Infeções virais

A invisibilidade da infeção por VIH na 3ª idade

Atualizado: 
27/10/2020 - 10:05
Estima-se que uma em cada oito pessoas infetadas pelo VIH, em Portugal, tem mais de 50 anos. Uma percentagem que tende a aumentar tendo o género feminino uma maior frequência e prevalência na comparação com o masculino.

A síndrome da imunodeficiência adquirida (SIDA), causada pelo vírus da imunodeficiência humana (VIH), é caracterizada por imunossupressão profunda que leva a infeções oportunistas, neoplasias secundárias e manifestações neurológicas. A transmissão ocorre em condições que facilitam a penetração de sangue ou líquidos corporais contendo o vírus ou células infetadas pelo mesmo no organismo. As três principais vias de contaminação são contato sexual, inoculação sanguínea e passagem de vírus de mães infetadas para seus recém-nascidos. Desde 1983, o VIH já infetou mais de 33 mil pessoas em Portugal.

A descoberta desta pandemia remonta ao início da década de 1980 e causou grande impacto social, por ser construída como uma doença contraída “somente” por homossexuais ou toxicodependentes, causando preconceitos e isolamento estigmatizante. No entanto, as diversas modificações no seu perfil ao longo dos tempos, nomeadamente os fenômenos de heterossexualização, feminização e de juventudilização vieram contradizer esta limitada ideia.

Estas características mostram que não existem indivíduos particularmente vulneráveis ao vírus HIV, já que todas as fases do ciclo de vida estão expostas à contaminação, sendo que atualmente em todo o mundo, Portugal incluído, o progressivo aumento do número de casos de SIDA na população idosa tem números muito preocupantes.

O envelhecimento é definido como um processo de progressivas modificações biológicas, psicológicas e sociais ao longo da vida do ser humano e, segundo a Organização Mundial de Saúde, é considerado idoso o indivíduo com idade maior ou igual a 60 anos para os países em desenvolvimento e 65 anos para os desenvolvidos.

Vários estudos registam que o número de casos de contaminação em indivíduos com mais de 50 anos está a crescer percentualmente (nos EUA, a proporção passou de 20% para 25% entre 2003 e 2006; no Brasil duplicou na última década, passando de 3,6% para 7,1% e na Europa rondava os 8% em 2005), sendo que em Portugal representam atualmente 5% do total de casos registados desta IST.

Recentemente, um estudo dos Hospitais da Universidade de Coimbra revelava que uma em cada oito pessoas infetadas pelo VIH em Portugal tem mais de 50 anos, uma percentagem que tende a aumentar tendo o género feminino uma maior frequência e prevalência na comparação com o masculino.

A doença neste grupo específico está diretamente associada ao envelhecimento da população mundial, à melhoria do acesso e dos cuidados de saúde com o consequente aumento da sobrevida das pessoas, mas é principalmente com o surgimento de uma maior abertura para a vivência da sexualidade, que tem tornado os idosos mais vulneráveis às infeções sexualmente transmissíveis.

No entanto e apesar das mudanças sexuais em curso, a sexualidade continua a estar longe de ser vista como saudável e natural em idosos. O preconceito (“…a SIDA só acontece aos mais novos!”…), a falta de informação (…"Eu até estou na menopausa, isso [o preservativo] não é para mim, é para os jovens"…) continuam a reforçar a ideia da velhice assexuada que conjuntamente com as relações sexuais desprotegidas (…"agora já não engravido, não preciso do preservativo"…), assim como o acesso facilitado a fármacos para distúrbios eréteis são os fatores que tem prolongado a atividade sexual na terceira idade, aumentando concomitantemente a vulnerabilidade do idoso para as ISTs, entre elas o HIV/SIDA.

No aspeto social, o idoso convive com o estigma associado ao ter uma doença como a SIDA e neste sentido tem medo que os familiares e a comunidade saibam desta questão, escondendo a maior parte das vezes a mesma, sendo que as questões relacionadas com a qualidade de vida e a diminuição dos recursos financeiros, também o obrigam a muitas vezes não procurarem ajuda especializada.

Atualmente, a medicina está francamente melhor do ponto vista terapêutico, no que concerne ao combate ao HIV, permitindo uma sobrevivência dos doentes que era impensável há uns anos, no entanto a sobrevida de pacientes com SIDA é inversamente proporcional à idade, sendo que o diagnóstico mais tardio é um dos fatores envolvidos, assim como as normais alterações fisiológicas, próprias desta faixa etária associadas a doenças crónicas (doença cardiovascular, doença pulmonar e diabetes mellitus…).

Isto ocorre porque certos sintomas da infeção, tais como cansaço, perda de peso e distúrbios na memória, não são específicos deste problema, podendo acontecer em outras doenças que são comuns nestas idades. Na maioria dos casos, a doença é descoberta quando o utente é internado para tratar alguma infeção oportunista ainda não diagnosticada ou em exames pré-operatórios.

Está provado que algumas das manifestações da SIDA nesta faixa etária, passam por demências de inicio precoce, complicações neurológicas e o aparecimento de neoplasias associadas (sarcoma de Kaposi e linfomas não-Hodgkin) o que torna um desafio o controle efetivo desta problemática na idade geriátrica, recomendando mesmo alguns autores que estes utentes sejam acompanhados de modo diferenciado.

Outra razão, não menos importante, passa precisamente pelo preconceito dos técnicos de saúde que continuam a considerar que na velhice a possibilidade de infeção por HIV é de risco mínimo, levando os profissionais a não solicitarem o teste especifico nos exames de rotina, quando pelo contrário, a ameaça é mais real e diretiva, nomeadamente nas mulheres, depois da menopausa com o aumento potencial da perda de lubrificação e em consequência com um maior espessamento das paredes vaginais, poderá mais facilmente favorecer o aparecimento de pequenas ulceras ou feridas na mucosa que abrem o caminho para a penetração do referido vírus.

Neste sentido, e se tivermos em linha de conta que as politicas de prevenção da SIDA na população geriátrica e quase inexistente no nosso país, ao contrário de outros (como o Brasil e os EUA), numa sociedade que cada vez dá mais valor á cultura do corpo, da jovialidade e do envelhecimento ativo, teremos sempre por optar por campanhas de larga escala, alertando para a vulnerabilidade destes menos jovens para com as IST´s, enfocando os aspetos socioculturais (como o uso de preservativo, relações unidirecionais e monogamia) de forma a reduzir os riscos exponenciais existentes.

Campanhas de informação, de sensibilização quer á população, quer aos próprios técnicos de saúde, que visem a promoção e proteção da saúde, prevenção de complicações, o bem-estar, a reabilitação funcional e a manutenção de uma vida sexualmente ativa, protegida e livre de perigos, sendo que especificamente no caso da relação entre o HIV e a população idosa, esta estratégia teria um papel fundamental, não apenas na divulgação de métodos de prevenção à doença, mas também no próprio diagnóstico precoce do vírus.

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Autor: 
Hélder Lourenço - Enfermeiro Especialista em Psiquiatria e Saúde Mental e Sexólogo Clínico
Nota: 
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