A fisioterapia assume um papel muito importante

Sofre de Espondilite Anquilosante? Saiba quais os cuidados a ter no dia-a-dia

Atualizado: 
30/04/2021 - 14:43
A Espondilite Anquilosante é uma doença crónica que tem uma evolução progressiva, por vezes com surtos de inflamação da coluna vertebral ou de outras articulações, como ombros, ancas, joelhos e tornozelos, e que condiciona a mobilidade do doente. Por isso, em entrevista ao Atlas da Saúde, a reumatologista Ana Barcelos, membro da Sociedade Portuguesa de Reumatologia, revela quais os cuidados a ter após o diagnóstico.

Incluída num grupo de doenças designadas por Espondilartrites, a Espondilite Anquilosante é uma doença reumática crónica, de natureza inflamatória, mais frequente entre o sexo masculino. Começo por lhe perguntar quais as principais manifestações da doença e a que sinais devemos estar atentos?

O quadro clínico típico das Espondilartrites, onde a Espondilite Anquilosante (EA) está incluída, carateriza-se por dor na coluna lombar com caraterísticas inflamatórias. A dor surge depois de longos períodos de repouso e sobretudo pela madrugada, acordando o doente na segunda metade da noite e obrigando-o a mudar de posição ou a levantar-se da cama. Ao acordar (ou após algum período de repouso), o doente sente que a coluna está “presa para se movimentar” (rigidez), com duração geralmente de 30 minutos, referindo dificuldade para executar alguns movimentos, como por exemplo calçar as meias. A dor e a rigidez vão desaparecendo com a atividade física ao longo da manhã ou do dia. O envolvimento de outros segmentos da coluna, como a coluna cervical e dorsal, também é comum, instalando-se de forma ascendente a partir da coluna lombo-sagrada (fundo das costas). Com a evolução da doença, podem surgir limitações para realizar determinados movimentos, como por exemplo virar o pescoço para olhar para trás ou inclinar o tronco para a frente, para apanhar um objeto caído no chão.

As articulações periféricas podem ser afetadas em qualquer altura da evolução da doença e tipicamente envolvem os membros inferiores (ancas, joelhos, tornozelos e pés). Traduz-se por artrite (inflamação, dor e inchaço da articulação) e por vezes, no caso do joelho, pode haver líquido dentro da articulação. Outra das manifestações, é a inflamação das entésis (entesite), inflamação no local onde os tendões e/ou os ligamentos se inserem no osso, que pode ocorrer em múltiplas localizações, sendo as mais frequentes a inflamação do tendão de Aquiles (tendinite de Aquiles) e da planta do pé na região do calcanhar (fasceíte plantar).

Para além das manifestações músculo-esqueléticas, as Espondilartrites podem apresentar outro tipo de envolvimento, que surge habitualmente depois das manifestações articulares podendo, contudo, precedê-las e constituir o primeiro sinal da doença. São o envolvimento do olho (uveíte anterior) que se carateriza por olho vermelho e doloroso, geralmente unilateral, com visão turva; envolvimento da pele e das unhas (psoríase) – lesões avermelhadas e descamativas; envolvimento do intestino (doença inflamatória do intestino) caraterizado por dejeções diarreicas com muco e/ou sangue e envolvimento cardíaco (insuficiência da válvula aórtica). Outra queixa muito comum nestas doenças é a fadiga.

A partir de que idade podem estes sintomas surgir?

As primeiras manifestações da doença ocorrem habitualmente durante a 2ª ou 3ª década de vida, mas também podem ocorrer na infância ou no idoso.

Como se trata a Espondilite Anquilosante? E qual a importância da adesão à terapêutica?

O tratamento do doente com EA, independentemente do tipo de envolvimento, deve ser individualizado, doente a doente, e exige a combinação de medidas gerais, não farmacológicas (natação, hidroginástica, fisioterapia, cessação tabágica), com medidas farmacológicas. Os anti-inflamatórios não esteroides são os fármacos de primeira linha em todos os tipos de envolvimento. No caso do envolvimento articular periférico, são utilizados fármacos modificadores da atividade da doença como é o caso da sulfassalazina, metotrexato, entre outros. Os fármacos biológicos, medicamentos dirigidos contra moléculas intervenientes no processo inflamatório, são uma alternativa para os doentes que não respondem aos tratamentos anteriores. Existem vários disponíveis em Portugal, cuja segurança foi amplamente demonstrada sempre que são cumpridas as devidas recomendações para a sua utilização.

A adesão à terapêutica é fundamental para controlo da doença e para melhoria da qualidade de vida, mas para se obter uma boa adesão é necessário que o doente conheça a sua doença, aprenda a lidar com os sintomas, desenvolva estratégias de adaptação da doença à sua vida pessoal, familiar e profissional. Um doente bem informado é um doente bem tratado (reflete-se na melhor adesão ao tratamento e maior aceitação às recomendações feitas na consulta).

Qual o papel da fisioterapia para o bom prognóstico da doença? Todos os doentes com EA devem fazer fisioterapia?

A fisioterapia assume um papel muito importante nesta doença, no sentido de preservar a mobilidade e uma postura correta e realizar exercícios respiratórios de expansão torácica. As recomendações portuguesas e europeias recomendam a realização de fisioterapia. Contudo, temos sempre de considerar o melhor tratamento para aquele doente em particular e podem ocorrer situações em que a realização de fisioterapia não é possível. Por exemplo, em pandemia pode ser difícil conseguir vaga para fazer fisioterapia, dada a redução do número de doentes em sala ou o doente ter de se deslocar vários quilómetros para ter acesso à fisioterapia. Nestes casos, deverá ser privilegiado o exercício físico. Este deve ser ensinado ao doente, para ser depois efetuado diariamente em casa, após o banho para atenuar a rigidez. Deve ser interrompido quando provoca dor, pois exercícios mal realizados são ineficazes e podem ser até prejudiciais.

Sabendo que esta é uma doença de evolução imprevisível, quais os principais cuidados que os doentes devem ter no seu dia-a-dia, após o diagnóstico?

É muito importante a cessação tabágica (deixar de fumar), caso o doente seja fumador, pois está demonstrado que os doentes que fumam tem uma evolução mais grave da doença, comparativamente aos doentes que não fumam. A prática de exercício físico (natação, de preferência em piscina aquecida, hidroginástica/hidroterapia) é fundamental, no sentido de preservar a mobilidade e prevenir a perda funcional.

O doente com EA deve ter uma alimentação saudável, rica em fruta e legumes e pobre em gorduras, de forma a evitar o excesso de peso que leva à sobrecarga da coluna vertebral.

O cumprimento da medicação prescrita é fundamental para controlar a atividade da doença e prevenir alterações estruturais.

Quais os cuidados a ter com a postura? (por exemplo que erros deve evitar ao longo do dia: quando se senta, quando se deita, pode levantar pesos?)

É muito importante, ao acordar, tomar um duche quente e prolongado para aliviar a rigidez matinal e se possível, fazer alguns exercícios para mobilização da coluna. Quando está sentado ou em pé, deve tentar manter uma postura verticalizada, evitando a inclinação do tronco para a frente. Deve evitar estar sentado muitas horas seguidas, levantando-se de vez em quando. O repouso noturno deve ser, se possível, em cama dura e de barriga para baixo. Se não conseguir, pode dormir de costas, sem almofada ou com uma almofada pequena, só para apoio do pescoço. Deve evitar dormir de lado. Deve tentar estar a primeira meia hora quando se deita, de barriga para baixo. Pode começar com cinco minutos e aumentar gradualmente até chegar aos 30 minutos.

O doente com espondilite pode praticar desporto? Quais as modalidades ou exercícios mais aconselhados? Que mitos existem relativamente a este tema?

O doente com espondilite pode e deve praticar desporto, tem é de escolher o desporto adequado à sua doença. Os desportos de contacto (futebol, golfe, rugby, hóquei, basket, etc) não são recomendados. A natação, de preferência em piscina aquecida, hidroginástica e andar de bicicleta (com os apoios de mãos elevados de forma a evitar a inclinação para a frente do tronco) são exercícios recomendados.

No âmbito do dia Mundial da Espondilite Aquilosante, quais as mensagens-chave?

  • A EA não é uma doença reumática do idoso. É uma doença reumática do individuo jovem e que tem tratamento eficaz.
  • A dor na coluna lombar que surge durante a madrugada, interfere com o repouso e obriga o individuo a levantar-se da cama, deve ser motivo de consulta no médico de família para que este possa referenciar à consulta de Reumatologia, no hospital da área de residência.
  • Olho vermelho e doloroso pode ser a primeira manifestação de EA num individuo jovem.
  • É possível fazer uma vida normal e ter o diagnóstico de EA.
Autor: 
Sofia Esteves dos Santos
Nota: 
As informações e conselhos disponibilizados no Atlas da Saúde não substituem o parecer/opinião do seu Médico, Enfermeiro, Farmacêutico e/ou Nutricionista.
Foto: 
ShutterStock