaliam os alergénios que mais frequentemente condicionam alergias. A presença de atopia num doente com asma poderá implicar a administração de um tratamento adicional: a imunoterapia específica. Este tratamento consiste em dessensibilizar o doente em relação ao alergénio que prova alergia (também é conhecido como “vacina de alergias”).

O controlo das alergias e patologias alérgicas contribui para o melhor controlo da asma.

A.S. – Como controlar a doença? Qual o seu tratamento?

Dra. Rita Gerardo - Atualmente consideram-se 3 níveis de controlo da asma: controlada, parcialmente controlada e não controlada e a agudização (crise).  Os objetivos do tratamento são manter a asma controlada e evitar o aparecimento de agudizações.

Existem, na asma, 2 tipos de tratamento: alívio e manutenção. O tratamento de alívio serve para controlar os sintomas no momento em que surgem, aliviando, assim, as queixas. Inclui medicação broncodilatadora de curta duração de ação e ainda os corticosteroides administrados de forma oral ou intravenosa.

O tratamento de manutenção tem como objetivo controlar os sintomas através da sua toma diária e regular mantendo, assim, os níveis de inflamação (a base da doença) no seu mínimo, diminuir o grau de obstrução das vias aéreas e reduzir ao mínimo o risco de ocorrência de agudizações. Inclui medicação de longa duração de ação da qual fazem parte os corticosteróides na forma inalada. Os corticosteróides constituem a base da terapêutica de controlo da asma devido à sua ação anti-inflamatória, sendo a terapêutica mais eficaz. Fazem ainda parte da principal terapêutica de controlo, os broncodilatadores de longa duração de ação.

Relativamente ao tratamento da agudização, dependendo da gravidade da mesma, este poderá ser feito pelo próprio ou poderá implicar recorrer a serviços de saúde, nomeadamente ao serviço de urgência hospitalar. O plano de ação na agudização deverá ser discutido com o médico assistente na consulta.

A.S. – Quais os principais mitos relacionados com a asma?

Dra. Rita Gerardo - Infelizmente existem vários mitos relacionados com a asma, não só a nível nacional como internacional e que têm influenciado de sobremaneira o tratamento desta doença.

Entre os mais frequentes, destaco os seguintes:

- A asma tem cura: FALSO. A asma é uma doença inflamatória crónica. Apesar de não ter cura, tem tratamento o que permite o controlo da doença por períodos de tempo que poderão ser muito longos. O facto de um doente com asma poder passar longos períodos (dias a meses) sem qualquer sintoma poderá induzir alguns doentes em erro. A inflamação permanece mesmo que as queixas não surjam.

- Só é necessário tratar as crises de asma: FALSO. Tal como explicado previamente a asma é uma doença inflamatória crónica. Quer isto dizer que a inflamação persiste sempre podendo os seus níveis ser controlados. O tratamento apenas no momento da crise (agudização) da asma permite apenas reverter os sintomas no momento, mas não tem influência a médio ou longo prazo no nível de inflamação das vias aéreas o que implica muito maior probabilidade de desencadear outra crise em pouco tempo e/ou com maior gravidade e mais difícil de tratar.

- Os corticosteroides inalados engordam: FALSO. A dose de corticoterapia administrada em cada inalação é muito pequena sendo a sua absorção para a corrente sanguínea muito reduzida. Assim a probabilidade de se observarem os efeitos adversos desta medicação quando administrada por via oral ou intravenosa (em doses muito mais altas) é muito baixa ou praticamente inexistente. Existem raras exceções as quais estão relacionadas com a presença de outras doenças que podem influenciar a absorção dos corticosteróides ou com a interação com alguns fármacos. Em qualquer dos casos esta situação deverá ser discutida com o médico assistente.

- A medicação de alívio faz mal ao coração: FALSO. A medicação administrada para alívio dos sintomas de asma, desde que tomada nas doses recomendadas pelo médico, é segura mesmo para o coração. Alguns dos medicamentos que promovem dilatação das vias aéreas podem provocar, como efeito adverso, taquicardia (isto é, aumento da frequência cardíaca). Este efeito é conhecido e maioritariamente inócuo. De qualquer forma e, na presença de patologia cardíaca concomitante, a comunicação com o médico assistente é essencial para tirar dúvidas ou incertezas. Em casos raros, esta medicação não é administrada ou é desaconselhada.

- Fazer exercício físico está contra-indicado: FALSO. O doente com asma pode e deve praticar exercício físico. Muitos atletas olímpicos sofrem de asma e foram/ são campeões.

A.S. – Pegando neste último mito que dá, aliás, mote à iniciativa “Corra com a Asma” organizada pela Sociedade Portuguesa de Pneumologia, qual a relação entre a doença e a prática de atividade física?

Dra. Rita Gerardo - O doente com asma pode e deve praticar exercício físico. A presença de asma não é uma contra-indicação para a prática de desporto. O que se verifica em vários doentes com asma, é que o exercício físico constitui um dos fatores desencadeantes de sintomas respiratórios. Geralmente as queixas surgem no final da prática do exercício e estão relacionados com o tipo e frequência do desporto realizado.

A presença de sintomas respiratórios durante a prática de exercício físico pode dever-se não só ao exercício enquanto fator desencadeante, mas também pode estar relacionado com a obesidade, falta de treino físico ou a presença de outras doenças que podem influenciar este mecanismo.

A.S. – Quais as atividades mais indicadas? Há desportos “proibidos”?

Dra. Rita Gerardo – Os treinos ao ar livre, prolongados e de longa distância assim como a exposição a ambiente frio e seco (como no atletismo, ciclismo e em desportos de inverno) torna mais provável o surgimento dos sintomas. A exposição a fatores irritantes como pólenes, pó, poluição ou cloro (presente nas piscinas) também pode desencadear crises. Existem atletas e campeões olímpicos com asma em quase todas as modalidades desportivas, sendo que os que praticam atletismo, ciclismo, natação e desportos de inverno (esqui de fundo, por exemplo) constituem o maior número. Não existem desportos proibidos, apenas alguns para os quais são necessárias mais medidas preventivas.

A.S – Que comportamento se deve adotar quando a asma é induzida pelo desporto, provocando uma crise?

Dra. Rita Gerardo – O seguimento médico adequado e rotineiro é essencial na adaptação ao desporto do doente com asma. Para além das medidas farmacológicas, que incluem o cumprimento da terapêutica de manutenção e outras adicionais, também medidas não farmacológicas são muito importantes na prevenção da agudização ou surgimento de sintomas respiratórios. A realização de exercícios de aquecimento prévios, os alongamentos no final, respiração nasal e a evicção dos fatores irritantes para além da manutenção da prática de exercício físico regular são essenciais na prevenção dos sintomas de asma. Outras medidas farmacológicas incluem a administração de medicação broncodilatadora de curta duração de ação (permite a dilatação das vias aéreas) prévia ao início do exercício e a administração de fármacos com efeitos comprovados em quem tem asma exacerbada pelo exercício.


O exercício físico pode ser um fator desencadeante de sintomas respiratórios, em alguns doentes

A.S. – Quais as principais recomendações?

Dra. Rita Gerardo – A prática de exercício físico é recomendada no doente com asma apesar de poder constituir um fator desencadeante de sintomas respiratórios. As medidas não farmacológicas são essenciais para prevenir as agudizações fazendo, muitas vezes, a diferença entre a presença ou não de sintomas: pré-aquecimento, alongamentos no final, respiração nasal e evicção dos fatores irritantes. Relativamente à terapêutica medicamentosa, esta depende das características dos sintomas. Se estes apenas surgem após o exercício físico não surgindo em qualquer outra situação da vida do doente, a pré-medicação é muitas vezes suficiente. Se o doente apresenta queixas asmatiformes noutras situações e alturas do seu dia a dia é necessária a terapêutica de manutenção, semelhante à dos restantes doentes com asma. Em todos os casos é necessário o seguimento adequado em consulta da especialidade.

Autor: 
Sofia Esteves dos Santos
Nota: 
As informações e conselhos disponibilizados no Atlas da Saúde não substituem o parecer/opinião do seu Médico, Enfermeiro, Farmacêutico e/ou Nutricionista.
Foto: 
Dra. Rita Gerardo e ShutterStock