Entrevista | Prof. Edgar Almeida, Presidente da Sociedade Portuguesa de Nefrologia (SPN)

Tratamento da nefropatia diabética em Portugal custa 17 mil milhões de euros

Atualizado: 
09/03/2023 - 11:18
A doença renal crónica e a diabetes podem levar a uma perda superior a 410 mil anos de vida saudável por incapacidade e a um custo económico total, ao longo da vida, de aproximadamente 17 mil milhões de euros, em Portugal. As conclusões são do estudo “Evolução natural da doença renal crónica em pessoas com diabetes: custos e consequências na realidade portuguesa”, realizado pela IQVIA com o apoio da Bayer. Ao alertar para os riscos, o Presidente da Sociedade Portuguesa de Nefrologia, Edgar Almeida, sublinha, em entrevista ao Atlas da Saúde, a importância de as pessoas com diabetes assegurarem o bom controlo metabólico da diabetes e o controlo da pressão arterial como forma de prevenção.

De acordo com os dados do estudo “Evolução natural da doença renal crónica em pessoas com diabetes: custos e consequências na realidade portuguesa”, estima-se que doença renal diabética afete 550 mil portugueses. Neste sentido, começo por perguntar de que modo a diabetes afeta a saúde dos rins?

Cerca de 40% das pessoas com diabetes podem ter doença renal, sobretudo as que tiverem mau controlo da glicemia e da pressão arterial.

As pessoas com diabetes devem estar atentas a alterações da composição da urina, em particular, o aparecimento da albumina na urina, que é um marcador precoce de lesão renal.

Que fatores, para além da diabetes, podem condicionar o desenvolvimento de doença renal?

Os principais fatores de risco para a doença renal, além da diabetes, são a hipertensão arterial mal controlada, a obesidade, o sedentarismo, o tabagismo, o consumo de medicamentos tóxicos para os rins (como é o caso dos anti-inflamatórios não esteroides), etc. Mas também há predisposição familiar para doença renais e doenças genéticas hereditárias.

A que sinais devemos estar atentos? Quais a principais manifestações clínicas da doença?

A doença renal, nas fases iniciais, é completamente assintomática, sendo detetada apenas nas análises e na ecografia dos rins. O meu conselho é que devem contactar o seu médico para avaliar o envolvimento renal, particularmente se tiver fatores de risco (os que referi anteriormente).

Como é feito o diagnóstico da Nefropatia diabética?

Nos diabéticos, como em todas as restantes situações, as alterações da composição da urina, particularmente a albuminúria e as alterações da função renal (avaliadas pelos níveis de creatinina do sangue) são as formas como deve ser rastreada a nefropatia diabética. A ecografia renal também é útil neste diagnóstico.

Sabendo que existem diferentes estádios da doença (peço que os classifique), e sabendo que o seu curso é silencioso, habitualmente, em que fase surge a maioria destes diagnósticos?

A doença renal crónica está dividida em vários estádios – G1 a G5, de acordo com a função renal (a taxa de filtração glomerular estimada, calculada a partir do valor da creatinina do sangue); nos estádios iniciais, a presença de albumina (ou de proteínas) na urina é fundamental para fazer o diagnóstico. Por isso, é importante que as pessoas em risco de ter doença renal, façam regularmente a determinação da presença de albumina na urina.

Quais as principais complicações associadas à Nefropatia diabética? A que outras comorbilidades se pode associar?

Quando surge o envolvimento renal em pessoas com diabetes o mais provável é que coexistam outros problemas, pois habitualmente é o resultado de mau controlo da glicemia. Assim, nas pessoas com nefropatia diabética é comum terem retinopatia diabética, doença vascular aterosclerótica – que pode envolver as artérias do coração ou as artérias dos membros inferiores – e neuropatia periférica (perda de sensibilidade dos pés).

Qual o impacto socioeconómico estimado?

Os impactos são significativos – por um lado, a perda da qualidade de vida, a perda de dias úteis de vida laboral associada às necessidades de tratamento e, por outro, os custos dos vários tratamentos necessários para o controlo da diabetes e da progressão da doença renal. Um estudo recente, cujos resultados iremos divulgar hoje, no Dia Mundial do Rim, mostrou que os custos do tratamento da nefropatia diabética foram estimados em 17 mil milhões de euros!

Qual o tratamento?

O tratamento da nefropatia diabética começa na modificação dos hábitos alimentares, exercício físico, perda de peso (em geral, os diabéticos têm excesso de peso) e parar de fumar. Habitualmente, as pessoas com nefropatia diabética têm pressão arterial elevada pelo que, além de redução do sal na alimentação, devem ser tratadas com medicamentos anti-hipertensores do grupo dos inibidores da enzima conversora da angiotensina ou dos inibidores dos recetores da angiotensina. Recentemente, novos grupos de medicamentos tornaram-se essenciais para o tratamento da nefropatia diabética, como é o caso dos inibidores SGLT2 ou os antagonistas dos recetores dos mineralocorticoides.

E quais os cuidados a ter para prevenir o seu desenvolvimento?

O mais importante é assegurar o bom controlo metabólico da diabetes e o controlo da pressão arterial. Também deve evitar medicamentos tóxicos para o rim como é o caso dos anti-inflamatórios não esteroides (de venda livre).

Existe alguma diferença, em matéria de evolução da patologia, quando na presença de diabetes tipo 1 ou de diabetes tipo 2? Ou seja, o risco é igual para todos os diabéticos, não só quanto ao seu desenvolvimento, mas também quanto ao seu agravamento?

Os dois tipos de diabetes podem levar à nefropatia diabética. O importante, como já disse, é o controlo da glicemia (que pode ser mais difícil nas pessoas com diabetes tipo 1, embora as bombas de insulina possam ter melhorado este cenário) e da pressão arterial.

Que mitos persistem quanto à relação destas duas entidades clínicas?

É importante que as pessoas que têm a infelicidade de ser diabéticas tenham a noção que é possível viver com diabetes, ter uma vida feliz e plena e, ainda assim, evitar as complicações sérias que estão associadas ao mau controlo da glicemia e da pressão arterial.

No âmbito do Dia Mundial do Rim, que mensagem chave gostaria de deixar quanto a este tema?

Há cerca de 1 milhão de Portugueses que têm doença renal crónica. Essas pessoas iniciaram um caminho, geralmente longo, que as pode conduzir a uma situação em que a vida fica dependente de diálise ou transplantação renal. Muitas dessas pessoas não o sabem e, como tal, poderão não ter acesso às medidas necessárias para evitar que progridam para a fase terminal desta caminhada.

Autor: 
Sofia Esteves dos Santos
Nota: 
As informações e conselhos disponibilizados no Atlas da Saúde não substituem o parecer/opinião do seu Médico, Enfermeiro, Farmacêutico e/ou Nutricionista.
Foto: 
Sociedade Portuguesa de Nefrologia (SPN)