Opinião

Pedonanismo: um termo inventado para um caso real

Atualizado: 
14/07/2025 - 12:11
Inventei a palavra pedonanismo por não encontrar outra que descrevesse, de forma tão crua e simultaneamente caricata, o que aconteceu recentemente: o jovem futebolista Lamine Yamal decidiu contratar pessoas com nanismo para animar a festa do seu 18.º aniversário. A notícia correu as redes sociais e a imprensa, acompanhada de uma reacção indignada por parte de associações que defendem os direitos destas pessoas, lembrando que não são atracções de circo nem adereços para o divertimento de adultos.

O termo nasce da fusão de «pedo», não no sentido sexual tão carregado que hoje lhe damos, mas no original grego, significando simplesmente «criança», e «nanismo», referindo-se à condição médica que resulta numa baixa estatura. Não tem nada de científico — é um neologismo quase provocatório, nascido de um desconforto que muitos de nós sentimos ao vermos adultos tratados, voluntária ou involuntariamente, como figuras infantis apenas por causa do seu tamanho.

Porque o que aqui está em causa é precisamente isso: a infantilização. Não é novidade. Há séculos que as pessoas com nanismo são alvo de uma curiosidade quase mórbida, ora tidas como talismãs da sorte em cortes reais, ora exibidas como fenómenos em feiras populares. Foram bobos, mascotes, elementos «divertidos» de cortejos e espectáculos, muitas vezes reduzidos a caricaturas ambulantes. Mudaram-se os palácios para estádios e as feiras para festas privadas, mas a tentação parece continuar a mesma: usar o corpo do outro como elemento cénico, independentemente da sua vontade ou dignidade.

Ora, o pedonanismo, tal como me ocorreu defini-lo, é esta curiosa forma de tratar adultos com nanismo como se fossem crianças. Não apenas no sentido literal do tamanho, mas no modo como se fala com eles, como se faz festinhas na cabeça, se usa o diminutivo ou se brinca como quem tenta entreter um miúdo. É um comportamento quase automático, que surge muitas vezes até das melhores intenções — da ternura, da vontade de proteger, da simpatia — mas que revela uma visão distorcida: a ideia de que a aparência determina o estatuto de adulto.

No caso de Yamal, a polémica foi maior porque pagou a pessoas com nanismo para «entreter» a festa, num cenário em que facilmente se mistura o bizarro com o cómico, mas também o desconfortável. Não é crime, claro. Não há aqui uma exploração ilegal ou um abuso directo, presumo. São adultos, livres de aceitar tais trabalhos. Mas não deixa de expor o quanto a sociedade ainda olha para o nanismo com o mesmo olhar que se tem para o recreio das crianças: como um espaço lúdico, de farsa e de gargalhada.

E há depois a nossa própria reacção. Eu próprio brinquei, ao inventar este termo pedonanismo, num impulso meio satírico, talvez até cruel, mas que serve para dar nome a algo real: a instrumentalização do corpo pequeno como brinquedo ou espectáculo. Muitos dirão que é apenas humor, que não há mal nenhum. Que as pessoas com nanismo também têm direito a fazer da sua imagem o que bem entenderem — e é verdade. Mas se não questionarmos este tipo de práticas, acabamos por perpetuar a ideia de que o seu valor social se esgota no divertimento que proporcionam, e não na sua plena condição humana, profissional e cidadã.

Talvez o mais irónico seja perceber que o prefixo «pedo-», tão carregado de conotações obscenas nos tempos que correm, tem afinal um significado original que encaixa demasiado bem nesta história: criança. Não há aqui pedofilia, claro. Mas há um jogo de infantilização, uma transformação simbólica do adulto em criança, do cidadão em boneco. É um espectáculo triste, ainda que embrulhado em risos e confettis.

No fim, fica o neologismo — pedonanismo — inventado por mim, mas ilustrado pela realidade. Se ele ajuda a dar nome a este fenómeno ou apenas serve para o caricaturar, deixo ao critério de cada um. O que sei é que não é apenas Lamine Yamal que o pratica; é uma sociedade inteira, que ainda tropeça em velhos preconceitos e acha normal transformar a diferença em entretenimento. Talvez daqui a uns anos precisemos de inventar outra palavra para descrever o próximo caso. Até lá, ficamos com esta, incómoda mas talvez necessária.

Autor: 
António Ricardo Miranda - Engenheiro Electrotécnico e de Computadores de Controlo e Robótica e Pessoa com Deficiência Auditiva e Visual
Nota: 
As informações e conselhos disponibilizados no Atlas da Saúde não substituem o parecer/opinião do seu Médico, Enfermeiro, Farmacêutico e/ou Nutricionista.