Transplante endotelial da córnea

Alguns transplantes de córnea não são realizados devido ao potencial risco de complicações, nomeadamente de rejeição; devido a um pós-operatório muito exigente, com muitas consultas e complexidade da terapêutica medicamentosa ou devido a limitações para exercer determinadas atividades profissionais.
Qual o motivo para se optar por um transplante de toda a córnea quando é possível substituir apenas uma fina camada de células?
O QUE É A CÓRNEA?
A córnea é um tecido avascular, sem vasos sanguíneos, transparente que está exposto ao ambiente externo, cobrindo o segmento anterior do olho.
Situa-se à frente da íris e da pupila.
É a “janela” por onde entra a luz, permitindo que possamos ver.
Além de proteger o interior do globo ocular, a córnea tem também um papel essencial ao focar a luz que entra no olho e chega à retina. É mesmo a principal “lente” do olho.
O diâmetro horizontal da córnea mede cerca de 12 milímetros, e o diâmetro vertical mede 11,5 milímetros.
A espessura do centro da córnea é cerca de 550 micras, ou um pouco mais de meio milímetro.
A maioria dos erros de refração – miopia, hipermetropia e astigmatismo, deve-se à curvatura ou simetria inadequada da córnea. A presbiopia por outro lado, ocorre devido a alterações no cristalino relacionadas com a idade (“vista cansada”).
A córnea é composta por várias camadas, sendo uma das mais importantes o endotélio.
Esta é a camada mais interna da córnea.
O endotélio tem apenas uma única camada de células de espessura e mede cerca de 5 micras. As células do endotélio são hexagonais e agrupam-se no mosaico endotelial.
O endotélio de um adulto jovem tem uma densidade celular de cerca de 3500 células/mm2. Este número diminui com a idade, mas a um ritmo muito lento.
A principal função do endotélio é assegurar a manutenção da desidratação e transparência da córnea, condições indispensáveis para uma visão nítida. Quando há falência do endotélio, a córnea torna-se opaca e a visão fica turva.
O que é o transplante endotelial da córnea?
O transplante endotelial da córnea consiste em substituir seletivamente o endotélio da córnea.
Durante muito tempo, a única opção era substituir toda a córnea. Um procedimento conhecido como transplante penetrante, que implica a remoção total da córnea doente e a sua substituição por uma córnea dadora.
Hoje, graças aos avanços da medicina, já é possível realizar um transplante apenas do endotélio.
Embora o transplante penetrante tenha sido a cirurgia padrão durante muitos anos, o transplante endotelial tem vindo a ganhar destaque devido às inúmeras vantagens. Este conceito foi introduzido em 1956 com o primeiro transplante endotelial, mas só na década de 1990 e início de 2000, este procedimento começou a ter resultados promissores.
Desde então o transplante endotelial tem evoluído para uma cirurgia minimamente invasiva, com muito pouco dano para o endotélio do tecido de córnea transplantado e enxertos microscopicamente finos. Os resultados clínicos foram-se tornando cada vez melhores e as recuperações cada vez mais rápidas.
Quais as vantagens do transplante endotelial em relação ao penetrante?
Menor risco de complicações pós-operatórias
- O transplante penetrante é um procedimento mais invasivo. É uma cirurgia realizada a “céu aberto” porque todo o “botão” de córnea do doente é removido. Isto implica um risco maior de complicações como infeções e catarata.
- O transplante endotelial como é um procedimento mais seletivo e com micro incisões, o risco de complicações pós-operatórias é menor.
Menor risco de rejeição
- Como o transplante penetrante envolve a substituição de toda a córnea, o risco de rejeição é maior. A córnea transplantada é um tecido "estranho" para o organismo, e o sistema imunológico pode reconhecê-la como tal.
- No transplante endotelial o risco de rejeição é muito menor, porque apenas uma camada da córnea é transplantada.
Recuperação visual mais rápida
- A recuperação da visão após um transplante penetrante é mais demorada, podendo levar vários meses até que a visão comece a estabilizar. O processo de cicatrização é mais complexo, uma vez que envolve todas as camadas da córnea.
- No transplante endotelial a recuperação visual é mais rápida, com os doentes a notarem melhorias na visão em algumas semanas ou poucos meses.
Melhores resultados visuais
- No transplante penetrante toda a espessura da córnea é substituída com maior assimetria entre o tecido do dador e do recetor. Também a necessidade de pontos de sutura pode levar a astigmatismos irregulares e menor qualidade visual.
- No transplante endotelial apenas a camada posterior da córnea é substituída. O transplante é realizado com poucas ou nenhumas suturas e o astigmatismo pós-operatório é muito menor.
Menor necessidade de seguimento médico e medicação
- Os doentes que realizam um transplante penetrante geralmente precisam de um acompanhamento médico mais frequente e de um regime de medicação mais intensivo, incluindo o uso prolongado de corticoides.
- No transplante endotelial o seguimento pós-operatório e o uso de medicação são menos intensivos.
Quais as técnicas de transplante endotelial?
Existem duas técnicas principais:
- DSAEK (Descemet Stripping Automated Endothelial Keratoplasty): técnica em que se substitui o endotélio e parte do estroma posterior da córnea.
- DMEK (Descemet Membrane Endothelial Keratoplasty): técnica ainda mais precisa, em que se substitui apenas a membrana de Descemet e o endotélio, com resultados visuais superiores.
Ambas as técnicas são realizadas com recurso a microcirurgia, através de uma pequena incisão, e muitas vezes sem necessidade de pontos.
Para quem está indicado?
Este tipo de transplante é indicado sobretudo para doenças que afetam apenas o endotélio, nomeadamente:
- Distrofias endoteliais, como a Distrofia endotelial de Fuchs;
- Queratopatia bolhosa;
- Cirurgia complicada do segmento anterior (como cirurgia de catarata, de glaucoma ou implante de lente intraocular) ou posterior (como cirurgia de descolamento da retina) resultando em descompensação endotelial;
- Falência endotelial após uma primeira cirurgia endotelial ou penetrante.
Banco de Córneas
Tal como qualquer outro transplante, o transplante de córneas só é possível devido à doação de tecidos. Os bancos de córneas, que preparam e armazenam as córneas de dadores, desempenham um papel fundamental neste processo.
Em Portugal, o programa para colheita e transplante de córneas está muito bem organizado e otimizado para permitir uma boa disponibilidade de tecidos para transplante.
Também existe a possibilidade de importar tecidos de bancos de córneas provenientes de outros países.
Olhar o mundo com outros olhos
A oftalmologia está a evoluir a uma velocidade impressionante. O transplante endotelial é um exemplo claro de como estes avanços podem oferecer soluções mais eficazes, menos invasivas e com melhores resultados.
Para muitos doentes, esta cirurgia representa não apenas o regresso da visão, mas também o regresso à vida ativa, ao trabalho e aos prazeres simples do dia-a-dia como ler um livro, ver um filme ou admirar uma paisagem.