Entrevista

Caminhar pode ser o suficiente para prevenir e controlar a dor

Atualizado: 
04/04/2019 - 12:08
Sem movimento o nosso corpo caminha, inevitavelmente, para estados de dor. Quem o afirma é Cláudia Armada, anestesiologista no IPO Lisboa e membro da APED – Associação Portuguesa para o Estudo da Dor, responsável pelo «Movimento para o Futuro». E, num país em que os níveis de atividade física estão muito abaixo do recomendado, corremos o sério risco de ver aumentar a sua incidência. Em entrevista ao Atlas da Saúde, a especialista mostra que para reverter esta tendência é necessário combater o sedentarismo. E caminhar, por vezes, é o quanto basta!

Estima-se que cerca de 40% dos portugueses sofra de dor crónica, embora se saiba que haverá uma percentagem significativa de casos que fica por diagnosticar. Sendo esta uma condição que afeta a qualidade de vida dos doentes, começo por lhe perguntar qual o seu verdadeiro impacto socioeconómico?

O impacto é imenso, é provavelmente a doença com maior impacto na sociedade. Estima-se que cerca de 60% dos doentes com dor crónica são incapazes de trabalhar fora de casa ou de executar o seu trabalho em plenas funções e que 50% tem grande interferência nas relações familiares, entendendo-se assim o impacto desta condição em todas as esferas da sociedade. Do ponto de vista de fardo económico os gastos com esta patologia atingem mais de 4 mil milhões de euros por ano.

A dor é toda igual?

Não é toda igual e não é vivenciada por cada um de forma igual. Contudo, é sempre uma sensação desagradável. Pode ter múltiplas causas, diferentes intensidades e características. Para fins terapêuticos e de forma genérica interessa identificar causas tratáveis, caso existam; diferenciar dor oncológica de dor não oncológica e a presença de características de dor neuropática (dor que tem origem em lesão de nervos).

Quais são as principais causas da dor? Podemos falar em fatores de risco e atribuir ao sedentarismo parte da responsabilidade na cronificação da dor?

As principais causas estão associadas a distúrbios do sistema músculo-esquelético (músculos, ossos e articulações), sendo a principal causa de dor a lombalgia (dor lombar). Esta, juntamente com a cervicalgia constituem as doenças que conduzem a maior perda de dias vividos com qualidade (uma medida importante do ponto de vista do fardo que uma doença tem na sociedade), estando estes valores acima dos atribuídos à patologia cardiovascular e à diabetes.

Diria que o sedentarismo é o fator de risco. Sem movimento o nosso corpo caminha inevitavelmente para estados de dor. Essa também parece ser a razão pela qual se verifica maior incidência de dor crónica em jovens, que parecem estar cada vez menos ativos.

No que diz respeito à prevenção e ao tratamento da dor crónica, as opiniões são unânimes quanto aos benefícios da atividade física. De que forma o exercício físico pode ajudar a prevenir e/ou aliviar a dor?

Sendo o aparelho músculo-esquelético o mais afetado torna-se óbvio que a otimização deste sistema promova resistência à dor e que melhore quem já dela padece. O movimento de forma genérica e o exercício físico de forma mais específica conduzem a uma maior resistência e força muscular, assim como fortalecimento da estrutura óssea permitindo estabilidade do esqueleto, nomeadamente do esqueleto axial (coluna). Assim sendo ficamos mais resistentes aos pequenos traumatismos diários e atrasamos o envelhecimento articular.

Para além deste efeito direto, o exercício tem outros benefícios que previnem e melhoram os estados de dor crónica, como sejam, a melhoria da qualidade do sono, o aumento da sensação de bem-estar, aumento da capacidade de concentração, otimização do sistema imunitário, reduzindo o número de infeções, melhoria da condição cardiovascular com redução no número de enfartes e acidentes vasculares cerebrais, prevenção da diabetes e melhoria da função respiratória, entre outros.

E todos os doentes podem praticar exercício físico? Qual ou quais as atividades físicas mais recomendadas?

Em princípio todos os doentes poderão fazer algum tipo de atividade física. Em casos com condicionantes específicas o exercício físico deve ser prescrito e se necessário monitorizado. Interessa talvez distinguir o movimento/atividade física do exercício físico já que a primeira é algo mais simples e que deverá encaixar naturalmente na rotina diária, enquanto o segundo é algo mais estruturado e específico.

Quanto ao tipo de atividades recomendadas devem ser aquelas que promovem reforço muscular e otimização do movimento articular, desde que com baixa probabilidade de promover lesões, ou seja, caminhadas, natação, treino de flexibilidade, bicicleta, etc.

É possível que a prática de exercício físico possa substituir, ou pelo menos reduzir, o recurso à terapêutica medicamentosa? Embora possa não ser uma «receita milagrosa», pode ajudar a diminuir o consumo de fármacos?

Sem dúvida, o exercício deve ser encarado como parte integrante do plano terapêutico da dor. Infelizmente, embora importante, a terapêutica farmacológica está longe de ser suficiente. Para além do efeito direto que o exercício tem na prevenção e tratamento da dor, o exercício tem outros efeitos que indiretamente melhoram este estado, como a melhoria da qualidade do sono, maior sensação de bem-estar, aumento da capacidade de concentração, fortalecimento do sistema imunitário e otimização dos sistemas cardíaco e respiratório.

Que mitos ainda persistem relativamente a esta matéria? Quais as principais dúvidas no diz respeito à prática de exercício físico?

O principal mito em relação ao exercício em pessoas com dor é considerar que o mesmo aumentará a dor. De facto, numa fase inicial pode aumentar a dor muscular pela mera ativação deste sistema, mas isso será um efeito passageiro. Se há limitações específicas o exercício deverá ser prescrito tendo em conta as mesmas de forma a prevenir agravamentos.

Relativamente à campanha “Movimento para o Futuro”, que mensagem pretende passar?

Penso que os portugueses percebem que a atividade física é benéfica, mas não sei se entendem a real gravidade de não o praticarem. Associam fundamentalmente à prevenção da doença cardiovascular e da diabetes, mas não quanto ao resto. O pior é que nem a doença cardíaca nem a diabetes se fazem sentir até ser tarde demais e, como tal, talvez não seja uma informação suficientemente motivadora, principalmente para os jovens.

Talvez estejamos a ficar um pouco mais ecológicos, mas, definitivamente, não menos sedentários, senão vejamos os dados da OMS de 2018 para os níveis de atividade física em Portugal: Apenas 38% das crianças até aos 11 anos, 12% dos jovens até aos 15 anos e 35% dos adultos têm atividade física diária suficiente. São dados alarmantes e, podem inclusive implicar uma diminuição da esperança média de vida dos escalões mais jovens o que, a verificar-se, seria a primeira vez na existência do Ser Humano.

É preciso aceitar a nossa condição original, que é estar em movimento.

Esta mudança no estilo de vida pode trazer benefícios incalculáveis, não só individualmente como para toda a sociedade, já que reduz o fardo económico de uma nação.

No terreno pretendemos veicular a informação nas mais variadas formas, quer seja pela imprensa física e digital, quer pelas redes sociais ou em ações de rua.

É importante a associação com diferentes organismos de interesse comum como sejam as diferentes associações médicas, grupos de doentes, organismos governamentais, etc.

Quais as principais recomendações quanto a este tema?

As várias sociedades internacionais que se debruçam sobre este assunto como, são exemplo, a Sociedade Americana de Cardiologia e a Sociedade Europeia Contra o Reumatismo, advogam 150 minutos por semana de exercício aeróbico de intensidade moderada ou 75 minutos de exercício vigoroso. A estes deve-se acrescentar 2 h de reforço muscular por semana.

No caso das crianças até aos 6 anos deve-se promover o máximo de atividades diárias a seu gosto e, nos jovens entre os 6 e os 17 anos devem fazer 60 min. por dia de atividade física moderada a vigorosa e ainda promover atividades de reforço muscular.

Consideram-se atividades de intensidade moderada a caminhada, atividades aquáticas, dança, jardinagem, bicicleta (até 15km/h), etc. Enquanto que as atividades vigorosas incluem corrida, escalada, natação, dança aeróbica, bicicleta (>15 km/h), etc.

Sobre a campanha “Movimento para o Futuro”:
A campanha “Movimento para o Futuro” é uma campanha nacional que conta com o apoio de várias associações de doentes e sociedades científicas. Foi desenvolvida em parceria com a escola ETIC e pretende sensibilizar a população para a adoção de comportamentos saudáveis e incentivar o movimento como forma de prevenção e tratamento de estados de dor ligeira a moderada.
O exercício físico é usado frequentemente na reabilitação como componente integral no controlo da dor, sendo que o tempo e tipo de exercício a realizar pode variar de acordo com a condição álgica ou a tolerância do doente. Este é benéfico para a maioria das condições álgicas músculo-esqueléticas, incluindo cervicalgias, osteoartrite, artrite reumatoide, fibromialgia, dor miosfacial e lombalgia, embora ainda não seja conhecido o tempo e duração ideal de exercício a realizar para cada uma destas patologias.

Autor: 
Sofia Esteves dos Santos
Nota: 
As informações e conselhos disponibilizados no Atlas da Saúde não substituem o parecer/opinião do seu Médico, Enfermeiro, Farmacêutico e/ou Nutricionista.
Foto: 
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