Uso do preservativo em adolescentes

A importância de novas campanhas na prevenção das doenças sexualmente transmissíveis

Atualizado: 
19/10/2015 - 15:33
As infecções sexualmente transmissíveis são um problema crescente de saúde pública, com maior incidência em adultos jovens e adolescentes.

A prevalência destas infecções mantém-se elevada nos países em vias de desenvolvimento, mas tem também aumentado nos países europeus, estimando-se em pelo menos 340 milhões de novos casos/ano a incidência de apenas quatro dessas infecções: a sífilis, a gonorreia, a clamidiose e a tricomonose. Na pandemia causada pelo vírus da imunodeficiência humana, estas infecções são co-factores na aquisição da doença, aumentando também em duas a cinco vezes o risco de transmissão deste vírus.

A Organização Mundial de Saúde inclui as relações sexuais não protegidas entre os cinco factores de risco mais relevantes para a redução da esperança de vida das populações, com sequelas como infertilidade ou doença inflamatória pélvica. O sexo feminino é, desproporcionalmente, atingido pelas infecções sexualmente transmissíveis, muitas vezes assintomáticas, e é na grávida que se observam as consequências mais graves, como morbilidade materno-fetal ou mesmo mortalidade fetal na sífilis.

Na Europa ocidental, após a descida da prevalência destas infecções no final dos anos oitenta do século vinte, associada à emergência da infecção pelo vírus da imunodeficiência humana e das campanhas de prevenção e de promoção do uso preservativo que se seguiram, houve um recrudescimento da prevalência na década de noventa. Nas campanhas de saúde pública actuais, estas infecções são frequentemente negligenciadas ou abordadas apenas na prevenção da infecção pelo vírus da imunodeficiência humana.

Portugal é o país da Europa ocidental com a maior prevalência de infecção pelo vírus da imunodeficiência humana. Em estudos da Comissão Nacional de Luta contra a Sida, os portugueses reportam como pouco frequente o uso do preservativo com novos parceiros e desconhecem as outras infecções sexualmente transmissíveis. Nos estudos da Organização Mundial de Saúde, os adolescentes portugueses tiveram a menor percentagem de utilização do preservativo na Europa e esta é ainda menor nos adolescentes sem frequência escolar.

O sistema de notificação português destas doenças é clínico, predominando, no entanto, a subnotificação e a ausência da procura activa do tratamento dos parceiros. Estas deficiências comprometem a recolha de informação que permita interpretar tendências epidemiológicas e assim orientar os rastreios e campanhas para grupos específicos, aumentando o custo-benefício destes.

Os estudos sobre infecções sexualmente transmissíveis são raros em Portugal e na adolescência, estes são sobretudo efectuados no âmbito das ciências sociais e incluem apenas a infecção pelo vírus da imunodeficiência humana.

Em um estudo epidemiológico e laboratorial sobre infecções sexualmente transmissíveis em adolescentes, incluído num programa de doutoramento do Instituto de Higiene e Medicina Tropical, foram incluídas 403 adolescentes, grávidas e não grávidas, seguidas na Maternidade Alfredo da Costa e Hospital de Santa Maria durante os anos de 2005 a 2007.

Estas adolescentes tiveram uma prevalência de 10% de infecções por Chlamydia trachomatis e de 4% de Neisseria gonorrhoeae, não se diagnosticando sífilis ou infecção pelo vírus da imunodeficiência humana. O uso consistente do preservativo pelos parceiros foi referido em apenas 8% da população estudada, em contraste com o uso de anticonceptivos hormonais em 35% das adolescentes (nas adolescentes grávidas, este uso foi relativo à altura do diagnóstico da gravidez, com 26% das grávidas a referirem terem engravidado enquanto efectuaram anticonceptivos hormonais). Apenas 41% das adolescentes frequentavam a escola e 48% estavam desempregadas.

Vários autores defendem que nos países desenvolvidos, a principal dificuldade dos adolescentes não é a ausência ou dificuldade de acesso a preservativos, mas sim a inconsistência na sua utilização, assim como a substituição deste por anticonceptivos orais com o aumento da duração da relação. Os adolescentes confundem frequentemente o efeito anticoncepcional destes com protecção na aquisição de infecção pelo vírus da imunodeficiência humana e outras infecções sexualmente transmissíveis.

No nosso estudo, à semelhança de outras séries nacionais, observou-se um reduzido uso do preservativo e um elevado abandono escolar. A elevada percentagem de infecção por Chlamydia trachomatis observada nesta população é assim motivo de preocupação, pelas sequelas que esta infecção causa no sexo feminino, interferindo com a sua vida sexual e reprodutiva futura.  

É importante sensibilizar os profissionais de saúde envolvidos nos cuidados de saúde aos adolescentes para a promoção do uso do preservativo, porque na população estudada e à semelhança dos dados nacionais, observou-se uma elevada prescrição da pílula e um reduzido uso do preservativo. Os adolescentes são também o grupo em Portugal que mais recorre à “pílula do dia seguinte”.  

A promoção do uso do preservativo, com ou sem anticonceptivos hormonais, é necessária nos adolescentes, uma vez que o uso do preservativo em idades mais jovens está associado a maior percentagem de uso em idades maiores e menor incidência posterior de infecções sexualmente transmissíveis. Acções de formação nas escolas sobre estas infecções e uso do preservativo, adaptadas à população adolescente, demonstraram redução posterior quer de comportamentos sexuais de risco, quer da incidência destas infecções nos adolescentes.

A educação sexual na adolescência, atribuída na lei portuguesa essencialmente às escolas, não abrange os adolescentes que abandonaram o ensino e Portugal tem a segunda maior percentagem de abandono escolar da União Europeia.

Esta baixa escolaridade e abandono comprometem a eficácia dos programas de rastreio e prevenção das infecções sexualmente transmissíveis que sejam baseados apenas nas escolas. É assim necessário voltar a promover o uso do preservativo em campanhas que não sejam limitadas às escolas e informar os adolescentes sobre infecções sexualmente transmissíveis.

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Autor: 
Dr. João Borges da Costa - Clínica Universitária Dermatológica de Lisboa do Hospital de Santa Maria e Unidade de Doenças Sexualmente Transmissíveis do Instituto de Higiene e Medicina Tropical de Lisboa
Fonte: 
GEIDST - Grupo para o Estudo e Investigação de Doenças Sexualmente Transmissíveis
Nota: 
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