Doença Bipolar: o que é?

Em Portugal mais metade dos doentes bipolares está sem tratamento

Atualizado: 
10/10/2018 - 11:40
Alterações emocionais súbitas e imprevisíveis ou irritabilidade extrema, por um lado, e perda de interesse ou baixa autoestima, por outro, são apenas alguns dos principais sintomas da Doença Bipolar – uma perturbação que atinge cerca de 200 mil portugueses. Menos de metade faz tratamento.

A Doença Bipolar, antes designada por Psicose Maníaco Depressiva é uma doença mental caracterizada por variações acentuadas do humor, com crises repetidas de depressão, «mania» ou mistas (ou seja, alternando rapidamente entre mania e depressão). Qualquer dos tipos de crise pode predominar numa mesma pessoa sendo a sua frequência bastante variável. As crises podem ser graves, moderadas ou leves.

Estas alterações de humor dão muitas vezes origem a problemas com a gestão do quotidiano, arruinam relacionamentos pessoais e levam a tentativas de suicídio.

Os sintomas da doença bipolar dependem da fase da doença. Um episódio maníaco caracteriza-se por um humor expansivo, eufórico ou irritável. Nas fases iniciais da crise a pessoa pode sentir-se mais alegre, sociável, activa, faladora, auto-confiante, inteligente e criativa. Com a elevação progressiva do humor e a aceleração psíquica podem surgir alguns ou todos os seguintes sintomas:

Irritabilidade extrema;

  • Alterações emocionais súbitas e imprevisíveis, com aceleração do pensamento e do débito do discurso e incapacidade de manter um discurso focado num só tema;
  • Reacção excessiva a estímulos, interpretação errada de acontecimentos, irritabilidade fácil;
  • Aumento de interesse em diversas e novas actividades, gastos excessivos, dívidas e ofertas exageradas;
  • Grandiosidade. A pessoa sente-se melhor e mais poderosa do que os outros;
  • Energia excessiva, com hiperactividade;
  • Diminuição da necessidade de dormir;
  • Aumento do desejo sexual, comportamento desinibido e por vezes de risco;
  • Incapacidade de aceitar que está doente, recusando apoio médico;
  • Abuso de álcool e de outras substâncias.

 Os episódios depressivos caracterizam-se fundamentalmente por tristeza e desesperança. No entanto surgem outros sintomas durante esta fase da doença:

Ruminações depressivas (pensamentos negativos permanentes e persistentes e incapacidade para os afastar);

  • Diminuição grave da auto-estima;
  • Sentimentos de inutilidade, desesperança e culpabilidade;
  • Lentificação do pensamento, dificuldades na concentração e memória e incapacidade na tomada de decisões;
  • Perda de interesse nas actividades que antes davam prazer (trabalho, hobbies, convívio social);
  • Preocupação excessiva com queixas físicas, como por exemplo obstipação;
  • Agitação e inquietação ou perda de energia, cansaço e inacção;
  • Alterações do apetite e do peso;
  • Alterações do sono: insónia ou hipersónia;
  • Diminuição do desejo sexual;
  • Choro fácil ou incapacidade de o fazer;
  • Ideias de morte, de suicídio e tentativas de suicídio;
  • Uso excessivo de bebidas alcoólicas ou de outras substâncias.

Durante episódios graves de Mania ou Depressão podem surgir sintomas psicóticos. Estes sintomas podem ser:

  • Alucinações - em que habitualmente se ouvem vozes que não existem;
  • Ideias delirantes - Crenças inabaláveis de situações que não são reais.

Os sintomas psicóticos na Doença Bipolar refletem o estado de humor. Por exemplo, num episódio maníaco o doente acredita que tem poderes especiais ou é um profeta enviado por Deus. Num episódio depressivo, o doente pode sentir-se extremamente culpado por algo que acredita que fez.

A Hipomania é um estado semelhante à Mania, com sintomas sobreponíveis mas de menor intensidade. Não existem sintomas psicóticos.

Tipos de Doença Bipolar

Doença Bipolar tipo I

Existência de episódios maníacos, que podem alternar com episódios depressivos.

Doença Bipolar tipo II

Existência de episódios depressivos intercalados com episódios hipomaníacos.

Ciclotímia

Existência de sintomas hipomaníacos e depressivos regulares. Os sintomas depressivos não são tão graves como na Depressão Major, contudo afectam significativamente o dia-a-dia do doente.

Ciclos Rápidos

Existência de quatro ou mais episódios depressivos, maníacos, mistos ou hipomaníacos num período de 12 meses.

As alterações de mania para depressão podem ser mensais, semanais ou mesmo diárias. Esta situação tem o nome de Ciclos Ultra Rápidos.

Estados Mistos

Coexistência de sintomas maníacos e depressivos no mesmo doente.

O diagnóstico de doença bipolar é exclusivamente clínico e assenta na elaboração de uma história clínica completa tendo em conta os sintomas atuais e pregressos, a personalidade prévia e os antecedentes familiares.

A Doença Bipolar afeta cerca de 60 milhões de pessoas em todo o mundo e encontra-se entre as 20 principais causas de incapacidade. Até cerca de 2% dos europeus virão a ter Doença Bipolar num dado momento da sua vida, e destes cerca de metade, acabarão por desenvolver Doença Bipolar tipo I. Aproximadamente 200 mil pessoas sofrem de Doença Bipolar em Portugal. A Doença Bipolar tipo I ocorre com igual frequência nos homens e nas mulheres, enquanto a Doença Bipolar tipo II é mais comum nas mulheres. Não existe nenhuma associação entre a raça/etnia, estrato socioeconómico, naturalidade ou local de residência (rural/urbano). A prevalência de Doença Bipolar é superior nos indivíduos que vivem sozinhos.

O risco de desenvolver Doença Bipolar é mais elevado no final da adolescência ou no início da idade adulta, sendo que pelo menos metade dos casos surge antes dos 25 anos de idade. As pessoas com Doença Bipolar encontram-se em risco de desenvolver também outras doenças em simultâneo (co-morbilidade). Um estudo recente da Organização Mundial de Saúde revelou que dois terços das pessoas com doença bipolar também sofriam de perturbações de humor e ansiedade, e mais de um terço tinha também problemas de abuso de substâncias. Apesar destas sérias consequências, menos de metade das pessoas que sofrem de perturbações bipolares recebem tratamento para a sua doença.

Não se identificou ainda uma causa única para a Doença Bipolar, mas acredita-se que tanto fatores biológicos, como psicológicos ou sociais possam contribuir para tal, levando a alterações neuroquímicas no cérebro. Cerca de 80-90% dos indivíduos com Doença Bipolar tem um familiar com esta doença ou com depressão. Os fatores ambientais também têm grande influência: stress oxidativo, perturbações do sono, abuso de álcool e drogas podem desencadear episódios em indivíduos vulneráveis.

Não existe cura para a Doença Bipolar, mas com um tratamento eficaz, a maioria das pessoas podem voltar a conseguir controlar as suas alterações de humor e os sintomas a elas associados.

O tratamento para a Doença Bipolar tem de responder com eficácia tanto aos episódios maníacos como aos depressivos, bem como aos momentos de humor misto e aos ciclos rápidos. Também é muito importante conseguir evitar que surjam recaídas. O tratamento da doença bipolar inclui habitualmente a utilização de fármacos estabilizadores de humor e por vezes de antidepressivos e de antipsicóticos. Em situações resistentes a electroconvulsivoterapia é também uma opção terapêutica. O acompanhamento psicológico, quer individual (com particular enfoque na terapia cognitivo-comportamental) quer familiar é fundamental.

A ideia de Doença Mental, na opinião pública, é habitualmente confusa e pouco correta. Considera-se a doença mental qualitativamente diferente das doenças físicas, desvalorizam-se alguns sintomas, temem-se outros e atribui-se um grau de incurabilidade a grande parte dos doentes psiquiátricos.

A literacia em psiquiatria e particularmente na Doença Bipolar permite que estas ideias preconcebidas sejam ultrapassadas facilitando o reconhecimento da doença tanto ao próprio como aos que com ele convivem, possibilitando uma maior ajuda a quem necessita e permitindo um tratamento médico atempado e adequado bem como uma visão humana e solidária da doença.

*este artigo não foi escrito ao abrigo do novo Acordo Ortográfico, por opção do autor

Bibliografia
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www.adeb.pt
www.lundbeck.com/pt/

 

Autor: 
Dra. Ana Peixinho - Psiquiatra - Coordenadora da Unidade de Psiquiatria e Psicologia - Hospital Lusíadas Lisboa
Nota: 
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