Opinião

Transplante endotelial da córnea

Atualizado: 
13/05/2025 - 14:09
Porque pode ser necessário realizar um transplante endotelial de córnea? Nas doenças do endotélio da córnea são muito frequentes sintomas de visão turva todos os dias ao acordar (como se estivesse a olhar através de um vidro embaciado). Os contornos dos objetos ficam pouco definidos e as luzes surgem com halos à volta. Há um compromisso nas atividades diárias como leitura, condução ou mesmo reconhecer rostos.

Alguns transplantes de córnea não são realizados devido ao potencial risco de complicações, nomeadamente de rejeição; devido a um pós-operatório muito exigente, com muitas consultas e complexidade da terapêutica medicamentosa ou devido a limitações para exercer determinadas atividades profissionais.

Qual o motivo para se optar por um transplante de toda a córnea quando é possível substituir apenas uma fina camada de células?

 

O QUE É A CÓRNEA?

A córnea é um tecido avascular, sem vasos sanguíneos, transparente que está exposto ao ambiente externo, cobrindo o segmento anterior do olho.

Situa-se à frente da íris e da pupila.

É a “janela” por onde entra a luz, permitindo que possamos ver.

Além de proteger o interior do globo ocular, a córnea tem também um papel essencial ao focar a luz que entra no olho e chega à retina. É mesmo a principal “lente” do olho.

O diâmetro horizontal da córnea mede cerca de 12 milímetros, e o diâmetro vertical mede 11,5 milímetros.

A espessura do centro da córnea é cerca de 550 micras, ou um pouco mais de meio milímetro.

A maioria dos erros de refração – miopia, hipermetropia e astigmatismo, deve-se à curvatura ou simetria inadequada da córnea. A presbiopia por outro lado, ocorre devido a alterações no cristalino relacionadas com a idade (“vista cansada”).

A córnea é composta por várias camadas, sendo uma das mais importantes o endotélio.

Esta é a camada mais interna da córnea.

O endotélio tem apenas uma única camada de células de espessura e mede cerca de 5 micras. As células do endotélio são hexagonais e agrupam-se no mosaico endotelial.

O endotélio de um adulto jovem tem uma densidade celular de cerca de 3500 células/mm2. Este número diminui com a idade, mas a um ritmo muito lento.

A principal função do endotélio é assegurar a manutenção da desidratação e transparência da córnea, condições indispensáveis para uma visão nítida. Quando há falência do endotélio, a córnea torna-se opaca e a visão fica turva.

 

O que é o transplante endotelial da córnea?

O transplante endotelial da córnea consiste em substituir seletivamente o endotélio da córnea.

Durante muito tempo, a única opção era substituir toda a córnea. Um procedimento conhecido como transplante penetrante, que implica a remoção total da córnea doente e a sua substituição por uma córnea dadora.

Hoje, graças aos avanços da medicina, já é possível realizar um transplante apenas do endotélio.

Embora o transplante penetrante tenha sido a cirurgia padrão durante muitos anos, o transplante endotelial tem vindo a ganhar destaque devido às inúmeras vantagens. Este conceito foi introduzido em 1956 com o primeiro transplante endotelial, mas só na década de 1990 e início de 2000, este procedimento começou a ter resultados promissores.

Desde então o transplante endotelial tem evoluído para uma cirurgia minimamente invasiva, com muito pouco dano para o endotélio do tecido de córnea transplantado e enxertos microscopicamente finos. Os resultados clínicos foram-se tornando cada vez melhores e as recuperações cada vez mais rápidas.

 

Quais as vantagens do transplante endotelial em relação ao penetrante?

Menor risco de complicações pós-operatórias

  • O transplante penetrante é um procedimento mais invasivo. É uma cirurgia realizada a “céu aberto” porque todo o “botão” de córnea do doente é removido. Isto implica um risco maior de complicações como infeções e catarata.
  • O transplante endotelial como é um procedimento mais seletivo e com micro incisões, o risco de complicações pós-operatórias é menor.

Menor risco de rejeição

  • Como o transplante penetrante envolve a substituição de toda a córnea, o risco de rejeição é maior. A córnea transplantada é um tecido "estranho" para o organismo, e o sistema imunológico pode reconhecê-la como tal.
  • No transplante endotelial o risco de rejeição é muito menor, porque apenas uma camada da córnea é transplantada.

Recuperação visual mais rápida

  • A recuperação da visão após um transplante penetrante é mais demorada, podendo levar vários meses até que a visão comece a estabilizar. O processo de cicatrização é mais complexo, uma vez que envolve todas as camadas da córnea.
  • No transplante endotelial a recuperação visual é mais rápida, com os doentes a notarem melhorias na visão em algumas semanas ou poucos meses.

Melhores resultados visuais

  • No transplante penetrante toda a espessura da córnea é substituída com maior assimetria entre o tecido do dador e do recetor. Também a necessidade de pontos de sutura pode levar a astigmatismos irregulares e menor qualidade visual.
  • No transplante endotelial apenas a camada posterior da córnea é substituída. O transplante é realizado com poucas ou nenhumas suturas e o astigmatismo pós-operatório é muito menor.

Menor necessidade de seguimento médico e medicação

  • Os doentes que realizam um transplante penetrante geralmente precisam de um acompanhamento médico mais frequente e de um regime de medicação mais intensivo, incluindo o uso prolongado de corticoides.
  • No transplante endotelial o seguimento pós-operatório e o uso de medicação são menos intensivos.

 

Quais as técnicas de transplante endotelial?

Existem duas técnicas principais:

  • DSAEK (Descemet Stripping Automated Endothelial Keratoplasty): técnica em que se substitui o endotélio e parte do estroma posterior da córnea.
  • DMEK (Descemet Membrane Endothelial Keratoplasty): técnica ainda mais precisa, em que se substitui apenas a membrana de Descemet e o endotélio, com resultados visuais superiores.

Ambas as técnicas são realizadas com recurso a microcirurgia, através de uma pequena incisão, e muitas vezes sem necessidade de pontos.

 

Para quem está indicado?

Este tipo de transplante é indicado sobretudo para doenças que afetam apenas o endotélio, nomeadamente:

  • Distrofias endoteliais, como a Distrofia endotelial de Fuchs;
  • Queratopatia bolhosa;
  • Cirurgia complicada do segmento anterior (como cirurgia de catarata, de glaucoma ou implante de lente intraocular) ou posterior (como cirurgia de descolamento da retina) resultando em descompensação endotelial;
  • Falência endotelial após uma primeira cirurgia endotelial ou penetrante.

 

Banco de Córneas

Tal como qualquer outro transplante, o transplante de córneas só é possível devido à doação de tecidos. Os bancos de córneas, que preparam e armazenam as córneas de dadores, desempenham um papel fundamental neste processo.

Em Portugal, o programa para colheita e transplante de córneas está muito bem organizado e otimizado para permitir uma boa disponibilidade de tecidos para transplante.

Também existe a possibilidade de importar tecidos de bancos de córneas provenientes de outros países.

 

Olhar o mundo com outros olhos

A oftalmologia está a evoluir a uma velocidade impressionante. O transplante endotelial é um exemplo claro de como estes avanços podem oferecer soluções mais eficazes, menos invasivas e com melhores resultados.

Para muitos doentes, esta cirurgia representa não apenas o regresso da visão, mas também o regresso à vida ativa, ao trabalho e aos prazeres simples do dia-a-dia como ler um livro, ver um filme ou admirar uma paisagem.

Autor: 
Dr. Paul Martins Campos Médico Oftalmologista ALM Primum - Lisboa
Nota: 
As informações e conselhos disponibilizados no Atlas da Saúde não substituem o parecer/opinião do seu Médico, Enfermeiro, Farmacêutico e/ou Nutricionista.
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