Opinião

Hepatite vírica: a doença que não deixa de nos surpreender

Atualizado: 
30/07/2018 - 09:35
No Dia Mundial da Hepatite, que ora se comemora, gostaria de anunciar e celebrar a erradicação da hepatite vírica. Erradicar? Sim, isso mesmo: erradicar ou, se preferir, eliminar as hepatites hepatotrópicas A, B, C, D, e E. Impossível dirão alguns, desmesurada ambição perorarão outros. Eu direi: é possível! Não este ano, mas num que aí virá e tanto mais breve quanto maior for a vontade dos decisores. Nem sequer é uma ideia muito original, pois está nos planos da OMS como uma meta para o ano 30.

As hepatites A e B, e por arrasto a hepatite delta, têm vindo a perder terreno e, um dia, serão doenças residuais. Depende da vontade e persistência dos países – não por acaso os mais pobres e carentes do planeta – em investirem nas medidas de saneamento, higiene e vacinação. Já existem exemplos em algumas partes do mundo de que tal é possível. A hepatite B recuou, entretanto, para os 350 milhões de portadores, mas como o número indica continua a ser um grave problema de saúde porque significa cirrose, cancro e morte. A hepatite A vive um paradoxo. Evoluiu de uma doença da criança, inaparente e anódina, para uma doença do adulto, potencialmente grave. Relativamente à hepatite C, o tema actual é precisamente a sua eliminação. Não deixa de ser extraordinário e inédito nos anais médicos: eliminar uma doença infecciosa através de terapêutica medicamentosa. No entanto, esta singular estratégia faz jus à originalidade da descoberta do vírus no final dos anos oitenta (Ah, é verdade, Michael Houghton ainda não foi laureado com o prémio Nobel…). A eliminação da infecção tornou-se possível porque o tratamento atingiu, finalmente, o que se ambicionava: disponível para todos os doentes, 1 comprimido por dia, 8-12 semanas, excelente tolerância, e cura de quase todos.

Pois é, falta a hepatite E, uma surpresa à medida que se vão desvendando os seus segredos. E, qual caixa de Pandora, o que vamos sabendo é preocupante. Até há pouco era tranquilizador saber que não era um problema do Ocidente, mas os dados mais recentes demonstram que está entre nós e que é diferente (vírus tipo 3) da forma epidémica (vírus tipo 1) que grassa nos países em desenvolvimento. Para o vírus tipo 1 existe uma vacina eficaz, mas infelizmente o seu uso não foi ainda implementado.

Em resumo, quando os meios que já temos ao nosso dispor – vacinação e terapêutica antivírica – forem usados em larga escala, a hepatite vírica causará menos sofrimento, sobreviverão centenas de milhões de indivíduos todos os anos, que de outro modo morreriam das complicações da doença: cirrose e cancro; e evitar-se-ão muitos milhares de transplantes hepáticos. O benefício económico que daí advirá será incomensurável. Para que isso aconteça não basta o tratamento. É preciso actuar na prevenção, incrementando medidas de saneamento básico em países carentes, as quais são fundamentais para suster a disseminação, sobretudo, das hepatites A e E; e incentivar os programas que obstam à transmissão, nomeadamente das hepatites B e C. E ter presente que a última não tem, nem parece que algum dia venha a ter, vacina.

No dia Mundial da Hepatite gostaria de chamar a atenção para as “outras hepatites”, as quais não sendo um problema real dos países desenvolvidos, não deixa de continuar a ser uma enorme desgraça para vastas regiões do globo. Refiro-me à febre amarela, ao dengue, ao Ebola, etc. Estão à distância de algumas horas de voo e podem ser evitadas com uma simples vacina…

Autor: 
Professor Doutor José Velosa - Professor Catedrático Jubilado da Faculdade de Medicina de Lisboa | Gastrenterologista e Hepatologista do Hospital Lusíadas Lisboa
Nota: 
As informações e conselhos disponibilizados no Atlas da Saúde não substituem o parecer/opinião do seu Médico, Enfermeiro, Farmacêutico e/ou Nutricionista.