Saúde Mental

Psicose: Um modelo de intervenção precoce

Atualizado: 
02/07/2014 - 12:13
Que fazer quando o seu familiar tem comportamentos estranhos? Quando verifica que algo afeta a sua saúde mental? O melhor é não esconder, e transformar essa preocupação numa força para o pedido de ajuda. Neste artigo identificam-se alguns sintomas da psicose, e mostram-se respostas que o Serviço Nacional de Saúde pode dar para ajudar no problema.

«O meu filho está estranho… começou por dizer que ‘eles’ o andavam a vigiar. Ele acha que as pessoas lhe querem fazer mal… ultimamente já nem vê televisão, pois achava que falavam com ele e que lhe emitiam sinais. Há semanas que anda muito pelo quarto. Mal fala connosco. E quando o faz grita e ralha por coisas insignificantes. Fala sozinho. Ri-se sozinho. Não come a comida que lhe faço... Há dias começou a dizer que eu lhe queria fazer mal….Ele diz e faz coisas sem sentido. Tem medo. Ou então cria enredos estranhos. Isola-se. Agora já não quer sair de casa. Não permite que abra as janelas…não posso ligar a TV…» (exemplo de relato do familiar de um possível doente a vivenciar o primeiro episódio psicótico)

Medo, insegurança, ansiedade, raiva…

Estes serão decerto alguns dos sentimentos que nos assolam em situação de doença, sobretudo quando não sabemos do que se trata. Quando não sabemos nada a seu respeito. Apenas percebemos que ela é altamente incapacitante e interfere nas dinâmicas laborais, sociais, familiares…percebemos que comunicar com o nosso familiar se torna complicado, sabemos que ele está hiperalerta e possivelmente também com medo…

Para piorar a situação, a pessoa com a doença não reconhece que está doente… não se vê como tal. Não tem juízo crítico1 nem insight2. E agora?

O que fazer nestas situações?

Uma consulta especializada para ajudar doente e família
Este é o possível retrato de um doente que nos chega à consulta. Famílias receosas, angustiadas, cansadas e com medo. Não sabem o que fazer com o seu familiar doente. Para não falar deste jovem que precisa urgentemente de ajuda.

A equipa de intervenção no primeiro surto psicótico tem por objetivos a redução da duração e severidade do episódio psicótico inicial e diminuição da morbilidade associada. Pretende a melhoria do prognóstico, promovendo uma recuperação mais rápida. Neste sentido, presta um apoio psicossocial assertivo evitando ao máximo o abandono do tratamento com uma ação preventiva no sentido de evitar recaídas. A equipa é constituída por psiquiatras, pedopsiquiatra, terapeuta ocupacional, assistente social, psicóloga e duas enfermeiras especialistas na área de enfermagem de saúde mental e psiquiátrica.

Neste sentido, a abordagem ao doente é feita em equipa e tende a haver partilha e discussão dos casos. Cada doente é assistido por um médico psiquiatra e um terapeuta de referência (TR). Enquanto enfermeira pertencente à equipa desempenho também o papel de TR. O TR é a pessoa que está mais próxima do doente. Para além das consultas com o psiquiatra, são marcadas todo um conjunto de consultas onde são tidas diferentes abordagens terapêuticas que nos permitem informar o doente e promover ao máximo o seu processo de recuperação. Neste processo são usadas diversas estratégias, nomeadamente intervenções motivacionais, educacionais e cognitivo-comportamentais.

Os sintomas da psicose em cinco categorias
Os sintomas da psicose encaixam em cinco categorias. São elas a cognição, a perceção, a emoção, o comportamento e a interação social (Laraia e Stuart, 2001). Genericamente pode dizer-se que a psicose se refere a uma rutura com a realidade. Interfere na capacidade da

pessoa reconhecer o que é real, controlar as suas emoções, pensar com clareza, emitir juízos e comunicar (CIR, 2009). O impacto desta doença é sentido em várias áreas da vida da pessoa, pelo que a intervenção nesta perturbação deve ter inicio o mais precocemente possível. O objetivo é, inicialmente, reduzir ao máximo o tempo de doença não tratada. Iniciado o tratamento, pretende-se melhorar o conhecimento do próprio em relação ao seu estado procurando conferir-lhe insight2 e crítica1 para a sua situação. Neste processo englobamos a família, e sempre que necessário procuramos intervir nas estruturas da comunidade. Deste modo, promove-se a adesão ao tratamento com vista à recuperação da pessoa, e consegue-se melhorar o conhecimento de todos os envolvidos relativamente à psicose. Este processo é fundamental no sentido de reduzir estigma e discriminação e, em paralelo, o distanciamento social. O doente é seguido no mínimo ao longo de dois anos, após os quais é encaminhado para os cuidados de saúde primários ou para a consulta de psiquiatria geral.

Processo de reabilitação complexo e moroso
O processo de reabilitação é complexo e por vezes moroso, contudo o plano de intervenção é elaborado em parceria com a pessoa com a doença, e o enfermeiro TR procura o estabelecimento de relações de confiança e parceria, fomentando o insight2 sobre os seus problemas e a capacidade de encontrar novas vias de resolução.

Ao longo dos nossos cinco anos de existência podemos dizer que este tipo de intervenção tem tido resultados muito positivos e comprovamos, tal como é dito na literatura, que as expectativas para os doentes são muito positivas. Este tipo de intervenção promove a saúde mental do doente. As famílias passam a estar mais informadas, menos ansiosas e têm, juntamente com a pessoa com doença, um papel ativo no processo de recuperação. É, sem dúvida potenciada a vivência de vidas mais produtivas e com significado.

1Juízo crítico – é um processo de avaliação que precede um resultado (decisão ou ação) (Trzepacz e Baker, 2001, p. 203).

2Insight – “numa perspetiva prática, a avaliação do insight foca-se na capacidade dos doentes para reconhecerem que estão doentes, compreenderem que os seus problemas são desvios do normal, compreenderem que os seus comportamentos podem afetar terceiros e reconhecerem que a terapêutica pode ser útil para o alívio dos sintomas”(Trzepacz e Baker, 2001, p. 198)

Bibliografia
CIR - Cuidados Integrados e Recuperação. Manual de Trabalho, Versão 1.3. Coordenação Nacional Para a Saúde Mental. “PROFORM” – Programa de formação em saúde mental comunitária. Coimbra, Fevereiro de 2009.
LARAIA, Michele; STUART, Gail – Enfermagem Psiquiátrica: Princípios e Prática. 6ª edição. Porto Alegre: Artmed Editora, 2001. ISBN 0-8151-2603-4.
TRZEPACZ, Paula T. e BAKER, Robert W. – Exame Psiquiátrico do Estado Mental. 1ª edição. Lisboa. Climepsi Editores, 2001. 240p. ISBN: 972-84.

Marta Cristina da Silva Gouveia

Enfermeira Especialista em enfermagem de saúde mental e psiquiatria
Mestre em enfermagem de saúde mental e psiquiatria
Centro Hospitalar Tondela-Viseu, unidade de Viseu, Departamento de Psiquiatria e Saúde Mental, sector feminino e equipa de intervenção no primeiro surto psicótico

Autor: 
Enfermeira Marta Cristina da Silva Gouveia
Nota: 
As informações e conselhos disponibilizados no Atlas da Saúde não substituem o parecer/opinião do seu Médico e/ou Farmacêutico.
Foto: 
António Alves