Artigo de Opinião

Bactérias mais resistentes são cada vez mais frequentes. Até quando?

Atualizado: 
25/07/2018 - 10:06
Bactérias resistentes aos antibióticos habitualmente usados, causadoras de infeções graves, difíceis ou impossíveis de tratar, não são personagens de filmes de ficção científica. Estão entre nós, principalmente no meio hospitalar, e podem infetar qualquer um dos nossos familiares ou amigos, quando menos se espera. A diminuição da eficácia dos antibióticos, cada vez mais nítida, ameaça a nossa civilização e preocupa os líderes mundiais.

Infelizmente, embora haja diversas formas de lidar com esta situação, os principais responsáveis pela sua implementação parecem tardar em acordar verdadeiramente para o problema, cuja gravidade aumenta diariamente. É uma epidemia silenciosa, que deverá estar a matar perto de três portugueses todos os dias, 1100 por ano, longe das primeiras páginas dos jornais.

A resistência dos micróbios é um fenómeno natural de adaptação. Já o aumento e disseminação global de estirpes resistentes aos antibióticos habitualmente usados na terapêutica das infeções, deve-se à utilização, principalmente se inapropriada, destes fármacos.

Na segunda metade do século XX foram descobertos, e utilizados com êxito, um elevado número de antibióticos. Infeções fatais passaram a ser tratadas, gerando uma enorme confiança neste tipo de medicamentos. À medida que novos antibióticos foram descobertos, mais potentes e seguros, mais frequente e incorreta se tornou a sua utilização.

Esta tendência gerou o aparecimento de novos mecanismos de resistência bacteriana, contra os quais novas classes de antibióticos foram descobertas e utilizadas, numa perigosa espiral de aumento de resistências e utilização de antibióticos.

Nos primeiros anos deste século, profundas alterações nas regras de comercialização de medicamentos e na epidemiologia global das infeções levaram a que a investigação e desenvolvimento de novos antibióticos conhecesse um acentuadíssimo abrandamento. Compreensivelmente, as resistências aos antibióticos existentes continuaram a aumentar, conduzindo a uma situação na qual dispomos de poucos ou nenhuns antibióticos para tratar algumas das bactérias mais resistentes. 

Em Portugal, o fenómeno apresenta contornos semelhantes, embora com algumas particularidades justificando preocupação. Como em todo o mundo, pode afetar crianças e adultos, pessoas doentes mas também saudáveis, incidindo nos hospitais mas também na comunidade.

Na maior parte das bactérias habitualmente estudadas, Portugal integra o grupo dos países europeus com maior percentagem de estirpes resistentes. Ainda que em algumas destas bactérias a situação tenha melhorado nos últimos anos, o quadro continua a ser muito preocupante.

Merece particular cuidado a evolução que se regista na bactéria Klebsiella pneumoniae, cujas estirpes mais perigosas podem ser resistentes a quase todos ou todos os antibióticos habitualmente disponíveis. Embora não integre o grupo de países europeus mais afetados, Portugal integrava já, em 2016, um grupo intermédio, mercê do nítido aumento desta estirpe verificado nos últimos anos. Tudo leva a crer que os números continuem a aumentar, aguardando-se com expetativa a divulgação dos números de 2017, prevista para novembro.

Uma das principais formas de atacar o problema é reduzir a pressão geradora de resistências, utilizando os antibióticos menos e melhor, principalmente os de mais largo espetro.

Também neste ponto a situação em Portugal justifica preocupação. Depois de uma nítida redução em 2013, o consumo de antibióticos tem vindo a subir, com particular expressão nos cuidados primários de saúde. Embora o consumo hospitalar dos antibióticos de mais largo espetro tenha vindo a diminuir, continuávamos, em 2016, a ser o segundo país da europa que mais consumia este grupo de antibióticos.

Outra das estratégias fundamentais para reduzir a prevalência de microrganismos resistentes é o cumprimento de boas práticas de prevenção e controlo da transmissão da infeção nas unidades de saúde. Também nesta área persistem importantes carências, quer a nível das estruturas, insuficientemente dotadas de meios e empoderadas, quer dos processos, com obstáculos a todos os níveis à ação dos profissionais que exercem funções nesta área.

A resistência aos antibióticos não está a ter a atenção que necessita por parte dos setores mais afetados e dos decisores aos vários níveis. A continuar assim, não só as infeções serão muito mais difíceis de tratar, como perderemos doentes que frequentemente sofrem infeções, como os grandes prematuros, os submetidos a grandes cirurgias, a terapêuticas imunodepressoras como quimioterapia, e os internados em cuidados intensivos, entre outros. Toda a Medicina moderna, um dos pilares da civilização, será posta em causa.

Estudos recentes permitem calcular que cerca de três pessoas morrem em Portugal, todos os dias, por infeções provocadas por microrganismos multiresistentes. São 1100 mortos por ano. E ninguém, em posição de fazer a diferença, se preocupa verdadeiramente. Como é possível?       

Autor: 
Dr. Paulo André Fernandes - antigo diretor do Programa de Prevenção e Controlo de Infeções e de Resistência aos Antimicrobianos
Nota: 
As informações e conselhos disponibilizados no Atlas da Saúde não substituem o parecer/opinião do seu Médico, Enfermeiro, Farmacêutico e/ou Nutricionista.
Foto: 
Dr. Paulo André Fernandes